domingo, 1 de janeiro de 2023

FLOR-DE-LIS

Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)

 

Quem são as outras pessoas?

São simplesmente

Nada mais que

Nano-partículas áreas

Alheias a nós mesmos

Nas nossas subexistências liquefeita

São astros mortos

Gravitando perdidamente

Os outros?

São entes etéreos

Vagando cegamente

No cosmo pós-moderno

No paraíso artificialmente fabricado

 

            Fá Rodrigues Butler olhou em volta e sentiu todo o peso da solidão e da semi-clausura perpétua que lhe caírem nas cansadas costas. E ela pensou, também, na decisão que tomou há muito tempo: — Se é para viver deste jeito, pois então, que seja pelo menos do meu jeito! — E foi assim que o projeto da floricultura nasceu lá atrás, que ela nominou mais tarde de Flor-de-lis, um espaço de cultivo de flores e plantas raras e exóticas.

            Então tudo foi projetado por ela para ser artificialmente controlado ao máximo do possível. Tudo vinha do desejo de Fá, da mais complexa decisão administrativa até o mais vago detalhe artístico da decoração. Ali até o tempo parecia que existia então somente para servi-la. A própria Fá parecia ser um quadro vívido, uma pintura emoldurada, uma peça perdida no tempo e no espaço de um atormentado obscuro artista do alto medievo. Em cada gestual, em cada fala, a mulher, que aparentava ter meia idade, parecia que estava sempre desempenhando um papel em uma peça teatral, para uma plateia avida por mais um ato.

            Especialmente, naquele dia ela mandou Manoel e Ramirez iriam adiantar um trabalho agendado para o dia seguinte. Também deu folga, de última hora, para a jovem e dedicada secretária particular. Ela também dispensou as visitas pré-agendadas do advogado e do contador naquele mesmo dia. E assim foi como alguns clientes habituais que apareciam sempre na mesma hora, ela avisou, que não estaria para ninguém, que não receberia ninguém naquele dia. O dia era só dela, ou quase dela, pois a urbanista e paisagista profissional teria as plantas e projetos como companhia.

            Foi naquele começo de noite, depois de um longo dia de solidão voluntária e muito trabalho, ela sentiu a extrema necessidade de levar a mão até a parte interior do balcão para pegar a garrafa de Cointreau e a cigarreira. Logo ela que não tinha esses hábitos, de se dar ao luxo dos prazeres de carne em horário de trabalho.


 

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