Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Na infância eu rabiscava mundos através de desenhos. Quando aprendi a desenhar palavras comecei a construir novos mundos, lugares, sonhos, histórias e personagens. Eu só sabia escrever e tinha na mente cenários. A minha imaginação era infinita. Ousadia e coragem eu tinha de sobra para escrever. Mas com essas místicas, lendas e crendices humanas, eu não passava de jeito algum embaixo de um arco íris, os antigos diziam coisas de nos dar medo. Eu ouvia muito minha mãe falar dessas histórias. Talvez fosse uma forma que arrumaram de nós crianças não cometer travessuras na rua.
Quando eu aprendi a ler eu achava que o correto era falar bem declarado as palavras e pausadamente para ser entendido. Hoje eu posso dizer que tenho o dom da palavra. De tomei o gosto pela escrita, porque eu vi nesta arte a minha liberdade. O primeiro livro que me encantou me fez querer escrever histórias. Quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescer eu já tinha uma resposta pronta: escritora. Era visível a risada das pessoas. Muitos acham isso impossível e sem futuro financeiro.
Mas a minha determinação mostrou a todos quem eu sou. Não importa o que digam, não escrevo por dinheiro nem por fama, escrevo por amor. Quando estou com a caneta nas mãos o mundo se abre para mim.
Além da escrita
Posso dizer que eu fui além da escrita aos quinze anos de idade, me apaixonei pelo personagem Benê e vi a sua luta para ser aceito, para ter amigos.
Uma criança negra no meio de tantas crianças brancas.
Eu era Benê e queria para mim a sua ousadia. Acho que é mais coragem que ousadia. Numa cidade cheia de tabus e preconceitos comecei a escrever histórias com assuntos até então censurados. Escrevi sobre o amor entre dois homens, me atrevi a escrever sobre sexo e o uso da camisinha. Enfatizei a doença HIV/AIDS, tão temida por todos na época, tal como o câncer que nem sequer poderia falar o seu nome.
Aí percebi ao escrever que em mim uma mulher queria florescer. Eu descobri o amor e formei ideia de amor ideal, o problema é que depois de muito tempo você descobre que não existe esse amor. Eu não digo perfeito porque não existem coisas perfeitas na vida. O próprio ser humano é imperfeito. E é nessa imperfeição que as coisas podem dar certo.
Naquela época sequer tinha máquina de escrever. Mas sempre tinha em mãos cadernos e canetas, e assim escrevi o meu primeiro romance chamado “Um Amor Eterno”, algo além da vida.
Uma particularidade minha é que esses cadernos eram dados por minha mãe. Ela comprava na ida ao mercado. Ninguém acreditava no meu sonho, no meu potencial e ela apesar de não ter a certeza se eu teria futuro nisso me apoiava. Escrevendo eu pude me conectar com as palavras e com elas eu tive a oportunidade de viajar por novos mundos, aprimorando a fala e indo para o caminho do bem sempre.
Às vezes as editoras são cruéis
Como eu já havia falado, comecei a escrever histórias a partir de romances. Entretanto a minha escrita veio muito antes dos romances, com doze anos eu escrevia em diários. Acho que a relação de muitas mulheres com a escrita surge a partir daí. Posso dizer que é como um refúgio, às vezes na falta de amigos, com quem puder confiar os seus segredos ou frustrações.
Eu fico ausente quando escrevo. Muitos não percebem. Eu chego a me desligar do mundo, o que não foi diferente com os diários.
Escrever era como uma diversão para mim e arrisco dizer que ainda é. Entre bonecas e brincadeiras na rua, a maior parte do tempo eu estava escrevendo. Ali eu tinha a possibilidade de ser quem eu quisesse, abraçar a minha imaginação e ir para lugares diferentes como a minha amada lua. A lua sempre foi uma fuga minha. Longe de tudo e de todos, um mundo particularmente meu.
