Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023
O SAMBA DA MULHER VAIDOSA
PELÉ
Por Napoleão Valadares (Brasília, DF)
Parte agora o grande atleta,
talvez vibrando, talvez
sorrindo, como outras vezes
ele partiu para o abraço
depois do seu gol de placa.
Jogou com bola de meia,
cabeceou vida certeira,
fintando todos os vícios
e amortecendo no peito
os conselhos de Dondinho.
Titular de quatro copas,
de três delas campeão,
da Seleção artilheiro,
rei e cidadão do mundo,
teve sete bolas de ouro.
Dos homens o mais famoso,
com mil, duzentos e oitenta
e três gols, ninguém chegou
a seus pés, somente a bola,
a menina dos seus olhos.
Como goleador sem par
e o jogador mais completo
que pisou nesses gramados,
colecionou mil troféus
e foi o atleta do século.
São Pedro, sabendo disso,
convocou-o para o Céu,
e ele respondeu de pronto:
“Já vou. E começo aqui
e agora a minha arrancada.”
Voz grave, pedindo a bola,
recebeu um lançamento
disparando pelo espaço,
driblou Mercúrio três vezes
e deixou Vênus pra trás.
Bateu a mão para a Terra,
jogou beijo para a Lua,
avançou, passou por Marte,
aplicou fintas em Júpiter,
saindo pela direita.
Num passe para Garrincha,
deslocou-se para o meio,
tabelando com Didi,
fez uma ginga e passou
entre Saturno e Urano.
Desviou-se de Netuno,
deu um chapéu em Plutão,
chutou, balançou a rede
e saltou, sem gravidade,
abraçando o
infinito.
(29 de dezembro de 2022)
REENCONTRO EXISTENCIAL
Por Elisa Augusta de Andrade Farina (Teófilo Otoni, MG)
Não possuo uma vida ideal,
pois para mim que a conceituo como a possibilidade em que se consegue uma paz
interior, vivendo a maior parte do tempo com serenidade, entra em distonia com
minha realidade existencial.
Para se conquistar uma vida
tranquila e equilibrada é essencial que você saiba como alcançar seus
objetivos. O real nunca aparece. E quando aparece, está maquiado, colorido
artificialmente por filtros ideais. O grande mal é quando se exercita o ideal,
nega-se a vida. Temos que fazer escolhas, mesmo que essas não tenham um
resultado satisfatório. O que não pode é deixar que os sonhos sejam
petrificados por convicções que não sejam nossas.
Quando idealizamos, habitamos
a dimensão do futuro e não enxergamos o mundo real que nos circunda. Acabamos
dessa maneira por ficar sem nada porque não há outra realidade além do que é
vivida aqui e agora.
Na minha visão não existe vida
ideal. É quimera. O que me impulsiona a buscá-la é a liberdade de ser eu mesma
e fazer uma desconstrução de tudo que representa minha vida que não me satisfaz
como deveria. É ter a coragem de ignorar tudo que é imputável e ter a
consciência de que minha felicidade dependerá da extensão da minha frustração
ou êxito da minha busca vital.
Desta forma para não me
perder, eu brinco de ser feliz e vou de tempos em tempos me reinventando,
sorrindo para exterminar a tristeza que teima em reinar e me tornar uma outra
pessoa que não me representa.
Quero deixar o fluxo da vida
fluir. Não posso resistir. Quero ser eu mesma com a intensidade que a vida se
apresenta a cada amanhecer. Já fui água, seiva, vegetal. Sou agora gota
trêmula, raiz exposta!
Quero ser água fluída e
cristalina sem limites, com a certeza a me guiar ao caudaloso curso do rio da
vida.
Sobre a autora: Presidente
da Academia de Letras de Teófilo Otoni e integrante da turma Lygia Fagundes
Telles do curso Vivenciando a Linguagem, Leitura e Escrita, da Árvore das
Letras (www.arvoredasletras.com.br).
O VELHO QUE CONSERTAVA COISAS
Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)
Enquanto
não atravessarmos
a dor
de nossa própria solidão,
continuaremos
a nos buscar
em
outras metades.
– Fernando Pessoa –
Gosto muito dos velhos que consertam coisas. Eu mesmo tive
um tio assim. Consertava tudo.
Uma vez pegou uma lâmpada incandescente queimada no lixo,
emendou seu filamento e o pequeno bulbo de luz nunca mais deixou de acender.
Osmânio era um velho como ele: consertava ferros, rádios,
relógios de corda, chuveiros, televisões velhas…, Mas o que ele sabia mais
consertar eram sentimentos…
Não havia um só casal que, se estivesse a ponto de
separação, Osmânio não os unia. O que falar das brigas entre irmãos, pais,
mães? Até os animais pareciam respeitar o dom reparador que vinha das mãos
daquele velho, e a braveza instintiva se transformava em mansidão quando
estavam em sua presença.
