Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Camilla, minha
querida irmã!
Digo que fiquei
alarmada, mas não surpresa, com a tua última carta, eu bem queria te responder
de outra forma, tamanha a minha aflição. Mas por fim uma carta é a melhor forma
para nós duas, pelo menos no momento atual.
Infelizmente, a
praga que você mencionou, também chegou até aqui! Tu bem sabes, que por aqui a
vida e o tempo se arrastam de forma lenta e com poucas mudanças. E hoje tenho
saudades, do bom tempo em que as nossas únicas preocupações sobre violências,
eram com os poucos roubos de bicicletas e de passarinhos furtados.
Li e reli a última
carta, que tu me enviaste e não pude fazer certas ligações com casos isolados,
que ocorreram por aqui, as nossas pequenas tragédias. Lembras do Sebastião? O
nosso velho Tião, da nossa meninice, sempre bêbado e sempre andando e caindo pelas
ruas da cidade. Inofensivo, pedindo dinheiro para mais um trago, pois bem
depois de muitos tragos o velho Tião, um dia a ao final da tarde, na tardinha,
ele cai no meio da rua. Pois bem pensamos que por fim tinha morrido, mas não
morreu e a história é um pouco estranha. Um policial que fazia a ronda na praça
da cidade, que o viu caindo no chão, verificou os sinais vitais e percebeu que
o Sebastião, ainda estava vivo e o policial chamou uma ambulância. E assim foi
o maltrapilho e barbudo Tião parar no hospital, na cidade vizinha. Camila,
minha irmã, foi um fato trágico, embora mais que esperado. E poucos deram mais
atenção ao fato em si. E outra tragédia veio para abalar a nossa calmaria,
longe dos grandes centros.
Camilla você sem
lembrar do Luide? O nosso bom amigo de meninices faceiras! Pois bem, você bem
sabe dos problemas mentais que ele teve quando era mais moço, andando sem rumo
pelas ruas da cidade e indo e voltando pelas cidades vizinhas, até ser
reconhecido por alguém e o levarem de volta para casa. Ele sempre falava
sozinho, interagindo com gente e coisas que não existem. Pois um dia ele ficou
mais agitado, gritava, chorava, ria, esbraveja, se encolhia em desespero e por
fim era um pouco agressivo. Até que por fim, ele também caiu no meio da rua, no
mesmo lugar e na mesma hora que Tião caiu. Também foi socorrido, os socorristas
notaram que estava desacordado, e mais uma vez, mais um dos nossos foi
socorrido ao hospital.
Essas duas
tragédias em três dias de diferença, não chamaram a atenção de ninguém com
muita profundidade, e Camilla nem o jornal e rádio da nossa cidade mencionaram
os dois casos. O padre, da nossa paróquia, na missa de domingo pediu para que
rezarmos pelos nossos irmãos convalescidos. E também, nas pequenas igrejas
neopentecostais e protestantes, os pastores pediram orações pelas duas pobres
almas.
Camilla, o mais
trágico vem depois, Arthur, que tu não conheceste bem, era filho da Glória a
nossa amiga de escola, você bem sabe que ela era minha amiga, éramos
inseparáveis. Se lembra dela estudando? A Glorinha, sempre na nossa casa e às
vezes ela dormia na nossa casa! E do papai nunca me deixava dormir na casa
dela, era sempre uma briga com papai e mamãe e eu a Glorinha sempre chorávamos,
quando ouvíamos o não de papai.
Pois bem irmã, tu
bem sabes que eu dou aulas de inglês, português e literatura na escola que
Glorinha era diretora. A mesma escola, que a gente estudou e nós formamos. Pois
minha querida Camilla, por Deus Camilla, fui eu que escolhi o nome do primeiro
e único filho dela Arthur, sempre adorei as lendas do rei Arthur como bem sabes
Camila. Por Deus Camilla, não se sabe como e nem por quais circunstâncias, o
nosso jovem Arthur, o nosso doce Arthur professor de literatura, muito querido
por todos e todas. Ele sempre calmo, estudioso e bem-comportado, ele estava
andando pelas ruas da cidade. Estava encharcado de sangue, balbuciando palavras
ininteligíveis, era um idioma estranho que ninguém entendia. E ele cai
inconsciente, no mesmo lugar, por Deus Camilla, foi no mesmo lugar, na mesma
hora, no final da tarde. Em espaços de três dias.
