Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
Das vagas memórias que tenho
da minha não muito distante infância, das mais abissais, das mais alvaresianas,
é uma breve ida para a praia em família, que assombra. Apesar de viver em uma
cidade praia e de veraneio, posso confessar que a minha família não era e ainda
não é até hoje de aproveitar o sol à beira mar. Mas voltando aos vestígios de
uma lembrança amarga que não deveria nunca sair da fossa abissal do meu palácio
das memórias.
Conto em especial, de um dia
tragicômico, sim uma tragédia cômica, se é que isto é possível. E como uma
simples ida à praia em família pode ser uma roleta russa. Pois então só para
situar as coisas, eu sou filha natural e legítima de um casal inter-racial. E
isto por si só gera embaraços no cotidiano.
Onde vivo, em alguns ciclos,
ter pai branco e mãe negra, e sinceramente é uma tragédia em si. E talvez o
próprio casamento seja em si uma tragédia em algumas ocasiões. O verdadeiro
drama é o lugar onde é aonde vivemos, e coloca muito aonde nisso aí, pois ser
um ser deslocado no tempo e no espaço não é nada fácil, onde as pessoas parecem
viver na idade das trevas.
Pois voltamos ao que
interessa, a ida à praia, em um dia forte de sol de verão. Para mim, o fato de
viver defronte a um enorme oceano por si só é uma tragédia. Pois lá está ela a
imensidão oceânica sem fim e todos os dias na tua cara para te dizer o quanto
eu sou pequena.
E sim saímos nós, uma pequena
família, a pé de casa e cruzamos a avenida hiper movimentada. Eu sai correndo,
depois de me desvencilhar do meu pai e quase causar múltiplos acidentes de
trânsito. E na beira-mar mais uma vez eu sair correndo depois de mais uma vez
de me desvencilhar dos cuidados materno e paterno e pôr os meus pequenos pés na
areia escaldante, e descobrir como aquilo é quente.
Pois bem amigos e amigas lá
estava eu com o meu infantil maiô infantil floral. Uma peça única, muito
cafona, feita em poliamida e elastano. Com as duas alças finas e reguláveis,
babadinho azul marinho, no busto e atrás, e com uma estampa mais que exclusiva.
Nossa que coisa horrível, eu poder lembrar em detalhes exatos, pois a minha
orgulhosa mãe simplesmente mostra até hoje uma fotografia minha, vestindo o
trágico traje de banho, para as amigas, parentes e quem quer que seja.
Mas estou dispersa hoje, o que
importa é lembrar que o meu pai protetor veio em meu socorro, ele veio correndo
socorrer a garotinha dele que gritava sentindo as areias escaldantes que
queimarem seus frágeis e pequenos pezinhos. E a minha mais que querida mãe? Se
bem me lembro, estava mais ocupada que nunca, vendo um guarda da esquina dar
uma dura em um motorista de um carro utilitário, que estacionou no quarteirão.
Ora, um veículo com placa de outra cidade e sem alvará para vender bugigangas e
alimentos variados, de origem duvidosa na beira mar não pode mesmo.
Mas deixamos o aparato
repressivo do estado para lá, eu sã e salva nos braços fortes do meu pai herói,
ato embalado aos estridentes sons das ondas que quebravam na orla da praia,
gaivotas gorjeando no céu azul e muito barulho mecânico ao redor.
Gritos e mais gritos, altos
que suplantaram os demais sons da natureza geológica, mecânico e do reino
animal. Era uma jovem mãe, que aos prantos chorava pelo seu filho. Estava morto
jogado no chão, na areia úmida da praia, tinha três guarda-vidas ao redor que
só olhavam o menino morto. E até hoje não sei se foi um ataque de tubarões eu
afogamento puro e simples.
Quanto a minha bela família?
Pois o meu protetor pai colocava as mãos nos meus ouvidos e virava a minha
cabeça para o lado oposto da cena terrível. Enquanto isso a minha mãe que
procurava e acabou encontrando um lugar na areia da praia, ela queria pegar um
pouco de sol.
Clarisse Cristal é
bibliotecária em Balneário Camboriú, SC.
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