domingo, 1 de janeiro de 2023

ÂNGELA

Por Waldir de Melo Filho (Siriri, SE)


A escuridão da noite densa era quebrada com a fraca luz de uma fogueira tímida de papelão, garrafas e pedaços de tábuas de uma frágil caixa de madeira que servira como esquife de tomates apodrecidos, devorados pelos fungos da decomposição orgânica que tremulava chamas amareladas de fumaças negras e mal cheirosas, tentando sem muito sucesso aquecê-la da corrente de ar frio e insistente que percorria por sob seu corpo arrepiando-lhe a pele negra e ensujecida como as correntezas das águas que contornam as pedras em seu caminho de leito aquoso.

Seu estômago vazio de comida, reclamava em roncos e dores finas e profundas, gritando os tormentos da inanição de dias sem nada para poder digerir. Estava fraca, e em seu estado de vulnerabilidade entregava-se ao abismo da loucura que a conduzia pelos caminhos tortuosos da duvida e questionamentos sem respostas que a fazia ignorar o certo, a razão da moral e os princípios em troca de algum prato de comida que a fizesse sobreviver mais um dia maldito de miséria. Oferecendo seu corpo como meio de barganha e pagamento para adquirir o sustento da sua existência. Mas, não conseguia muito e o pouco dos seus espólios não passavam de alguns cigarros amassados, sandálias quebradas e remendadas, as vezes alguns cobertores sujos, fedidos, usados aonde seu antigo dono se abrigava em sua imundície de degeneração e miséria. Conseguia com seu corpo pouquíssimas garrafas de bebidas alcoólicas e sentiu-se orgulhosa, desejada, querida e amada entre as tais que como ela viva sua realidade, quando certa noite conheceu o Daniel, moço jovem, bonito no auge dos seus 22 anos de pele branca, cabelos pretos e encaracolados, olhos negros e vivos, nariz pontiagudo como o de um marquês que ela viu certa vez assistindo uma novela de época na lanchonete enquanto comia selvagemente um hambúrguer servido a contra gosto pelo proprietário do estabelecimento a pedido de um freguês.

Daniel a fez se sentir mulher. Transou com ele com uma paixão que desconhecia, uma paixão de força quase incontrolada que a fazia se entregar em uma urgência de desespero, engolindo seu corpo imberbe, inexperiente com cheiro de docilidade que se assemelhava ao aroma divino dos anjos em sua pureza intocada. Estava em êxtase como se estivesse possuída, perdida entre o tempo e o espaço, vagando alucinada no limbo de um prazer animalesco que a fez voltar às origens da sua primitividade. Foi a primeira vez que sentiu prazer de verdade, um gosto inexplicável em ser preenchida pelo falo de um menino homem que lhe arrancava gemidos sem dor e murmúrios desconexos, fazendo-a viajar entre espasmos de gozo viscosos no mundo da fantasia, entorpecida pelo cheiro forte de água sanitária, resultado da mistura do esperma do seu anjo, aquecido nas carnes internas da sua vagina. Como o cheiro de enxofre saído das profundezas da terra, provocadas pela abertura de uma erupção.  Seu corpo enfraquecido formigava suado pelos arremessos das investidas fortes e profundas do seu menino avantajado, fazendo-a se sentir muito mais sortuda que Valéria Messalina.  

Estava feliz, realizada por se sentir útil como mulher e entender em seus padrões distorcidos e confusos que conseguiu atender com êxito o seu proposito em dar prazer ao seu homem. Conseguiu sentir o que até então supôs ser mentira, pois fingia deleite enquanto se consumia de ardência, desconforto e dores que agrediam seu útero, esfolando as paredes internas da sua vulva por não conseguir produzir lubrificação própria, e em seu desespero sofrido provocado por um sexo ruim, rude e grotesco, gemia de dores como se quisessem com elas enfeitiçar o seu parceiro, elevando sua autoestima de macho alfa o fazendo se desmanchar em ejaculação febril de prazer.

Não quis cobrar dele coisa alguma, mais recebeu como gratidão pelo momento proporcionado uma lata de cerveja quente que ela bebericava em goles suaves e pequenos como se quisesse preservar o liquido ali contido. O liquido precioso de Dionísio com sabor tão especial quanto o gosto do esperma do seu bem feitor que ela pegou com as pontas dos dedos em sua virilha e os levou a boca, como se quisesse preservar em seu paladar o gosto de sabor imberbe do interior do seu anjo! Guardou o recipiente da bebida em seu saco de tralhas imundas, como se guarda uma joia no cofre seguro, protegendo seu patrimônio dos olhares cobiçosos e invejosos dos menos afortunados!