Os alaridos viravam sons de passarinhos, assim como as
flores floresciam mais e os aromas ficavam ainda mais cheirosos. Osmânio era
assim: consertava corações…
Mas, apesar de tanto talento naquelas mãos, a tristeza não
se apartava de seus olhos. Camuflava-se nos sorrisos tímidos daquele jeito
misturado de sentimentos. E isso por uma simples razão: Osmânio era homem e,
como tal, havia amado, e muito, uma mulher que agora existia apenas em seu
passado. Ninguém nunca soube quem era de fato ou o que acontecera para ela não
ter envelhecido com ele.
O que todos sabiam, porém, era que Osmânio, o velho que
consertava corações, nunca havia consertado o seu…
(do livro Entrelinhas, contos mínimos.)
PALMAS PARA A URSINHA MARROM
Por Dias Campos (São Paulo, SP)
Ursinha Marrom acordou bem disposta e com muita fome.
Mamãe Ursa tinha acabado de colocar um montão de comida na mesa.
Ela tomou leite, comeu cereal, e se lambuzou de mel.
Mamãe Ursa ficou satisfeita.
Em seguida, Ursinha Marrom pediu para ir brincar no bosque.
Mamãe Ursa deixou, mas pediu que ela não fosse muito longe.
E Ursinha Marrom saiu cantando e saltando.
Depois de alguns minutos passeando, ela começou a ouvir uma doce canção.
Era tão suave, tão agradável, que Ursinha Marrom parou e ficou só ouvindo.
Ela estava encantada com aquela música!
Mas não conseguia saber de onde vinha.
Fuça daqui, fuça dali, e ela percebeu que a canção vinha detrás de uns arbustos.
Ursinha Marrom era curiosa. E foi se aproximando, se aproximando...
Até que viu uma linda menininha sentada no chão, vestida de camponesa.
E enquanto brincava com suas bonecas, cantava como se fosse um anjinho.
Só que Ursinha Marrom começou a ficar chateada.
É que ela via aquelas bonecas, e ouvia aquela voz...
Mas as bonecas não eram suas; nem ela cantava com a mesma suavidade.
Ela atravessou os arbustos, fez cara de brava, e urrou o mais forte que pôde!
A menininha correu assustada. E foi se esconder dentro da sua cabana.
Ursinha Marrom começou a brincar com as bonecas. E ficou contente.
Mas logo se entristeceu, pois quis cantar como a menininha, e só saíram urros.
Então ficou muito brava! E começou a morder as bonecas!
A menininha via o que se passava através da janela da cabana.
E passou a rezar pedindo ajuda, pois seu pai tinha saído para trabalhar.
Eis que uma Pomba Branca apareceu. E voou sobre a cabeça da Ursinha Marrom.
E depois que já tinha chamado a sua atenção, foi pousar em um galho próximo.
Ursinha Marrom se sentiu incomodada. E urrou para a Pomba Branca ir embora.
Mas o pássaro não tinha medo. E não desgrudou os olhos dela.
Ursinha Marrom ora mordia as bonecas, ora olhava para a Pomba Branca.
Até que largou as bonecas e perguntou o que ela queria.
Pomba Branca respondeu que a menininha queria voltar a brincar e a cantar.
Ursinha Marrom disse que ela também queria brincar e cantar como a camponesa.
Mas Pomba Branca questionou se tomar o que é dos outros deixava todos felizes.
Ursinha Marrom não respondeu.
Então ela indagou se querer ser igualzinha aos outros fazia Ursinha Marrom feliz.
E ela continuou muda.
Por fim, Pomba Branca quis saber se Mamãe Ursa ficaria feliz com o que ela fez.
E Ursinha Marrom largou as bonecas, sentou no chão, e começou a chorar.
Ouvindo o seu choro, aquela menininha reapareceu, cheia de dó.
Ursinha Marrom percebeu, enxugou as lágrimas, e se levantou.
A menininha retirou um pirulito do bolso, desembrulhou, e entregou para ela.
E como Ursinha Marrom adorava doces, pegou o pirulito, e começou a lamber.
Hum!... Estava delicioso!
Ursinha Marrom estava muito envergonhada. Mesmo assim, continuou a lamber.
A menininha ficou confiante. E sugeriu que brincassem juntas.
Ursinha Marrom ficou surpresa. Mas aceitou com prazer.
E deram as mãos, em sinal de amizade.
Daí, Pomba Branca bateu asas e foi pousar sobre as mãos das novas amigas.
Ambas tomaram um susto! E riram da situação.
Ursinha Marrom pediu mil desculpas. Disse que estava arrependida.
E prometeu não tomar o que é dos outros, nem querer ser igualzinha aos outros.
A menininha sorriu.
Brincaram por um bom tempo. E nem ligaram se as bonecas estavam mordidas.
Até que a saudade apertou... E ela quis voltar para os braços da Mamãe Ursa.
Ursinha Marrom e a menininha combinaram de se reencontrar muitas vezes.
