sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

O NATAL QUE PASSEI COM O AVÔ ALBERTO

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

  

O avô de minha mulher, chegou ao Brasil, no início do século XX.

Era jovem e cheio de ambições. Estreara-se no jornalismo, em Portugal, num jornalzinho de bairro: “O Garnisé”.

Como o primo fosse editor de semanário de inspiração monarquista, passou a colaborar nele, mantendo coluna, que assinava com o pseudónimo de: Urbano”.

A razão de não usar seu nome nas crónicas, é simples de explicar: o jornal pertencia a movimento monárquico, e ele era republicano, de sete costados.

Seria? Creio que era apenas um jovem, apaixonado pelas “Letras”; o que queria, era escrever…

Empregou-se, no Brasil, no escritório de fábrica de produto alimentício.

Como colaboradora, tinha a filha do proprietário. Uma jovem bonita e simples. A idade; o convívio; o facto da mãe de ambos, terem sido amigas, na infância, tornaram-se íntimos.

Dessa amizade, resultou o casamento.

Numa das minhas estadias, a São Paulo – em véspera de Natal, – encontrei-o no jardim da sua bela casa de Alto de Pinheiros, junto ao canteiro dos junquilhos. Seus cabelos brancos lampejavam, batidos pelo sol morno da manhã.

Conversamos sobre a economia do seu querido Portugal.

De repente, encarando-me com os seus belos olhos verdes – verdes como formosas esmeraldas, – encrustados no rosto moreno, queimado pelo Sol, disse-me que ia revelar-me um segredo, que há muito vivia com ele; quiçá, pensando na minha condição de rapaz pobre:

- “Sabe por que deixei de passar a Noite de Consoada com meus cunhados?”

Aguardei a resposta. Certamente não esperava que lha desse:

- “No início de casado continuou caminhando pelo jardim, parando junto à porta da garagem, – todos os irmãos reuniam-se na noite de Natal. Era uma bonita festa! Ceávamos; conversávamos… e noite velha, chegava o Pai Natal, com saco repleto de presentes, para as crianças.”

Neste momento fez uma pausa. Silêncio prolongado.

- “Tudo corria bem…até que certa vez, minha filha mais velha, interrogou-me muito agastada: “Não é justo! Papai Noel dá-me sempre roupinha, enquanto minhas primas recebem bicicletas! …”

Novo silêncio, ainda mais prolongado.

- “Os meus cunhados tinham posses. Podiam distribuir prendas caras… fiquei tão triste, que resolvi, desde então, consoar só, com meus filhos e a Júlia…”

Neste momento a voz embargou-se, e uma lágrima envergonhada, aflorou, deslizando suavemente, pela face envelhecida.

Compreendi; e pensei: quantos irmãos se separam, por essa e outras razões, como tais?

Como é difícil, para quem vive folgadamente, entender as dificuldades dos outros! …

Quantas vezes, humilhamos, o próximo, sem o saber?

Assim se vão afastando, os irmãos…  os primos…os parentes…

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