Enquanto ajudava seu príncipe a vestir sua cueca box de cor vermelho escuro, encardida de cheiro azedo, forte que ela sorvia como se quisesse a todo o custo perfumar sua pele no odor, igual a um cão sarnento que se esfrega na carniça encontrada  para camuflar seu próprio cheiro de derrota e mostrar ao mundo o triunfo adquirido em sua trajetória de miséria. Um odor de pênis sujo, ensebado, guardado em uma cueca com manchas de pingos de urina, peidos e espermas ressecados como nódoa impregnada nas tramas do tecido, que para ela valia mais que o sudário!

- Meu nome é Daniel! Confidenciou-o enquanto ela ainda embebecida beijava suavemente sua barriga magra de pele brancas, brincando com os pelos ralos e aloirados que desciam do umbigo como um caminho da felicidade e se juntavam nos emaranhados do seu púbis.

- Nome lindo, disse ela procurando seus olhos que estavam perdidos no vazio, como se estivesse voltando catatônico do mundo da ilusão. O meu é Ângela, disse ela em voz baixa como se quisesse ser lembrada por ele, como se a sutileza em pronunciar seu nome para ele fosse ouvida pela alma e guardada nos arquivos secretos da sua memoria.

- Preciso ir! Disse ele demonstrando inquietação e arrependimento como se estivesse acordado de um transe, se arrepiando a medida que os dedos dela percorria seu braço.

Com a cabeça curvada em sinal de reverência e humildade como de um escravo diante do seu senhor, ela recebia dele a sentença do seu abandono. Sabia que estaria sozinha dali em diante. Que não seria mais preenchida de completude! Estaria amparada pelo medo da morte iminente que a perseguia pelos becos frios e escuros das ruas de Francisco Morato. Que seria coberta pela solidão que esmagava seu peito sem valor de mulher seca de propósitos. Estaria mais uma vez perdida na inviabilidade de suas andanças pelas ruas que a levavam aos bairros da insignificância social! Viu a silhueta da esperança indo embora com o seu anjo, dobrando a esquina depois de subir um escadão e chorou! Chorou como uma criança faminta sem se importar com o som dos seus lamurios, andando a passos rápidos como se quisesse alcança-lo, revê-lo mais uma vez e dizer em alto e bom som que o amava. Mais ele já não mais existia na sua realidade. Era como um fantasma translúcido que desaparecera ao sopro do vento frio da noite de primavera e em seu estado de perturbação e carência, pronunciava aos gritos o nome do seu príncipe, como se o estivesse invocando do mundo abstrato da fantasia imaginária, procurando sem sucesso o rosto conhecido entre os transeuntes.

- Daniel, Daniel, Daniel! - vociferava ela encolhida na calçada da degradação, se agarrando ao nome místico como um náufrago a sua tábua de salvação até sua mente sucumbir de vez ao estado da loucura.


10 comentários:

  1. Parabéns um texto capaz que nos faz refletir sobre a nossa existência como humano parabéns meu amigo

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    1. Muito obrigado pelo singelo carinho da leitura e apoio ao meu humilde trabalho. Forte abraço meu amigo.

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  2. Parabéns! Um conto forte; assim como a realidade de várias mulheres nessa vida , sem ter atenção de ninguém.

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    1. Muito obrigado pelo feedback de carinho feito á leitura do meu humilde texto minha amiga. Forte abraço.

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  3. Parabéns! Texto bem escrito, nos reporta a cena, ao sofrimento e a paixão.

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    1. Oi minha amiga Maripri, grato pelo carinho e atenção dedicados ao meu singelo trabalho. Forte abraço.

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  4. Parabéns, Angela também é um ser humano com vontades, com pensamentos iguais aos outros. O escritor soube descrever com clareza poética, o envolvimento de Angela e Daniel. (Manoel Ianzer)

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    1. Poxa, feliz por saber que conseguiu ler nas entrelinhas a essência dos sentimentos sinceros dos personagens, escondidos debaixo dos maus tratos sociais dos seres humanos. Muito obrigado pelo carinho Caro Amigo Manoel Ianzer.

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    1. Bom dia nobre amigo (a). Fico imensamente feliz em saber que dispensou um pouco do seu tempo para ler minha humilde e singela obra. Agradeço de todo o meu coração pelo seu carinho, principalmente por saber que gostou da história. Forte abraço.

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