Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
‘’Às vezes… Finjo ser eu o
versejador!
Nos tempos pós-modernos!
E em meus versos!
Sinto que não fostes embora...
Estás perdida entre os meus
versos...
Mais profanos... No estro
meu...
Às vezes finjo que não te
perdi,
Para todo o sempre! ’’
Samuel da Costa
Quando
foi apresentada a estranha e esdrúxula teoria do professor Adérito Muteia,
Virginia não ficou surpresa e nem chocada. A aluna de Belas-letras, Virginia
achou curiosa a teoria ser apresentada na cadeira de humanas, uma teoria que
misturava física quântica e neurolinguística. Então, somente quando a estudante
se aprofundou na teoria do professor Adérito Muteia, que as coisas passaram a
fazer sentido, pois um dos elos que unia a física quântica e neurolinguística
era a literatura fantástica do horror cósmico, lovecraftiana e a estética
surrealista.
Os olores ocres, da mata atlântica chegavam em Virginia, para lembrá-la de onde
ela estava, o pequeno bairro afastado, longe das agitações do centro da cidade
e dos empobrecidos bairros populares. Uma rodovia de mão dupla, enclausurava o
antigo loteamento em um vale, uma parede, uma morraria e duas entradas e saias
atrofiava ainda mais o lugar. O lugar tinha ares de uma pequena cidade do
interior, calma, poucas casas com dois pisos e com pouco trânsito.
O clima era mesmo de cidade pequena, onde todos e todas se conhecem, um pequeno
comércio, o fato que o local era ocupado por agentes do serviço de segurança. E
como o ambiente interiorano, estático sufocava Virginia, em demasiado, pelo
menos na adolescência, onde a inocência da infância fica para trás e a
complexidade da vida adulta bate à porta. Foi no ensino médio e na universidade
que Virginia respirou novos ares.
—
Virginia! Minha sobrinha, quem são estes três rapazes? Que vem e vão a esmos
por aqui? — Perguntou pesarosa Emengarda.
—
Que três guris tias? — Respondeu Virgínia com uma outra pergunta, ela que se
recusava a olhar para trás e olhar, o ranger da cadeira de balanço denunciavam
o ir e vir, o sobe e desce da tia Hermengarda.
— Que três! Ó nessa, os pretinhos que vem e vão na frente da nossa casa, ó pá!
— Proferiu Emengarda, a normalista de profissão, proferiu como se fosse um
artilheiro a disparar uma matadeira, a fazer uma pergunta retórica. Fazer
perguntas retóricas como um artilheiro dispara um obus sem parar, era uma
especialidade de Hermengarda.
Virginia espero outra dizer alguma coisa, mas Etelvina nada disse e a discórdia
entre as duas irmãs não veio, como era comum.
— Os três negrinhos, vem ver o antilhano! O esquisito do estrangeiro que vive
no final da rua — Falou mecanicamente Etelvina a datilografa de profissão.
— Sim, tias! Os três morenos, são amigos do antilhano! — Virginia ainda olhando
para a rua, com uma taça de vinho na mão, tentou encontrar umas palavras
certas! — Os três vêm rápido e saem rápido.
— Gimbeiros! Hippomgas ordinários! — Disse Emengarda com desprezo!
Virginia esboçou um breve sorriso, depois engoliu o sorriso, pois ela sabia o
que vinha por aí, ela se virou para trás, lentamente foi até a mesa de centro,
pegou o vinho verde, enchei as duas taças, serviu as duas senhoras. E por fim
sentou uma cadeira funcional Bauhaus Dessau.
Virginia ficou defronte das duas mulheres, respirou fundo, fechou os olhos e
viu o que não queria ver. A jovem, de longos cabelos negros perolados, trajada
com vestes brancas e vaporosas, pegou uma taça de cristal, que estava na
bandeja de prata, ergueu vinho do Porto e tomou um breve gole e olhou
profundamente para as duas parentas a poucos centímetros perto dela.
— Pois bem, o mais jovem se chama Getúlio, o segundo se chama Dornelles e o
terceiro e mais velho é o Vargas. Vieram nestas paragens atrás do antilhano, o
Bruxo, o Louis Charles Prêt, jovens senhoras, simples assim. — Virginia parou
para ver o efeito traumático na audiência e continuou — Como o foco não é o
desconhecido estrangeiro, vamos focar nos três cavalheiros. Os elementos
desconhecidos em si, foram se encontrar na praia, na beira do oceano, são de
bairros periféricos, de baixa instrução e aventureiros por natureza. Traço
comum entre os extremos digo eu, os que têm muitos recursos e os que nada têm,
em suma quem não tem nada a perder e os que tem tanto que só sobram as
sensações do perigo e no inusitado a preencher os seus vazios. — Virginia,
sorriu e olhou para os olhos vazios e os corpos inumanos das duas senhoras
postadas em suas respectivas cadeiras de balanço de vime e retomou o relato —
Sedentos de fortes emoções e bateram na porta do Oráculo e acabaram de
encontrar um Mephistopheles. Fim
— Só isto? — Protestou Hemengarda em fúria.
— Claro que não termina aqui minha cara! — Disse Etelvina sorrindo por dentro.
Fragmento do livro Do diário
de uma louca, de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e
bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.
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