E toda vez que isso acontecer, a Pomba Branca da paz estará sempre ao lado delas.
CHUVA DE PRIMAVERA
Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)
Chove, chuva sua linda.
A primavera tem cores,
que me inspira.
Inspira a compor,
com mais amor.
Sentir a magia no ar.
Chuva de primavera,
vem me inspirar.
Poesias lindas vou formar.
Sentimentos em cada,
verso vão ter.
Vermelho e rosa vão colorir.
Colorir essa chuva,
que o lindo céu fez cair.
Chuva de primavera com cor.
"EU TE AMO" É SURREAL
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Porque esse lance do "eu
te amo" é surreal, uma ora aquela pessoa diz amar com tanta
facilidade outra ora você nem sequer existiu nesse sentimento. E o mundo
pintado é cor de rosa, porque não cabe outras pessoas nem outros amores além de
você. Mas é tudo um faz de conta. Algo irônico que vem dessa ideia do
"felizes para sempre" idealizado pelos contos infantis. Como bem
sabemos a perfeição é feita de imperfeições.
De uma canção que você acaba
de escutar você diz "essa é a nossa música", constrói a primeira
memória de uma história fantasiada. Diz saber quem ela é, traça planos, mas na
verdade suga dela todas as suas energias. Não é amor é uma brincadeira idiota
sua! Porque esse lance do "eu te amo" te dá a ideia de ter todo mundo
do seu lado, principalmente aquela pessoa.
Nesse teu jogo o que está em
primeiro lugar, amor ou desejo? O corpo fala, mas é a alma que faz a travessia
até ao coração. Então não peça para que fique ou que te dê uma chance. Se não
for de verdade não plante falsas expectativas, isso acaba com qualquer
esperança de alguém.
O HUSSARDO E O DIADEMA AMARELO: UM MERGULHO NA ESCURIDÃO
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
As negras longas hastes finas das negras luminárias pendiam do teto, na ponta
do bocal em formato de meia lua e as suas luzes amarelas frias, produziam ilhas
de luzes, em meio ao breu absolutos do ambiente álgido. A pista de dança vazia
e o silêncio sepulcral imperava no lugar. Aflita, Luna caminhou lentamente, ia
em direção ao palco, no final da pista de dança. E Luna admirou os lounges, era
nichos quadrados de madeira envernizadas. Pequenos cercados de um metro de
altura, mergulhados na completa escuridão e Luna pode escutar sussurros e
gemidos vindos dos espaços.
Duas mulheres, de corpos esculturais, abraçadas,
que caminhavam em direção a Luna, davam risadas leves e nada discretas. Estavam
seminuas, com trajes sumários, uma muito jovem, corpo escultural, tinha a pele
amendoada e com os olhos negros rasgados, usava um diadema amarelo, ricamente
ornado de joias. Luna tentou absorver o sofisticado design da peça, ela não
soube responder às inúmeras perguntas, a única certeza era que a peça era cara,
rara e exclusiva, pensou ela. A outra era loura de meia idade, com profundos e
misteriosos olhos verdes, e corpo atlético coberta de tatuagens orientais pelos
corpo, Luna calculou que eram duas modelos fotográficas.
As duas passaram ao largo de Luna, como se ela simplesmente não existisse, Luna
olhou para trás e viu horrorizada tentáculo negros saírem de um lounge e tragar
as duas mulheres, para dentro da escuridão em poucos segundos. Um esguicho de
sangue jorrou, histéricos gritos de horror ecoaram. Luna fechou os olhos e viu
as duas mulheres impávidas andando felizes e a poça de sangue havia
desaparecido.
Luna retomou a marcha, pensando que tipo de encrenca Grege Sanders a tinha
enfiado.
A ZONA DA EXTORSÃO
Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)
Hoje em dia têm sido
uma verdadeira batalha estacionar nas ruas de Salvador, cada indivíduo se sente
no direito de cercar uma parte da rua, com cones, correntes, caixotes e todo
tipo de objeto, numa “perfeita” invasão, a partir daí começa a fazer cobranças
de todos os tipos.
Não tem nenhum poder
público que tome providências, os condutores de veículos se sentem coagidos de
todas as formas a fazer o “pagamento” com medo de retaliações para com seu
próprio veículo, no mínimo.
Um caso estarrecedor
aconteceu na rua Everton Viso, Caminho das Árvores, que já está toda cercada,
onde um condutor foi coagido por uma senhora, que se diz administradora das
vagas nessa rua.
Ela já se apresenta
“orientando” a “vaga” para a pessoa encostar o veículo bem rente ao outro,
depois já vai perguntando quanto tempo deixaremos o carro estacionado. Depois
ainda faz uma suposta promoção, dizendo que poucos minutos o valor é de dez reais,
mas pode cobrar o valor que faz aos motoristas da UBER, se formos ficar pouco
tempo, “fazendo “ “apenas” sete reais.
