Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
Do embate matinal com Manoel, o
burgomestre local, até o cair da noite, muitas coisas tinham mudado. Das
entregas dos frutos do mar, que Clara tinha encomendado com o burgomestre, a
casa de casa notou que os frutos do mar eram frescos e que Manoel não
superfaturou os preços. Os jornais semanais, revistas e as correspondências,
que eram estregues atrasados, foram entregues. Trabalhadores locais foram se
oferecer para trabalhar e pessoas que passavam apressados na frente da
residência de Clara, pararam e davam bons dias e boas tardes. Clara Witmarsum,
não soube e não tinha como saber, que o seu marido, Rodolfo Bianchi Hoffmann,
um jovem advogado, recebeu telefonemas e breves visitas em seu escritório, eram
assuntos amenos e boas-vindas. Agora no cair da noite, depois de jantar, os
poucos convidados estavam na ampla sala de estar.
No moderno aparelho de bom, um
chorinho tocava baixo e contrariando a vontade de Rodolfo, os empregados
domésticos a muito foram dispensados por Clara. Estavam todos tomando licores e
fumando os seus cigarros e o silêncio imperava, em um misto de curiosidades e
apreensões.
— Então dona Clara! Soube que a
senhora tem um tio controverso na velha Europa! É verdade? — Perguntou o
comerciante aduaneiro Genaro Manfredini.
— Na verdade, um tio-avô materno! —
Corrigiu Rodolfo.
E Clara passou a contar parte da
história da própria família tanto materna. Eram, segundo Clara, a família
Witmarsum que estava envolvida na longa
disputa entre as regiões da Alsácia e Lorena, que remonta há uma milenar
disputas sangrentas e como a família Witmarsum, percorreu as regiões de fala
germânicas, na velha Europa. Então o núcleo familiar de Clara, foi se
estabelecer entre a Áustria e a Suíça. A pátria dos Witmarsum por fim se
resumia à fala alemã.
Tudo ia bem, até que o bisavô
materno de Clara, Wagner Witmarsum, resolveu juntar os poucos bens em uma mala
e partir para o sul e partir daí percorrer toda a Europa latina. Foi ser ator
de teatro mambembe, ser músico de rua, cozinheiro, artesão, marujo de várias
embarcações e percorreu todo o mediterrâneo, participar de revoltas, rebeliões
e guerras civis no sul do continente europeu e por fim desaparecer por completo
de vista.
— Nossa! Que vida dona Clara, que
vida teve o seu parente! — Disse Antônio Dias, depois que ouvir a história e
continuou! — Como a senhora soube tudo isto?
Clara levou um cálice e licor de
goiaba até os lábios, manchado de a peça de cristal com de batom.
— Parte da história soube por
familiares, outra parte tive acesso às correspondências em da minha bisavó com
Wagner e as lacunas fiz uma pesquisa das aventuras e desventuras de Wagner. O
meu parente parece em diários, notas de jornais, memórias, cartazes das peças
teatrais que ele participou, partituras de músicas que ele compôs. Exposição de
quadros que participou, opúsculos e alfarrábios que editou — Disse Clara
omitindo os escândalos e aventuras amorosas que Wagner Witmarsum teve ao longo
dos anos, até o aventureiro morrer em algum país na costa africana do
Mediterrâneo.
— Daria um bom livro, dona Clara! —
Ponderou o guarda livros Guilherme Conrad.
Todos os olhos se voltaram para a
dona da casa naquela hora, Clara caminhou até a janela, estavam no terceiro
andar, a dona da casa abriu a janela, sentiu a brisa outonal marítima e escutou
as ondas quebrando na orla e se virou para os convidados e o marido.
— Temos assuntos mais urgentes,
senhores! — Sentenciou a dona da casa e continuou — Vamos fundar uma cidade!
Um silêncio supra real tomou conta
da sala de estar, depois sorrisos nervosos, pigarros de indignação, olhos
arregalados e bocas abertas. Pois homens de meia idade, com certo poder em
pequenas cidades vizinhas, estavam em um pequeno balneário de veraneio. Todos
ali sabiam que Clara Witmarsum não era uma mulher qualquer e que ela estava
além deles mesmo e do tempo em que vivia.
— Na verdade, vamos desmembrar esta
praia da cidade! E cada um terá um papel fundamental, seremos como uma pequena
orquestra tocando uma sinfonia inaudita tocando nas sombras.
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