Todo o processo dava-se de forma bem-organizada, eu escrevia nos cadernos e para cada um elaborava uma capa, era quase um livro, porém escrito a mão. E tudo que eu queria é que as pessoas lessem as minhas histórias. Mas como? Nem sequer existia internet. Nos dias atuais isso é possível.
Por falta de experiência eu mandava o meu material para as editoras através de correspondências. Com poucos recursos eu não fazia cópias dos escritos. Mandava sem tanta preocupação. Ansiosa, eu fiquei por semanas à espera de respostas. Às vezes recebia uma carta em papel sulfite com a seguinte resposta: -Não é o que estamos procurando no momento. Porém as histórias não retornavam com as cartas. Dentre 20 cartas em três meses, por exemplo, apenas uma editora me respondia. Então passei a crer que eles sequer tomavam a iniciativa de ler as minhas histórias, por fim as cartas acabavam indo para o lixo. No entanto continuei tentando e na minha última tentativa recebi algumas dicas de um editor e ele deixou bem claro que editora alguma não lê cartas, ainda mais as que forem escritas à mão. Então eu dei uma pausa.
Eu enxerguei o quanto as editoras podem ser cruéis. Cheguei a pensar em parar de vez, mas a escrita me impulsionava a continuar. Continuei escrevendo como se a minha vida dependesse disso.
De repente o meu mundo…
De repente virei a página e comecei a escrever poesias, muitas dessas poesias tinham como enredo o amor. Poesias bem melosas parecendo romances mexicanos! O estranho é que eu não tinha alguém sentindo algo por mim. Eu bem que tentei. Mas o preconceito dele falou mais alto. Eu tinha a minha vida em letras. Algo muito bom para mim, ao mesmo tempo que eu aprendi a escrever, buscava aprender a lidar com o preconceito. As pessoas colocavam a cor da minha pele à cima da minha inteligência. Para muitos eu nada significava.
Só que o poder da escrita me libertou. O preconceito é inevitável, vivemos num país onde a sociedade tem o seu conceito de pessoas perfeitas e belas, porém com o desenvolvimento da minha escrita, eu tive a oportunidade de lutar contra tudo isso.
Digamos que a poesia me dá asas. O único problema é quando ela surge ao você está limpando a casa. Muitas vezes parei o que estava fazendo para escrever poesia. É como o amor, ele surge de repente.
Mas nas minhas poesias iam além do amor, eu falava de tudo sobre a vida. Na verdade, tudo que me encantava.
No meu tempo de menina as flores eram simples e não tinham mistérios para nascer. Algumas nascem do nada, como num passe de mágica.
As flores de hibisco avermelhadas davam cor às luzes do sol sobre o vidro da janela. As rosas da vizinha nasciam até na beira da estrada, no entanto a gente só podia olhar.
Como se percebe, lembrando de muitos fatos, eu já estou escrevendo poesia. De alguma forma estranha a escrita é o meu silêncio falando por mim, como se minha alma se libertasse. Provavelmente será assim para sempre. Voz que fala através das palavras é livre de todo medo e das amarras das críticas e julgamentos.
Como se percebe, lembrando de muitos fatos, eu já estou escrevendo poesia. De alguma forma estranha a escrita é o meu silêncio falando por mim, como se minha alma se libertasse. Provavelmente será assim para sempre. Voz que fala através das palavras é livre de todo medo e das amarras das críticas e julgamentos.
Durante a jornada eu ouvia muitas risadas irônicas,
debochadas. Ser eu mesma parecia algo errado e colocar isso no papel me fez
buscar formas de que isso não me afetasse. Quando minha mãe vinha com aquele
caderninho que atrás tinha o hino nacional o meu sorriso se abria. Era onde a
minha felicidade se tornava real. Eu, as linhas e os sonhos em palavras, um
único mundo sem muros!
Clarisse da Costa é poetisa, contista, cronista e designer gráfico em Biguaçu, Santa Catarina.
Contato: clarissedacosta81@gmail.com
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