Como ela não viu o
condutor sair, dias depois teve a coragem de cobrar dez reais pela “vaga”
passada e mais dez reais pela “vaga” desse dia.
A pessoa disse que o
lugar é dela e tem todo o direito de cobrar.
Onde é que está a
administração pública, caro leitor ou leitora?
Será que os condutores
vão ter que assumir mais esse ônus na sua parca renda mensal, será que a cidade
de Salvador está loteada e o cidadão de bem não poderá fazer mais nada quanto a
isso?
Pedimos esclarecimento aos
ditos poderes públicos, que sabem perfeitamente o que acontece, não só na
loteada rua Everto Visco, no Caminho das Árvores, mas em toda a cidade,
praticamente, donos para o espaço soteropolitano não faltam, quando não é zona
azul é zona de extorsão.
NOSSA NUDEZ
Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)
Deleito-me
em terras férteis que me levam para longe do caos. Escuto um ruído, tira-me o
sossego. Tendo o mar como inspiração, vejo no meu inconsciente, águas negras, e
um céu estrelado.
Noite vazia, avisto de longe um homem, sinto
calafrios, é ele, aquele que tanto espero. Palpita o coração, minhas pernas
ficam trêmulas. Desnudo-me, encosto minha alma junto a dele, fazendo amor sobre
o negro mar.
PONTO NULO NO CÉU: A SENTINELA
Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
O cabo
Bruno Marques perdeu a noção da realidade em que vivia, de quanto tempo estava
naquele pesadelo vívido, parado, estático, de prontidão, olhando pela fresta da
torre de observação para o nada. O fuzil FAL, com mira laser estava na mão
esquerda, os óculos de visão noturna ajustados para noite com nevoeiro. Os dois
drones, que circundavam no alto do quartel, permitiam a visão clara do que
ocorria em volta do batalhão, os aparelhos transmitiam alternadamente as
imagens das câmeras instaladas nos drones para os óculos do cabo em tempo real.
O militar podia ajustar as câmeras dos drones, ele podia congelar as imagens,
dar zoom e mudar para escaneamento térmico.
Nos seus exatos quinze anos de corporação, ele jamais vira tal coisa, como
vinha ocorrendo ultimamente, eram burburinhos aqui e ali, geralmente dito em
voz baixa e em tom de confidência em intervalos e horas de folgas. Eram rumores
de uma possível volta a um passado não muito distante. Eram tempos de
insurgências, de uma guerra subterrânea entre o crime organizado contra as
forças de segurança pública. Rumores da quebra da paz armada, negociada pelos
dirigentes das forças de segurança, com o comando do crime organizado. Tudo
feito nas sombras em tempos passados, mas não muito distante. Tudo mediado por
políticos de profissão, tudo em nome do bem-estar da população em geral. Foi
bem antes de Bruno Marques entrar na corporação, mas uma sombra se aproximava
no horizonte e o militar sentia bem isso no meu âmago mais que
profundo.
Os óculos se auto ajustam para modo de neblina mais densa, um dos drones parou
de enviar imagens e dados, depois o outro também parou. Cabo Bruno Marques
olhou para o céu e viu uma estranha nuvem de pássaros em uma revoada passar por
cima do batalhão e depois em direção das duas Torres Kitanda-Xoclengue a poucos
quilômetros dali.
— Então começou de novo, eu não estou
mesmo maluco ora essa! — O policial militar falou em voz alta, sem se importar
com a câmeras ali instaladas, que gravavam tudo que ele falava.
Ele bem sabia, que dali a pouco tudo, que fosse eletrônico ou elétrico iam
parar de funcionar aos poucos. Ele ainda teve o ímpeto de ajustar os óculos e
olhar para o portal de entrada de acesso ao quartel e viu dois cães que se
aproximavam, mas de repente os óculos pararam de funcionar. A sentinela ainda
tentou usar o rádio na mesa ao lado, mas o comunicador analógico não estava
funcionando. Como manda o protocolo, ele tentou ligar o telefone móvel no
cinturão, que também não estava funcionando. A sentinela tirou os óculos e
olhou para fora, a neblina não parava de adensar. A luz do posto de observação
se apagou e as luzes de emergência começaram a funcionar automaticamente.
Marques lembrou do velho pai e suas histórias de pescador, o velho pescador
industrial, filho e neto de pescadores artesanais, contava como de vez em
quando, em alto mar surgia essas neblinas do nada, antes de um naufrágio.
Marques nunca soube se era verdade ou não esses relatos do velho pai. Foi
quando o outro militar apareceu do nada, um sargento, que estava usando uma
calça cáqui, botas de soldado bem engraçadas, uma camisa preta e uma toca
ninja, Marques ficou em posição de sentido. O cabo viu a patente de sargento no
ombro esquerdo do militar, era um policial do serviço de inteligência. O que
por si só explicava a falta de nome no uniforme, somente um número que era
aleatório.
— Descansar cabo! O velho quer bater um papo amigo contigo!
— O velho senhor?
