quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

A INGRATIDÃO DOS FILHOS

 Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

  

Resguardada do ardor da tarde sob frondoso castanheiro, na cercania de carriça transmontana, a velhinha fia.

Tem o rosto sulcado pela goiva do tempo. Olhos apagados, lábios finos, boca desdentada, e tez crestada, da cor de centeio.

Fia; e o fuso: gira...gira...gira... pressionado pelos descarnados dedos.

Foi moça fagueira; esbelta, de farta cabeleira calamistrada e viçosa face da cor de nácar.

Casou… Foi mãe.

Criou filhos, que abalaram...

Todos partiram: uns, para o Céu; outros, em demanda de vida melhor...

Ficou; mergulhada em saudade e cuidados de quem a deixou.

De tempo a tempo, telefonam, escrevem...

Prometem interná-la num lar...

Daqueles que guardam pais e mães, que deixaram de serem prestáveis.

Cuidou dos filhos com esmero: ajudou-os a darem os primeiros passos; a comerem; à mesa; aparou-lhes a baba viscosa, que escorregava do beiço; enxugou-lhes o húmido nariz; branqueou-lhes a roupa enegrecida pela traquinice; passou horas de angústia à cabeceira do berço...

Os meninos eram tudo, e tudo era para eles.

Agora, é a mãe que carece de mão amiga: quem a ampare; quem cuide; quem lhe lave a veste enodoada; quem lhe apare as unhas endurecidas; quem a desvele com carinho.

Para que nada lhe falte.

Mas os filhos não têm disponibilidade...

Olvidam, que chegou o tempo de retribuírem; esquecem-se de pagarem - os cuidados, os carinhos que receberam...

Meditando, a velhinha fia.

E o fuso: gira...gira..gira...

Pelos desgastados olhos, desenrolam-se cenas amorosas, recreações pueris, que a memória guardou, com amor.

Agora só Deus permanece...

Só Ele ficou...

Os gerados pelas suas entranhas esquecem-se, que: a felicidade, o diploma, a riqueza que gozam, é fruto daquela velhinha, que junto ao carriço, arrimada ao secular castanheiro: fia... fia... fia...

Zagaziantes lágrimas de saudade, docemente escorem pela face encarquilhada:

-" Coitados! Têm muito que fazer...A culpa é das mulheres... trabalham muito. Como gostava de estar na companhia deles!…”

Leve sorriso amoroso, alastra-lhe pelo rosto tisnado...

E o fuso: fia...fia...fia...

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