Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
‘’Madrugada gélida quero ser tua, despida.
Despida de assombros e desassossegos
Permita-me ser a tua devassidão, o teu desatino!
No êxtase, me invada! Toma-me com prazer.
Toca a minha pele, ansioso com ar de mistério! ’’
Fabiane Braga Lima
O mensageiro, era quase uma criança,
tinha o fenótipo e o genótipo de um indígena, com os seus vibrantes olhos
negros rasgados, cabelo curto e negro reluzentes, pele amendoada, com uns leves
traços peculiares, quase alienígena. Usava um impecável uniforme elegante, do
mensageiro do Hotel Reno. O mensageiro passou pela recepção da casa comercial,
sem ser anunciado e ninguém dar conta da sua existência. Cruzou um pequeno
corredor de mesas de trabalho, caminhou rumo à mesa de trabalho de Layla, a
eficiente datilógrafa.
Parou na frente da mesa de trabalho da
datilógrafa, sem nada dizer, Layla absorvida com o seu trabalho, demorou para
notar a presença do mensageiro. Primeiro, o que chamou a atenção de Layla foi o
sutil eflúvio, de essências de flores de laranjeira hidrossolúvel aromática,
própria para cosméticos. Um aroma que Layla adorava, pois usava um sabonete de
mão, com essa essência.
Então, a datilógrafa, olhou para
frente, com um olhar irrequieto, para o desconhecido mensageiro, pois Layla
conhecia bem todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras do Hotel Reno,
tanto o hotel principal, como o hotel secundário. Layla reconheceu o uniforme,
mas não reconheceu o mensageiro. E o personagem peculiar, sem nada dizer ergue
a mão enluvada e passou um bilhete. Layla recebeu o bilhete e o leu, era
sucinto e certeiro o bilhete manuscrito e uma caligrafia fina e trêmula, que
assim dizia em francês: — Bom dia! A senhorita, não me
conhece! A vi noite passada e não resisti e cheio de audácia, lhe envio este
singelo presente. Assinado Adore! — Layla dobrou o
bilhete com delicadeza e olhou para o mensageiro, que repassou
para a atônita datilógrafa, um delicado estojo de madeira, enluvado com uma
manta de veludo carmesim. O mensageiro, deu as costas, sem dizer nada e foi
embora. A datilógrafa, olhou o mensageiro partir, voltou-se para si, abaixou a
cabeça, ela estava com o estojo em uma mão e lei o logotipo, estava escrito
Adore, em amarelo ouro reluzente, em fonte bold sublinhada. Layla abriu o
estojo e viu um colar de pingentes Bohemia de três camadas, era cravejado de
pequenos diamantes. A datilógrafa, nervosa, se levantou da cadeira de trabalho
e com a voz embargada, tentou chamar o mensageiro de volta, ele que a muito
desaparecera.
E que se seguiu por um mês, foi uma
rotina que angustiava Layla, poesias sedutoras, publicadas em jornais e
declamadas em estações de rádios locais, sempre assinado por Adore e sempre
dedicadas para dama da noite. E uma série de sofisticados presentes, sempre ao
final da tarde, eram presentes caros. Eram perfumes, doces, joias e livros de
poesias em italiano, inglês, francês e alemão, idiomas que Layla dominava
razoavelmente bem. Sempre entregue, ao final da tarde pelo mesmo mensageiro,
sempre na mesma forma e um oceano de dúvidas pairou na mente da datilógrafa.
Deliciada, com a situação sui generis, Layla não se moveu para desvendar
aquelas alvas brumas de mistérios e não disse nada para ninguém e ninguém a
interpelou sobre o assunto. E Layla, seguiu com a rotina de trabalho e as
aventuras subterrâneas, no Hotel Reno secundário. Até que por fim, a mensagem
derradeira chegou, um bilhete entregue, não pelo mensageiro do hotel, e sim um
telegrama, um convite para um encontro na calada da noite, para uma aventura no
Hotel Reno secundário.