— O tenente coronel
Moreira César, ele que ter a honra de gastar um latim com a vossa senhoria cabo
é simples assim. O homem está ansioso te esperando, na sala dele, entre sem
bater disso o velho, nada de salamaleques funcionalistas da academia militar
hoje meu estimado.
Sem entender nada, sem saber o que fazer, um silêncio constrangedor se abateu
na torre sul de observação. O sargento parado a poucos centímetros levantou a
mão para o cabo lhe passar o fuzil, a sentinela passou a arma para o sargento.
— A pistola também cabo, e faça o obséquio de me passar todas as armas que
estiver carregando. É uma ordem cabo, por favor não faça o homem esperar muito,
pois nunca vi o velho com tanto bom humor, como vi hoje.
A sentinela sorriu nervoso, passou as armas para o superior imediato, e sentiu
um enorme calafrio na espinha, pois tinha medo do desconhecido, tinha pavor de
tudo que não compreendia, o cabo sabia que alguma coisa ruim estava acontecendo
naquela hora: Nada de salamaleques? Nada funcionalismo da academia militar?
Meu estimado? Era mais que desconhecido, era incompreensível ao extremo.
Daí o cabo Bruno pensou que o serviço de inteligência devia operar assim mesmo,
de maneira informal, pois eles não só coletam dados aleatórios e sim se
trabalhavam infiltraram. O militar bateu continência para seu superior e deu as
costas para o outro até ser impedido de continuar a andar, pois a mão do
sargento segurou-lhe o ombro com muita força.
— Eu disse todas as armas
para o cabo, tira o colete, a Beretta, a faca e o canivete também. Passa agora
para cá! Vamos!
Passado o desconforto inicial, o cabo passou todo o seu equipamento de serviço
para o sargento, por um breve momento, Marques pensou que iria ter que tirar
toda a roupa ou ser revistado pelo superior hierárquico como se fosse um
marginal qualquer de rua. Depois do constrangimento inicial, o sargento colocou
todo o equipamento em cima da pequena mesa e tirou a máscara. O cabo reconheceu
o instrutor de tiro do batalhão de imediato, era o melhor atirador de elite do
quartel. Homem duro e cumpridor dos seus deveres, atento a todas as normativas
militares e todos os protocolos civis. Marques muitas vezes ouviu o sargento
dizer que gostava mais das armas do que das pessoas. Segundo o sargento, as
pessoas não são confiáveis e em momentos
de embates, o seu porto seguro era sempre elas, as armas em suas mãos. Assim
pensava o sargento.
— Cabo! Use
as escadas, os elevadores não estão funcionando no momento.
— Mais alguma recomendação oficial?
— Sim é claro, tire este desconfiado sorriso besta de civil da cara
homem e ande logo. Aqui a ordem unida é lei e o coronel não gosta de esperar.
Ao descer pelas escadas da torre sul de observação, o cabo teve outra estranha
sensação. O corredor que levava a escadaria em caracol parecia mais estreito e
as próprias escadas pareciam não ter fim quando ele avançou e olhou para baixo.
Ao enfrentar a dura caminhada o militar perdeu a noção de tempo de novo,
parecia que as escadarias de fato não tinham fim, o militar pensou que estava
ficando louco. Outro fato que chamou a atenção do militar foi que ele não tinha
visto o coronel entrar no batalhão. Ele viu quando o homem saiu sozinho e a pé
do prédio, como sempre fazia, na mesma hora, antes do cabo perder a noção de
tempo. E Marques não viu o militar de alta patente voltar para o prédio. O
batalhão, por motivos óbvios, tenha somente uma entrada, e outras três saídas
alternativas, que só abriam por dentro. E caso elas fossem abertas, de qualquer
forma, Marques e os outros sentinelas postadas nas outras torres de observação
seriam informadas de imediato pelo sistema eletrônico que controla os sensores das portas e das janelas do prédio. E se o
sistema falhasse os drones os informaram da abertura das portas alternativas e
das janelas. E por fim pelas câmeras internas de vigilância, que eram ativadas
pelo movimento, também o avisaram das aberturas. O fato era que o cabo Bruno
Marques estava mais que curioso, para saber onde aqueles corredores sombrios e
seculares o levariam, se é que o levariam a algum lugar.
MULHERES PRETAS
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Eu já vi muito a minha mãezinha
trançar os cabelos enquanto me contava
histórias dos nossos ancestrais.
***
Também ouvi brancos dizerem que
a mãe de Cristo não tinha motivo
para tanto lamento e ainda me disseram
que quem pisou naquelas terras
era uma mulher branca.
Mas eu acredito na minha mãe preta.
***
Eu vi muitas de nós escondendo o choro,
outras buscando reescrever
a sua história.
E nessa povoação de mulheres pretas,
numa terra tão desigual,
vejo o florescer de tantas
pela sua liberdade.
