quarta-feira, 1 de maio de 2024

AMORES E DORES AO ENVELHECER

Por Paulo Cezar S Ventura (Nova Lima, MG)

 

Cuidar de você, hoje, é uma boa forma de pensar o futuro, sem ansiedade.

A partir de que idade precisamos começar a pensar em nossas vidas? Depois dos sessenta, setenta ou mais?

Não sei até onde é verdade a afirmação de que os jovens não pensam na velhice, mesmo tendo parentes velhos por perto.

Ouso afirmar que o futuro é sim, importante, embora vivemos em uma época em que se valoriza o momento presente para evitar ansiedades desnecessárias.

No entanto, pensar no futuro não é apenas curtir ansiedades.

Sei disso pelo preço que pago em não ter pensado no tal de futuro, tempos atrás, o que me leva a um presente cheio de dúvidas sobre o hoje à tarde e sobre o amanhã.

Perde-se, ao envelhecer, certas valentias.
Tenho medos à luz do dia:
qualquer inverno ouropretano me amolece;
qualquer curva da estrada me arrefece;
qualquer anoitecer anuviado me entristece.

Perdemos muito mais que as valentias ao envelhecer. Perdemos muito tempo na vida fazendo coisas que não queremos e não gostamos, para agradar a terceiros. Agradar as pessoas é bom, mas dizer não de vez em quando é ainda melhor para nossa autoestima.

Dádiva de envelhecer
É perder a noção do tempo.
Perde-se a medida do tempo
Ganha-se o tempo: inteiro.

E nesse tempo a não ser perdido precisamos colocar uma grande atenção às questões de saúde. Esse cuidado não deve ter início quando chegamos àquela idade em que somos denominados pessoa idosa. O começo de nosso envelhecimento está no momento do parto. Acredite, a negligência de hoje será cobrada amanhã. Nesse ponto, cuidar de você, hoje, é uma boa forma de pensar o futuro, sem ansiedade.

Todo cuidado com a saúde ainda é pouco. Valho-me de minha própria história para exemplificar. Até em torno de meus quarenta e cinquenta anos, eu ia ao médico em duas situações: fazer exames médicos para a prática de esportes e cuidar de algumas lesões adquiridas nessas atividades. Ou seja, fraturas ósseas, tornozelos inchados e luxações nos ombros. Com o tempo comecei a visitar o doutor para o famoso exame de próstata e aproveitava para fazer aqueles exames de sangue “sopa de letrinhas” que nunca acusavam nada de anormal.

— Você é um patrimônio clínico, dizia a médica a quem visitava uma vez por ano, sempre no mês de meu aniversário. Ouvir a frase era meu presente. Por isso a surpresa, minha e dela, quando tive meu primeiro episódio de taquicardia supra ventricular (TSV), algo que se repetiu esse ano.

Silêncios plásticos, eloquência dos vazios,
vocação para o deserto:
aprendizagens com o envelhecer.

No caminho dos silêncios plásticos veio a dengue. Não fiquei imune. Ela me pegou de jeito. Um domingo à tarde senti um cansaço enorme, deitei-me no sofá da sala. Meia hora depois tentei me levantar: o corpo recusou. Insisti, foi necessário um enorme esforço para isso. Com o esforço veio as dores no corpo, da cabeça aos pés. Dia seguinte, direto ao hospital. Exame de sangue: cadê o sangue que não veio à seringa? Desidratação. O tal vírus bebe todo nosso líquido, foram mais de dez dias de hidratação exaustiva e hemogramas diários para medir as variações do número de plaquetas.

Em 2024 a dengue já levou a óbito muita gente. Os números são inconclusivos, mas além das mortes confirmadas existem outras 2000 que estão em investigação. Entre os mortos, em dados divulgados em 12 de março de 2024 pelo Ministério da Saúde, o número de mortes de pessoas com mais de 60 anos representava 57% do total de mortes pela doença no país até aquele período. E o período mais crítico veio depois dessa data, com dados totais ainda não divulgados. Embutidos nesse número estão as mortes de pessoas com mais de 70 anos, que representava 74% das mortes de pessoas idosas, causadas pela dengue.

Assim como nos tempos bravos de covid-19, somos nós os mais vulneráveis. Óbvio que a velhice já é, em si, uma vulnerabilidade lógica. Mas essa vulnerabilidade é aumentada pelo descaso das pessoas que detém o poder: o poder público que não controla e o poder privado que não se preocupa com nossas questões ambientais. Até quando o medo será nossa companhia?

Lembrem-se, caros jovens. Vocês também envelhecerão (ou morrerão jovens?) e serão maioria populacional nos anos que se aproximam rapidamente. Se nós, pessoas idosas de hoje, já não temos os cuidados necessários, o que será de vocês? Quem cuidará dos mais de 40% de pessoas idosas, número a ser atingido muito breve?

Em vez de envelhecer escrevo poemas.
Rejuvenesço em versos.
Não há tempo para as duas coisas, são incompatíveis.
Quem escreve não vê o tempo passar.

 

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