Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
Quando anoitece, a minha mente fica inquieta,
Tenho necessidade de escrever e ler, até que eu possa adormecer.
Caminho de acordo com o vento, deixando o meu rastro,
Conhecendo mundos opostos, assim crio minhas histórias, utopias,
Muitas vezes complexas e outras não.
Fabiane Braga Lima
A casa no alto da colina, ao pé de uma pequena cadeia de morro à beira-mar, não
destoava das casas vizinhas, pelo menos não pela opulência e sim pela
arquitetura pós-modernista e pintura opaca verde e branco. O que também
destoava naquela suntuosa mansão, naquela rua sem saída, era a sua
funcionalidade, pois a residência fora adaptada para ser uma clínica de
fisioterapia e casa de repouso. O bairro requintado, a rua sem saída, próxima
de uma rodovia movimentada, no entre cidades, o entorno da mata-atlântica,
relativamente próximo do mar, fazia aquele o lugar ideal, para aquele pólo, de
uma sofisticada rede de saúde pública-privado. A companhia Bernard e Kerber, de
consultoria médica e de saúde, era na prática, uma informal rede ampla e
complexa de consultórios médico, odontológico, psicológico e oftalmológico,
casas de repouso, hospitais, laboratórios de análises clínicas, fornecedores e
destruidores de suplementos médicos, hospitalares e alimentares para pessoas
com restrições alimentares. Uma rede empresarial e de profissionais liberais,
ligado e interligado a família Bernard e Kerber, uma rede construída e
constituída por laços familiares e suas trocas de cartões de visitas.
— O que a doutora Charlotte propõe é absurdo e eu não posso dizer de outro
jeito! — Disse Margarida Cohen e levou uma xícara de chá aos lábios e continuou
— Ir à praia? Muitos de nós, nem consegue sair da cama.
O semicírculo, de senhoras de idade avançada, tinha a sua frente a psicóloga
Charlotte Bernard Kerber, a psicóloga, dona e diretora do espaço onde ocorria o
conclave.
— Eu não sei Guida, eu não aguento mais ficar presa aqui, presa neste lugar! Tu
ainda voltas para casa, nos finais de semana, nós ficamos aqui! — A voz de Rosa
Schneider trovejou pela sala de reuniões.
Margarida Cohen, ficou chocada com a fala da outra, de interna de tempo
integral, Margarida Cohen, acostumada a não ser contrariada, por uma antiga
subalterna agravava ainda mais a situação.
Elise Meyer, que estava ao lado de Margarida Cohen, levantou a mão, ou tentou,
pois Margarida, segurou a mão da mesma.
— Eu concordo, faz tempo que eu não uso, o meu biquíni fio-dental peça única! —
Falou a octogenária Elise Meyer, florista aposentada, a voz da idosa, também
trovejou pela sala, seguida de um silêncio constrangedor, seguido de risos
discretos e risadas estrondosas.
E assim o debate se sucedeu, pois Adelaide Schmidt, Juliette Müller, Genevieve
Weber, Jeanne Schneider, Marie Meyer, Elisabeth Muller, Gertrudes Martin e
Katharina Dúbios de forma variada concordaram com Charlotte Bernard Kerber.
Um senhor de cabelos brancos, em uma cadeira de rodas elétrica, passou na
frente da porta da sala onde o conclave ocorria. Margarida Cohen, enfurecida,
se levantou e saiu da sala, os saltos altos de madeira batiam com força no chão
frio de mármore branca. Um silêncio glacial tomou conta da sala de reunião,
dando termino a sessão de terapia coletiva. Charlotte Bernard Kerber ergueu a
mão direita aberta e moveu da direita para a esquerda, a porta da sala se
fechou com força e olores de lírios e rosas fluíram no ambiente.
— Até agora eu não entendi direito, qual é a proposta! — Disse com a voz
trêmula, Katharina Dúbios, a secretária executiva aposentada.
Todas as senhoras de idade avançadas, na sala, olhavam para Charlotte Bernard
Kerber, com certa curiosidade. Pois todas ali, foram convidadas para aquele
conclave, todas foram visitadas em sonho, por Charlotte Bernard Kerber. Não
estavam em oníricos jardins esplendorosos, nem na exuberante e quimérica cidade
das nuvens ou mesmo no deserto desolado da rainha Afra Luna Dark e em nenhum
lugar da terra dos sonhos. Era um recanto quase inacessível da Praia dos
amores, uma pequena praia rochosa próxima uma morraria coberta pela
mata-atlântica, ali Charlotte Bernard Kerber, fez em datas variadas um convite
a todas e a única que recusou foi Margarida Cohen. Tendo um magnificente galeão
espanhol, com pano de fundo ao arrebol, os grasnares estridentes de gaivotas,
que flanavam próxima a orla, até um dirigível que singrava no horizonte, até
surgir um portal, a belonave entrou na Ponte Einstein-Rosen, o buraco de
minhoca desapareceu logo depois. E todas tiveram a estranha sensação de já ter
presenciado a cena anteriormente. Margarida Cohen, era a única que não lembrava
do estranho sonho, ver uma versão mais Charlotte Bernard Kerber, ela vestida
com brancos trajes cerimoniais, ornada com emblemas desconhecidos na nossa
realidade.
— Simples senhoras e senhoritas, o que o triângulo vermelho, oferece é uma
oportunidade única e para poucos! — Disse Charlotte Bernard Kerber, os olhos
cinzas, a pele esbranquiçada e os cabelos negros, ditaram o tom da conversa,
pois a senhora frágil, grisalha e de olhos claros tinham desaparecido! — É
voluntário, aqui ninguém é obrigada nada, é uma mistura do que vocês querem, do
que vocês merecem, do que se pode oferecer. Às vezes é um vislumbre do passado,
um breve momento no presente e um olhar no futuro.
— Tudo um tanto vago e indefinido minha cara! — Disse Gertrudes Martin, a
estenógrafa aposentada, em um dialeto estranho, que a falante não soube
explicar como proferira tal fala, em um idioma estranho as mulheres ficaram
estupefatas, por compreenderem a fala de Gertrudes. E em uma olhada rápida,
todas perceberam que tinham rejuvenescido e usavam batas brancas cerimoniais,
diademas de ouro cravejados de joias, gargantilhas, pulseiras e anéis, com
designers que não pertenciam a este plano.
Charlotte Bernard Kerber, somente sorriu para as mulheres, os dentes alvos e os
olhos acinzentados e o belo rosto moldado pelas madeixas, que caíram nos
ombros, retratou uma cena já vista anteriormente pelas jovens senhoras naquele
conclave.
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