CLARISSE CRISTAL E O AMANHECER DE UM NOVO DIA
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Olho para trás
Preciso ver o que perdi
Tentar sentir novamente
O que já não existe mais
O que ficou para trás
***
Mas creio que não sobrou
muita coisa
Do nosso sacrossanto amor
Minha divina Luna
Não sobrou muita coisa
Para nós dois meu
negro anjo
Clarisse Cristal viu o clarear da luz de um novo dia despontar lentamente no
horizonte infinito, o nascer do dia como jamais sentira na jovem vida. Ela
olhou maravilhada para o oceano Atlântico, para o astro rei soberano, como só
ele sabe ser, impondo a forte luz laranja em meio as nuvens cinzas e as águas
verde mar. Sim, aquele era um novo dia de fato, o primeiro de muitos que
sucederam dali para frente, foi uma promessa que ela fez para si naquele exato
momento. Parada e de pé, na sacada do requintado apartamento de cobertura do
emérito professor luso-africano Adérito Muteia.
Ela
estava extasiada e contemplando o esplendor do amanhecer de um novo dia no novo
mundo. Ela completamente nua, o perfeito corpo escuro mais parecia uma
escultura vivida de ébano, que se confundia e completava harmoniosamente com a
decoração estilo neoclássica da casa do luso-africano. E em um olhar mais apurado
mais parecia que era peça que faltava para quebrar o rigor estético e
simétrico neoclássica do lugar. Clarisse Cristal escutou o forte ronronar do
dono da casa não muito distante dela.
Ele que estava também nu e deitado na enorme e confortável cama de casal
vitoriana ladeado com as imponentes cabeceiras douradas, dois abajures um
ligado e outro apagado e capitonê! O ronronar que evolui para balbucios em um
dialeto africano de forma brusca. Ela não gostou, nem um pouco, de vê-lo tão
angustiado assim, era um pesadelo, ela intuiu o óbvio naquela hora onde os
sentimentos bons e ruins se misturavam para o além do imaginável.
Pois ele era um fruto proibido, que ela acabara de provar e as consequências
não tardarão a chegar tão certo quanto o nascer do sol que ela contemplava
naquele momento. E as evidências estavam espalhadas por todo o amplo
apartamento ricamente decorado e em especial em uma pintura de um retrato de
tamanho natural. Uma reprodução mais que perfeita da fotografia que ela vira
a poucas horas passadas na sacada do Café Ivory Tower. Clarisse reconheceu o
trabalho, e não tinha como não reconhecer, era uma obra de um jovem artista
negro que fora estudar belas artes na Alemanha há tempos atrás, era um
conhecido discípulo de Adérito Mutea. O quadro, um produto do movimento do
romantismo que detinha um ar mais aristocrático do que a fotografia, o precioso
quadro estava postado no hall de entrada do apartamento. E era um poderoso
recado, para quem por ali chegasse pela primeira vez, de quem mandava ali.
A dona da casa era Agnela e aquele homem é só seu. A casa era dela e as marcas
estavam em toda parte, das peças caras, raras e artesanalmente produzidas do
mobiliário planejado que por fim se misturavam harmonicamente, com as pequenas
peças de decoração baratas compradas nas lojinhas ali na esquina. Eram artigos
da cultura afro-brasileira e indígena frutos da produção em massa, Clarisse
calculou que era para quebrar o rigor neoclássico e aplacar o gosto do homem da
casa. Nada de excessos, nada de exageros, nada em demasia, ali reinava a
harmonia, a perfeição, a simplicidade e o bom gosto estavam em toda parte
para onde se olhava e por fim o equilíbrio entre o caro e o barato, o artesanal
e o fabricado em massa. Clarisse viu a mão leve e talentosa de Agnela em tudo e
uma leve supervisão de Adérito, também em pequenos detalhes, nas cores
principalmente, vivas e fortes que remetiam à África, aos povos das florestas e
nos livros à mostra.
Clarisse respirou fundo esticou a braço esquerdo foi até a sua bolsa tiracolo
bege para notebook, que estava posta em uma cômoda. Ela nem se importou em
checar o celular e o tablete as inúmeras mensagens em vários aplicativos e
chamadas perdidas, na verdade nem cogitou a possibilidade. Ela divagou um pouco
sobre o clube virtual formado só de mulheres e para mulheres, o grupo sutiã
vermelho e das longas trocas de mensagens proibidas para homens. Eram tolas
reminiscências da outra vida, onde tudo era superficial, fluido e urgente, nada
era nada e tudo era tudo.
A jovem mulher
tirou da bolsa um notebook e foi ocupar uma cômoda não muito longe dali. Sim,
ela ocuparia a mesa de trabalho do enigmático literato luso-africano Adérito
Muteia por um breve momento. Era um sonho muito distante se revelou uma
perigosa realidade, com infinitas possibilidades e nenhuma delas era boa de
fato fosse para quem fosse.
CLARISSE CRISTAL E O MERGULHO NA ESCURIDÃO
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
E ela esteja lá...
