sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

NOITE DE NATAL

Por Waldir de Melo Filho (Walldyr Philho) (São Paulo, SP)

Sentou-se à mesa sozinho como fazia todas as noites religiosamente no  decorrer dos seus dias para sua janta indesejada. Não queria comer o que  estava posto à mesa, por mais que tentasse, o apetite fugia a galope rápido  como uma presa ao seu predador.

Havia uma tristeza que fora trancafiada dentro do seu coração por anos a  fio de uma vida de solidão vazia que se acumulou com o passar dos tempos,  rompendo as barreiras da sua força emocional, e com as mãos cobrindo o  rosto chorou! Era um choro doído que mais se assemelhava ao grunhido de um  animal indefeso, ferido que geme em prece selvagem por um acalento, pedindo  um cuidado mesmo que embrutecido de alguém que se importe com ele.

Estava sozinho em sua casa de dois cômodos desprovida de conforto.  Tudo era simples, sem toque de glamour, sem beleza! As paredes estavam  com a pintura descascada, em alguns locais, parte do reboco havia caído, revelando o bloco em seu interior como uma ferida grotesca que revela o interior da carne adoecida! Era um homem a frente do seu tempo que gostava  de organização e limpeza. Vivia sonhando em possuir uma casa com estilo de  arquitetura moderna e decorada com o requinte da ocasião e aconchego para  enchê-la com as impressões dos seus amigos e convidados. Porém, a sua  realidade era abstrata, escura e a solidão da sua vida congelava tudo o que  tocava como uma fotografia sem vida, morta, deixando o ar monótono parado  no tempo.

Trabalhava de segunda a sábado, só lhe restando o domingo que era  ocupado às pressas com os afazeres diários de casa lavando roupas, limpando  a casa, lavando louças, fazendo comida e por último quando suas forças já  estavam esgotadas, ligava a tv em um programa qualquer para quebrar a  monotonia da solidão e sem prestar atenção ao que se passava nela, colocava  a trouxa de roupa recém-tirada do varal e ia passando ferro nelas, peça por  peça até não sobrar nenhuma que precisasse desse serviço. O sono estava às portas dos seus olhos cansados, mais ainda lhes restava coisas a serem feitas,  guardava as roupas no velho armário e caia na cama petrificada de cansaço e  sono acumulados que nunca se esvaiam por completo, para acordar na  madrugada e seguir seu ciclo de escravo.

Naquela noite a solidão não era tênue, era algo palpável, pesado como  uma cortina de incontáveis peles que deixava o ar sinistro, turvo e que  escondia a delicadeza sutil da existência. Era algo surreal como se o  sobrenatural estivesse aos poucos se manifestando e adentrando ao mundo  físico bagunçando seus sonhos e realidades, fantasias e alucinações, verdades  e mentiras, sanidade e loucura... Estava com as emoções em turbilhão ao

ponto de sentir o amargor do desespero! Olhou as horas em seu celular e  aproveitou para verificar as notificações do aplicativo de whatsapp. Ninguém  lhe mandara um oi amigo, nenhuma felicitação natalina... Pela primeira vez  sentiu saudades da sua família e amigos... Tudo o que tinha havia gastado com  uma calça que comprou para o seu filho e duas camisetas, não lhe sobrando  mais nada para comemorar a data do seu sofrimento.

Era quase 20:00 quando ele sentou-se á mesa. Não tinha muita coisa  posta sobre ela. Sua ceia se resumia a uma panela de arroz branco e uma lata  de sardinha que olhando com mais detalhes se surpreendeu ao ver que sua  validade havia vencido. Era isso ou nada, e sem ter outra coisa para alimentar  seu filho que na inocência de criança não percebia a miséria que o cercava,  abraçou seu pequeno e chorou! Chorou com dor aguda, profunda, dor de pai,  dor da incompreensão, dor fétida da miséria que o diminuía como um ser  humano o igualando as ratazanas dos esgotos da vida. Chorou em soluços  cortantes enquanto o seu pequeno Riel afagava seus cabelos crespos sem  nada entender.

- Fica assim não, pai, chora não, tá bom! Dizia ele tentando sem muito  sucesso consolar seu amigo, companheiro e protetor.

- Desculpa filho, desculpa, você não merece a merda do pai que tem! Justificava-o rompendo em soluços por não poder dar ao seu filho a vida digna  que tanto almejava

Walldyr Philho

Poeta/Escritor

3 comentários:

  1. Eis a triste realidade.
    Sempre à nos surpreender e nos mostrar as mazelas do mundo.
    Parabéns meu irmão!

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    1. Bom dia. Oh minha querida e amada irmã Elisabeth Glicério, muito obrigado pelas palavras de afagos tão carinhosos, vindo de você que é uma excelente escritora, a imperatriz da poesia contemporânea brasileira, isso me deixa deveras feliz demais. Muitíssimo obrigado 🥰♥️🥰♥️

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  2. Parabéns pelo texto, é a sociedade necessita da empatia para fazer o amor renascer nos corações.
    O fantástico aqui relatado e a história de um homem que cuida de tudo e aí da passara a noite de Natal com seu filho , a sociedade precisa abrir os olhos tem homens que cuidam de seus filhos e precisa do apoio de todos principalmente das leis para que essa ações de certo e tenham respeito dos demais

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