***
Layla, subiu os lances das escadarias
do Hotel Reno, iria para o terceiro andar, subia pelas escadarias exclusiva das
camareiras, as luzes principais estavam apagadas e coube às luzes de emergência
afastarem as escuridões. E a meia luz, a datilógrafa escutava sussurros
tétricos em idiomas estranhos, que Layla não sabia o porquê, mas compreendia
bem o que as vozes veladas diziam: — Bem vinda a minha teia! Disse a
aranha para a mosca! — E conforme Layla caminhava, ela
teve a impressão de não sair do lugar. E por fim, ao chegar no último andar,
Layla tirou da bolsa a chave que abria a porta que dava acesso à suíte
privativa. Layla abriu a porta e inundada por um forte olor de flores dama da
noite, o estômago da datilógrafa, se revirou e ela adentrou na suíte privativa.
Layla, deu conta de um tapete de
pétalas de rosas frescas vermelhas, que ia da porta de serviços para uma
requintada cama de casal, adornada de rosas brancas e vermelhas. No quarto a
meia luz, Layla tirou os sapatos salto alto e caminhou pelo tapete de pétalas
de rosas. Layla, outrora dona de si, parecia vagar na vacuidade de uma quimera,
ela se sentia como se fosse outra pessoa, uma pessoa muito há muito tempo
adormecida dentro dela. Que agora estava desperta, tomando conta do corpo e da
alma da jovem mulher. Um airoso e ebúrneo, conjunto de lingerie de núpcias,
estava posta na cabeceira da cama, Layla se despiu, vestiu a lingerie de seda e
o vaporoso robe transparente. Um estojo de joias também foi notado, estava
disposto entre os travesseiros, a jovem mulher abriu o estojo e se deparou com
um conjunto de joias de marfim. O designer das peças era impressionante, não
era algo que Layla tinha visto anteriormente, pareciam não pertencerem a este
planeta. A datilógrafa, tirou um diadema e colocou na cabeça, a peça pesou na
cabeça de Layla, assim fez com os anéis, com a sofística gargantilha e olhou
para um grande espelho no lado oposto do quarto. Uma peça do mobiliário, que
não estava lá e que ela nunca tinha visto antes e Layla olhando para a imagem
refletida no espelho percebeu que ela era uma outra pessoa. Uma mulher alta,
com o tom de pele amendoado, com longos cabelos alvos e com olhos negros
resgado. Layla levou a cabeça para trás esperando o golpe na garganta, um golpe
que não veio. E uma forte presença tomou conto do quarto e Layla abaixou a
cabeça e se viu onde deveria estar o espelho, o sorriso maléfico e cheio de
prazer profano, inundou Layla, de uma infinidade atroz de sentimentos
contraditórios.
— Bem vinda a minha teia! Disse a
aranha para a mosca! Deite-se, minha querida — Disse a outra, que tinha saído
do espelho, no outro lado do quarto.
Layla obedeceu! Deitou-se, fechou os
olhos e se viu deitada na cama, olhava com os olhos da outra. E de pé ao lado
da cama, um homem enorme, usando uma bata negra, olhos totalmente negros, Layla
reconheceu o homem, era Manoel, o jardineiro. Não poderia ser Manoel, pensou
Layla, pois o jardineiro estava morto, ela tinha ido ao funeral de Manoel. E a
palavra caçador noturno, brotou nas bocas das duas mulheres de forma
simultânea.
Manoel, ergueu a mão, deu um brado,
curvou os joelhos e uma adaga surgiu nas mãos do jardineiro. A mão de Manoel,
desceu com uma velocidade inumana, rasgando o tecido do tempo e do espaço. E
regozijos ecoam para o além do universo conhecido.
Fragmento do livro: Em perpétuos ciclos, por Samuel da Costa, novelista,
poeta e contista em Itajaí, Santa Catarina.
Argumento de Clarisse Cristal, bibliotecária, contista, novelista e
poetisa em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
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