Na alcova minha
À meia luz!
Esperando por mim...
Enquanto na vitrola...
Toca o mais puro lamento
negro,
A mais cristalina negra dor.
‘’Nunca me interessei por revisitar cenários’’ — disse Clarisse Cristal para
si mesma, mas com uma enorme vontade de gritar ao máximo do impossível e para
além do provável, para quem quisesse e não quisesse
ouvir. A frase feita, que não era dela e sim um batido clichê que ela nem
lembrava de onde tirou tal frase. Pois ao chegar no terraço todos os elementos,
que podia lembrar, estavam todos lá disposto bem diante dela. O balcão de
mármore Carrara, o bar com vários tipos de bebidas, copos e taças para todos os
gostos, marcas e preços, as cadeiras espreguiçadeiras de praia
gêmeas as famosas outdoor dubbele chaise lounge, a mureta com o peitoril com
detalhes artesanais, as mesas e cadeiras distribuídas simetricamente. E por fim
uma pequena piscina e a bela vista para o mar. Em uma olhada rápida no quiosque
do terraço e Clarisse notou um grande retrato em preto e branco, com a
assinatura de um fotografo famoso da atualidade. Era o professor Muteia
elegantemente trajado, como de costume, mas de maneira casual, ladeado de uma
jovem e bonita jovem mulher elegantemente vestida, também de maneira casual.
Ele sentado em uma imponente poltrona e ela em pé e com as mãos em volta do
pescoço do africano em terno carinho: — Então esta é famosa Agnela a misteriosa
esposa de Muteia! — Pensou Clarisse em um lampejo.
—
Belo local de trabalho,
professor Mutéia!
—
É Muteia sem acento, há um
enorme hiato, no meu sobrenome e que se estende na minha vida cotidiana também.
Podes de me chamar pelo meu prenome que é Adérito. Vamos sentar logo e começar
a entrevista, pois não tenho muito tempo menina/mulher.
Foram
andando lentamente se afastando do quiosque e indo em direção de uma mesa a
poucos metros da pequena amurada de frente para o mar. O emérito professor
luso-africano afastou uma cadeira de forma cavalheiresca e ofereceu para a
jovem dama. Adérito ocupou uma cadeira em frente de Clarisse, depois dela se
sentar, o luso-africano ergueu a não esquerda e estalou os dedos e um mordomo apareceu para atendê-los. Clarisse
deu uma olhada melhor no homem e viu que era mais que um mordomo era um mordomo
vitoriano que os servia.
—
Secretário me traga uma
chávena de chá de menta gelado e os meus charutos, o que queres, minha querida
Clarisse Cristal?
—
O chá de menta gelado para mim
está bom, mas dispenso os charutos!
—
Sim senhor e madame! Vou
trazer duas chávenas de chá de menta gelados e os charutos!
O
homem desapareceu tão rápido, como surgiu e por fim os dois estavam em um lugar
reservado e sozinhos novamente. Clarisse tinha preparado muitas perguntas, como
boa profissional que era, para fazer fugir dos muitos óbvios, pois ali quem
estava diante dela não era uma pessoa qualquer. E com pessoas extraordinárias,
os roteiros prévios raramente funcionam bem.
—
Então como é mesmo o nome do
veículo em que trabalhas miúda?
—
Revista Astro-domo, de
literatura, estética, comportamento e artes em geral!
—
Interessante, já a conheço de
fato. É bem pós-moderna por sinal, pois estão em todas nas plataformas
digitais, pelo que sei. Diferentes de algumas revistas e jornais que eu
colaboro.
—
Então o professor conhece a
nossa pequena revista então?
—
Liga o gravador miúda e vamos
logo começar a trabalhar!
A
repentina pressa do emérito luso-africano fez um alarme disparar em Clarisse
Cristal, as pessoas como a formação dele não tendem a ter muita pressa quando
estão trabalhando. Adérito foi forjado em parte pela velha e refinada escola
europeia. Esperaram, por um tempo sem saber o motivo, e entreolharam-se com uma
profundidade abissal. O clima só foi quebrado com a volta do secretário. Ele
voltou com uma bandeja de prata recoberta por um delicado pano branco de linho
egípcio, os serviu de forma solene e sem nada dizer e se retirou também de
forma solene. A jovem entrevistadora achou tudo muito exagerado e por demais
refinado para uma simples entrevista.
—
Então professor, o senhor quer
estabelecer alguns parâmetros a entrevista antes de começarmos de fato?
—
Creio que não, minha cara e
jovem amiga. Fico mais que contente em poder ser entrevistado por alguém mais
próximo de mim. Quase não se vê muitos negros atuando, aqui no novo mundo, na
literatura e no jornalismo cultural para ser mais exato. Está é na verdade a
primeira vez que dou uma entrevista para outra pessoa da minha raça neste belo
país, que me acolheu tão bem.
