terça-feira, 1 de abril de 2025

OPERA MUNDI: ADORE (SÉRIE: OS CEIFADORES)

 Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

‘’Madrugada gélida quero ser tua, despida.

 Despida de assombros e desassossegos

Permita-me ser a tua devassidão, o teu desatino!

 No êxtase, me invada! Toma-me com prazer.

Toca a minha pele, ansioso com ar de mistério! ’’

Fabiane Braga Lima

           

O mensageiro, era quase uma criança, tinha o fenótipo e o genótipo de um indígena, com os seus vibrantes olhos negros rasgados, cabelo curto e negro reluzentes, pele amendoada, com uns leves traços peculiares, quase alienígena. Usava um impecável uniforme elegante, do mensageiro do Hotel Reno. O mensageiro passou pela recepção da casa comercial, sem ser anunciado e ninguém dar conta da sua existência. Cruzou um pequeno corredor de mesas de trabalho, caminhou rumo à mesa de trabalho de Layla, a eficiente datilógrafa.   

Parou na frente da mesa de trabalho da datilógrafa, sem nada dizer, Layla absorvida com o seu trabalho, demorou para notar a presença do mensageiro. Primeiro, o que chamou a atenção de Layla foi o sutil eflúvio, de essências de flores de laranjeira hidrossolúvel aromática, própria para cosméticos. Um aroma que Layla adorava, pois usava um sabonete de mão, com essa essência. 

 Então, a datilógrafa, olhou para frente, com um olhar irrequieto, para o desconhecido mensageiro, pois Layla conhecia bem todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras do Hotel Reno, tanto o hotel principal, como o hotel secundário. Layla reconheceu o uniforme, mas não reconheceu o mensageiro. E o personagem peculiar, sem nada dizer ergue a mão enluvada e passou um bilhete. Layla recebeu o bilhete e o leu, era sucinto e certeiro o bilhete manuscrito e uma caligrafia fina e trêmula, que assim dizia em francês: Bom dia! A senhorita, não me conhece! A vi noite passada e não resisti e cheio de audácia, lhe envio este singelo presente. Assinado Adore! Layla dobrou o bilhete com delicadeza e olhou para o mensageiro, que repassou para a atônita datilógrafa, um delicado estojo de madeira, enluvado com uma manta de veludo carmesim. O mensageiro, deu as costas, sem dizer nada e foi embora. A datilógrafa, olhou o mensageiro partir, voltou-se para si, abaixou a cabeça, ela estava com o estojo em uma mão e lei o logotipo, estava escrito Adore, em amarelo ouro reluzente, em fonte bold sublinhada. Layla abriu o estojo e viu um colar de pingentes Bohemia de três camadas, era cravejado de pequenos diamantes. A datilógrafa, nervosa, se levantou da cadeira de trabalho e com a voz embargada, tentou chamar o mensageiro de volta, ele que a muito desaparecera.

E que se seguiu por um mês, foi uma rotina que angustiava Layla, poesias sedutoras, publicadas em jornais e declamadas em estações de rádios locais, sempre assinado por Adore e sempre dedicadas para dama da noite. E uma série de sofisticados presentes, sempre ao final da tarde, eram presentes caros. Eram perfumes, doces, joias e livros de poesias em italiano, inglês, francês e alemão, idiomas que Layla dominava razoavelmente bem. Sempre entregue, ao final da tarde pelo mesmo mensageiro, sempre na mesma forma e um oceano de dúvidas pairou na mente da datilógrafa. Deliciada, com a situação sui generis, Layla não se moveu para desvendar aquelas alvas brumas de mistérios e não disse nada para ninguém e ninguém a interpelou sobre o assunto. E Layla, seguiu com a rotina de trabalho e as aventuras subterrâneas, no Hotel Reno secundário. Até que por fim, a mensagem derradeira chegou, um bilhete entregue, não pelo mensageiro do hotel, e sim um telegrama, um convite para um encontro na calada da noite, para uma aventura no Hotel Reno secundário.