Assim como os
outros casos, ele caiu desacordado e mais uma vez foi socorrido por uma
ambulância e levado ao hospital. E te confesso que não tive coragem de avisar a
minha amiga querida, a minha irmã de coração. Por Deus Camilla, me contaram
depois que a nossa Glorinha não estava mais viva, Arthur a tinha matado. Pensei
em uma briga entre os dois, pois era sempre assim quando Arthur perguntava pelo
pai dele, quem eram, se estava vivo e onde vivia. Eu mesmo nunca soube e nem
perguntei, quem era o pai de Arthur. Mas os vizinhos não ouviram nada, pois
eles dois sempre que brigavam faziam muito barulho. Mas naquele sábado ninguém
percebeu nada e somente um estranho silêncio reinava na casa.
Pois bem Camilla,
soube mais tarde que Arthur estava desacordado no hospital. Os três casos, em
um intervalo de três dias. E nesta hora, que tu passas os olhos nesta carta,
você deve estar se perguntando por que tu, de nada ficou sabendo. Pois bem,
você tinha acabado de sair daqui, para dar as tuas aulas de música e em meu
amor infinito por ti, não imaginava tu voltando para casa e não era justo para
contigo. Aqui se repetiu o mesmo silêncio que acontece por aqui, um hiato
inexplicável.
O que aconteceu
depois, minha querida Camilla, algo muito estranho, para além das estranhas
tragédias, que abalaram a nossa calmaria interiorana. Uma equipe médica, veio
ver os três pacientes. Você sabe que poucas coisas escapam de um universo tão
pequeno como o daqui. Uma aeronave descendo em uma fazenda por aqui não passou
despercebida. E quando sai de dentro da aeronave uma equipe médica, na luz do
dia, fica muito difícil de se esconder. Desembarcaram aqui e depois foram para
o hospital na cidade vizinha.
E um nome começou
a circular pela cidade, Calibor, o doutor sono, só depois fiquei sabendo que
ele era um neurologista estrangeiro, reconhecido pelo mundo da medicina. Eu
gostaria de não o ter conhecido, mas tive o desprazer de o conhecer, pois este
homem era tudo, menos o que se espera de um médico mundialmente renomado.
Soubemos de muitas coisas porque muitos médicos, médicas, enfermeiras e
enfermeiras, que trabalham no hospital, vieram viver por aqui na zona rural.
Gente de fora que veio trabalhar no hospital.
Pois bem Camilla,
este sujeito passou por aqui, na nossa cidade, deste fim de mundo, vi este
homem de pele escura, sem um fio de cabelo na cabeça, rosto fino, um
cavanhaque, parecia um egípcio. Não usava um janelo branco como os médicos e o
povo da saúde usam, ele estava usando um jaleco amarelo pálido.
E lá estava ele,
analisando o local onde os três tinham caído, ele o seu séquito, homens e
mulheres bem alinhados, e mais o diretor do hospital onde estavam os internados
os infelizes cidadão da nossa cidade.
Camilla, eu não
queria ter visto, mas vi, pois o alvoroço da cena que tinha mobilizado a
cidade, eu não escapei do canto da sereia. Eu vi quando o doutor tirou os
óculos escuros e redondos, de aro de tartaruga, as lentes eram espelhadas, vi
os olhos dele Camilla, os olhos não eram frios, e nem exalavam maldade, eram
olhos blasfemos. Eram profundos, abissais e álgidos! Depois eles foram embora,
como se nada fossemos, pois nem mesmo os políticos locais conseguiram convencer
aquele homem estranho ficar mais tempo na nossa cidade. Foram embora em uma
limusine, levantando poeira.
Camilla que cena,
horrível ver aquele homem ali, eu senti na minha alma, eu bem sabia que algo de
ruim estava por vir e veio. E o que passo a pensar que começou aqui, na nossa
cidade, Camilla vi nascer aqui a tempestade que te assola aí no litoral. É um sentimento
meu, que guardo para mim e agora divido contigo.
Da tua irmã
Cassilda.
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário