terça-feira, 1 de abril de 2025

OPERA MUNDI: O CAÇADOR NOTURNO (SÉRIE: OS CEIFADORES)

 Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

‘’Entre os aromas

Das flores e a sutileza

Das palavras,

Eu prefiro as flores.

Nem toda palavra é confortável. ’’

Clarisse da Costa

 

Layla tinha uma vida vazia, despropositada e com uma sufocante rotina burocrática e monótona, era sempre fazer a mesma coisa, do mesmo jeito no trabalho de meio expediente e ela trajada com um impecável uniforme de trabalho. E tinha os fortes odores de álcool, vindos dos mimeógrafos sempre a rodar, os amanuenses de cabeça baixa e concentrados no trabalho, em silêncio copiando textos e carimbando papéis e o vai e vem estafetas, entregadores e coletores de encomendas e caixeiros-viajantes. Tinha também o rádio ligado, dando informes em idiomas variados em termos técnicos, que Layla desconhecia. E os ruidosos chiados do telégrafo funcionando, cuspindo tiras de papel a toda hora, alertando as posições das embarcações mercantes em alto mar.

E de repente, tudo mudou na vida de Laila, com uma reunião no final da tarde no meio da semana, no Hotel Reno, foi uma pequena confraternização. Enrico, o dono da casa de comércio, tinha fechado um grande contrato de distribuição e representação, com empresas nacionais e estrangeiras. Enrico, estava feliz e, quando Enrico estava feliz, fazia lá as suas extravagâncias, o jantar de confraternização com todos os empregados do escritório da casa de comércio, vendedores externos e alguns poucos associados. Então a jovem Laila, sempre calada e obscura datilografa, experimentou um pouco do gosto, de uma felicidade momentânea em um ambiente, que para ela era desconhecido e distante. E provar do gosto de champanhe gelada, cigarros aromáticos, charutos caribenhos e comida sofisticada, foi um divisor de águas para Laila.

            E não demorou muito, para Layla passar a tomar café da manhã, almoçar, tomar café da tarde e jantar no pequeno e mal afamado Hotel Reno e se embrenhar na fauna e na flora do lugarejo pitoresco. E não demorou muito para surgirem novas e inusitadas amizades e não demorou muito para o lugar se tornar o lugar de caça de Laila, ela à procura de fortes emoções. Ao cair na noite eram breves aventuras românticas, no hotel Reno, eram encontros furtivos à meia luz, com gente totalmente desconhecida e pouca gente conhecida. Então vieram os presentes, pequenos mimos, os pequenos agrados para e bela esfuziante redescoberta Laila. Eram brincos, tiaras, colares, broches, pulseiras, anéis, perfumes, lingeries, licores, batons, sapatos, e bombons e quase sempre importados e caros. Itens que viraram lembranças bem guardadas, peças que Layla raramente pensava em usar em público.    

***

            Layla olhou para frente e viu uma luz distante e diáfana, a datilógrafa teve a estranha impressão que os murros, que a ladeavam, estavam lhe comprimindo e sufocando. Laila, a datilógrafa, lembrou da frase que sempre dizia para si, antes de começar uma aventura amorosa: — Bem vindo a minha teia! Disse a aranha para a mosca!

          E indo para mais uma aventura romântica, caminhando no beco escuro que dá acesso a entrada dos fundos do Hotel Reno, Layla sentiu o horrível odor de carne putrefata pairando no ar. Laila, elegantemente trajada de vestes negras, caminhando sozinha, com os seus saltos altos, em meio a escuridão escutou: — Bem vindo a minha teia! Disse a aranha para a mosca! — Os sons inorgânicos das palavras proferidas, ecoaram no ar, enchendo a mente e o coração da datilógrafa, de pavores e medos. Laila, correu em desespero e chegou até a porta dos fundos do Hotel Reno.

             E ao cruzar a porta da entrada de serviço do Hotel Reno, Laila, se deparou com o hall de entrada do amplo corredor vazio e a datilógrafa caminhou acessou a porta à esquerda. Ela se deparou com uns poucos funcionários do hotel, estavam se aprontando para o trabalho e outros funcionários estava se aprontando para voltar para casa, era a troca de turno.

            — Tudo bem senhorita Layla? — Perguntou a preocupada Mariângela, a chefe das camareiras. A trabalhadora, olhava para a desconcertada Laila, a poucos passos à frente dela, eram quase amigas as duas. Era comum para Mariângela, receber a alegre e feliz Laila, quanto estava se aventurando no Hotel Reno.   

            — Tudo bem mulher! — Respondeu a ofegante Laila, que tirou do bolsa um frasco de perfume Aimer, um perfume belga, raro de encontrar no comércio local, era praxe presentear a simpática chefe as camareiras. Mariângela, que naquela altura, pensava ser desnecessário receber os presentes de Laila.      

            — A senhorita Layla precisa de alguma coisa? — Perguntou o preocupado Raphael, o chefe de segurança do hotel. Ele atrás de Laila, ela que se vira e encara o chefe de segurança.     

            — Tudo bem meu bom amigo! — Respondeu Laila, com a voz trêmula.

          A datilógrafa, mais uma vez, levou a mão à bolsa e tirou dois cartões de cortesia, de acesso às bebidas do bar do hotel, era outro presente para as duas equipes do hotel. Era a praxe final, antes de Layla subir as escadarias das camareiras, rumo à suíte privativa do Hotel Reno. Raphael repassou as chaves de acesso à suíte privativa, chaves que somente o chefe de segurança e a chefe das camareiras possuíam, assim como os cronogramas de atendimentos dos quartos. Layla pegou as chaves da suíte privativa, com certa rudeza, deu as costas e rumou às escadarias das camareiras.

            Layla estava nervosa, pois a datilógrafa sentiu fortes odores putrefatos de carnes mortas. Odores fétidos, que ela passou a sentir quando entrou na entrada de serviço do hotel. A datilógrafa, teve um mal presságio, sentiu que alguém ou algo a acompanhava, desde quando entrou no beco de acesso aos fundos do Hotel Reno. Laila, se sentiu como um animal selvagem, na mira implacável de um caçador à espreita, um paciente caçador noturno. E uma voz gutural passou a repetir na mente dela: — Bem vindo a minha teia! Disse a aranha para a mosca!                    

 

Fragmento do livro: Em perpétuos ciclos, por Samuel da Costa, novelista, poeta e contista em Itajaí, Santa Catarina.

Argumento de Clarisse Cristal, bibliotecária, contista, novelista e poetisa em Balneário Camboriú, Santa Catarina.  

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