***

Layla, subiu os lances das escadarias do Hotel Reno, iria para o terceiro andar, subia pelas escadarias exclusiva das camareiras, as luzes principais estavam apagadas e coube às luzes de emergência afastarem as escuridões. E a meia luz, a datilógrafa escutava sussurros tétricos em idiomas estranhos, que Layla não sabia o porquê, mas compreendia bem o que as vozes veladas diziam: — Bem vinda a minha teia! Disse a aranha para a mosca! — E conforme Layla caminhava, ela teve a impressão de não sair do lugar. E por fim, ao chegar no último andar, Layla tirou da bolsa a chave que abria a porta que dava acesso à suíte privativa. Layla abriu a porta e inundada por um forte olor de flores dama da noite, o estômago da datilógrafa, se revirou e ela adentrou na suíte privativa.

Layla, deu conta de um tapete de pétalas de rosas frescas vermelhas, que ia da porta de serviços para uma requintada cama de casal, adornada de rosas brancas e vermelhas. No quarto a meia luz, Layla tirou os sapatos salto alto e caminhou pelo tapete de pétalas de rosas. Layla, outrora dona de si, parecia vagar na vacuidade de uma quimera, ela se sentia como se fosse outra pessoa, uma pessoa muito há muito tempo adormecida dentro dela. Que agora estava desperta, tomando conta do corpo e da alma da jovem mulher. Um airoso e ebúrneo, conjunto de lingerie de núpcias, estava posta na cabeceira da cama, Layla se despiu, vestiu a lingerie de seda e o vaporoso robe transparente. Um estojo de joias também foi notado, estava disposto entre os travesseiros, a jovem mulher abriu o estojo e se deparou com um conjunto de joias de marfim. O designer das peças era impressionante, não era algo que Layla tinha visto anteriormente, pareciam não pertencerem a este planeta. A datilógrafa, tirou um diadema e colocou na cabeça, a peça pesou na cabeça de Layla, assim fez com os anéis, com a sofística gargantilha e olhou para um grande espelho no lado oposto do quarto. Uma peça do mobiliário, que não estava lá e que ela nunca tinha visto antes e Layla olhando para a imagem refletida no espelho percebeu que ela era uma outra pessoa. Uma mulher alta, com o tom de pele amendoado, com longos cabelos alvos e com olhos negros resgado. Layla levou a cabeça para trás esperando o golpe na garganta, um golpe que não veio. E uma forte presença tomou conto do quarto e Layla abaixou a cabeça e se viu onde deveria estar o espelho, o sorriso maléfico e cheio de prazer profano, inundou Layla, de uma infinidade atroz de sentimentos contraditórios.        

 — Bem vinda a minha teia! Disse a aranha para a mosca! Deite-se, minha querida — Disse a outra, que tinha saído do espelho, no outro lado do quarto.

Layla obedeceu! Deitou-se, fechou os olhos e se viu deitada na cama, olhava com os olhos da outra. E de pé ao lado da cama, um homem enorme, usando uma bata negra, olhos totalmente negros, Layla reconheceu o homem, era Manoel, o jardineiro. Não poderia ser Manoel, pensou Layla, pois o jardineiro estava morto, ela tinha ido ao funeral de Manoel. E a palavra caçador noturno, brotou nas bocas das duas mulheres de forma simultânea.

Manoel, ergueu a mão, deu um brado, curvou os joelhos e uma adaga surgiu nas mãos do jardineiro. A mão de Manoel, desceu com uma velocidade inumana, rasgando o tecido do tempo e do espaço. E regozijos ecoam para o além do universo conhecido.

Fragmento do livro: Em perpétuos ciclos, por Samuel da Costa, novelista, poeta e contista em Itajaí, Santa Catarina.

Argumento de Clarisse Cristal, bibliotecária, contista, novelista e poetisa em Balneário Camboriú, Santa Catarina. 


 

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