—
Então como é ser escritor nos
dias de hoje, para o professor? — Clarisse usou um clichê logo de entrada, logo
após ligar o gravador digital que estava em cima da mesa.
—
Eu não posso discorrer em
belas letras, e em arte no geral, nos dias de hoje sem olhar profundamente para
o passado, para que possamos compreender o tempo presente. Se no passado, não
muito distante de nós, os escritores escreviam usando então somente municiados
de penas, o tinteiro, o mata-borrão e eram iluminados pela luz de velas ou por
enfumaçados candeeiros. E tendo a geração seguinte a máquina de escrever, a luz
elétrica e a máquina a vapor, dando um ritmo bem mais acelerado para a nova
sociedade menos agrária em mais urbana. Isso se refletiu e ainda reflete na
escrita e no mundo das artes como um todo. Estamos é claro falando do início do
século passado e do fim da anterior a este. A extrema velocidade dos dias de
hoje, com o advento da escrita digital, acelerou muito mais a que a dita
escrita mecanizada do século passado. Mas estou sendo muito enfadonho e
academicista demais minha cara?
—
Não mesmo professor, não
mesmo! Prossiga por favor— Ela queria bem dizer sim para com academicismo
exacerbado do professor.
— O escrever é sobretudo o
transcender para o além do infinito! É fugir dos óbvios que a realidade nos
impõe no dia-a-dia e é não conhecer e ter limites algum! E já antecipando a tua
segunda pergunta, minha jovem Clarisse Cristal jornalista da revista
astro-domo: O que é a realidade afinal? No conturbado mundo de hoje, a
realidade é o que a gente quer que ela seja! — Clarisse Cristal ouve um alto
ranger de uma antiga e pesada porta se abrindo atrás dela — E também
antecipando a tua terceira e inevitável pergunta eu respondendo que eu navego,
ou melhor flano, entre os movimentos literários do neo-simbolista e do neossurrealismo.
Eu trafego livremente por estes dois movimentos literários, mesmo que esteja
fora de moda falar em movimentos literários, no tempo presente. E vós digo que
para os padrões da atualidade, estes dois movimentos literários e estéticos são
os movimentos literários e estéticos que mais poderia representar a
pós-modernidade! — Clarisse Cristal então ouviu passos, eram o barulho típico
de salto alto quinze batendo no chão frio e duro do terraço de forma
compassada. — Se a pouco me perguntasse sobre a Agnes. Então vós digo, minha
querida jovem jornalista entrevistadora da revista Astro-domo, que ela é fruto
da minha imaginação fértil então somente. Uma filha dileta e querida na verdade
da minha irrequieta mente imaginativa. — Uma sombra surge por detrás de
Clarisse e se agiganta — Ela como outras personagens que vem e vão ao sabor do
vento e da ocasião. — A mulher passa ao lado de Clarisse e a jovem
entrevistadora e a reconhece é a mesma mulher que outrora acompanhava Adérito
Muteia na livraria — E é assim, que as personagens do meu fértil mundo
imaginativo vão surgindo minha querida amiga, aos pedaços, nevoentos,
nebulosos, lânguidos, turvos. — Ela se posta ao lado do professor
Muteia e sussurra no ouvido dele e este sorriu — São personagens rebeldes por
natureza minha querida amiga — A mulher se afasta lentamente, sobe na mureta,
olha para trás, encara bem nos olhos de
Clarisse Cristal, a mulher sorriu para a jovem entrevistadora e então
mergulhou. Clarisse atônita e em prantos corre até a mureta, olha para baixo,
eram muitos andares até o chão, e Clarisse viu a si mesma, seu próprio corpo
sem vida estendido no chão. As pessoas passando ao largo do corpo sem vida
sem se importarem-se. Clarisse recuou em choque e decidiu olhar de novo, os
muitos andares sumiram e ela não vê mais nada, somente a calçada a beira. E sem
nada entender voltou a si, a olhar para Adérito Muteia, que estava estático
sentado diante dela no mesmo lugar — Então é isto miúda, em tempos de realidade
fluída, nada é de verdade e vivemos em um mundo de muitas mentiras, mundo
fugaz, nasce, cresce e evanesce em poucas horas, minutos e até segundos! — Ela
estava de volta sentada em frente ao professor, tinha a cabeça pesada, Clarisse
não sabe o que pensar e dizer naquela hora. O emérito professor luso-africano sorriu
para ela, não de forma sarcástica e sim com terno carinho.
— A entrevista acabou miúda! Quem
sabe um dia possamos nos aprofundar mais sobre estas questões! Qualquer dúvidas
que possam surgir depois, entre em contato diretamente comigo como tu bem prover.
Sou sim uma pessoa bem ocupado e raramente dou entrevistas, mas para tu posso
rever este meu conceito estático. Pelo menos até agora!
— Claro professor! Sim tenho muitas
dúvidas e várias incertezas! — Era sonolento o tom de voz de Clarisse Cristal e
nem parecia que era ela que estava falando naquele momento.