segunda-feira, 1 de maio de 2023

MANDI: A LITANIA DE MOKANÂ (PRIMEIRA PARTE)

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Dá-me uma flor...

Da mais branca, da mais bela.

Porque hoje é dia de amar-te meu sagrado amor!

Quero-te como uma flor, delicada e breve!

Hoje é dia de amar-te.

Da forma mais voraz...

Da forma mais profana!

Quero-te agora meu amor. ’’

Para Raquel da Costa e Ana Maria da Costa

— Que marca é está aí, no teu braço?

Pela expressão do rosto, ficou evidente, que ela não estava esperando por uma pergunta desse tipo, não naquela altura. Aliás, ela não espera muita coisa de Mokanã, mesmo assim a moça deu uma olhada rápida, no próprio braço, antes de dizer qualquer coisa. Por longos anos, os números tatuados no braço eram olhados, dia após dia. Lágrimas correram pelos olhos da moça, desceram pelo rosto e esvaeceram no vazio. A muito que ela não chorava, às vezes chegava a pensar, se as lágrimas tinham secado, se elas tinham ido embora com o resto da última vida mortal, em uma das suas passagem pela Terra.    

— Marcas do passado. É que temos alguns amigos em comum, você não sabia? Meu amigo! — O jovem achou graça, e não deixou de rir, agora estava ficado claro a situação. A princípio, pensou que estava ficando louco, depois, concluiu enfim que teria morrido, pois, o olor forte de cravo impregnava o ar. Vindo de onde? Mokanã não sabia explicar. Por outro lado, tinha à lua cheia, que iniciaria naquela noite. Foi aí, que outra ideia, passou pela cabeça.

— Mandi, por que veio me visitar, o que queres comigo, Mandi?

— Quem te disse que é este o meu nome? Quem te falou uma coisa destas, meu amigo?

— Senão és a Mandi? Quem poderias ser? Quem mais, iria me visitar a essa altura? A minha vida já não vale mais nada, Mandi! 

—Tu bem gostarias, que eu fosse ela, querias? Não querias?— O olhar meigo e franco, a pele alvíssima, a fala pausa da jovem, os trajes esvoaçantes e coloridos, desconcertavam Mokanã.  

— Sabes como vim parar aqui, Mandi?

— Claro que sei, já não te disse que temos alguns amigos em comum!

— Ele morreu? Nosso ‘’amigo’’ em comum morreu, Mandi? Me diz logo! Claro que não, afinal não atirei para matar! — A voz de Mokanã não era de ódio, era de calma, uma calma que assustava a moça, que estava em pé a poucos centímetros dele.

— Gostaria que o teuto estivesse morto, nesta hora, não querias? — Perguntou de forma dura, como se estivesse interrogando, um preso perigoso. A mudança de tom, não assustou o jovem guerreiro indígena. Parecia, que mais nada importava-lhe na vida. Mokanã de longe era um assassino, mas, gostaria de ter visto o teuto morto no chão, encharcado no próprio sangue.    

— Teuto? Por aqui, eles têm outros nomes, Mandi: chucrute, palmito, maionese! — Ambos riram, como se fossem crianças, durante algum tempo.

— Mandi, me diz uma coisa, chegou a hora da minha partida, vou morrer e tu ‘’veio’’ me buscar, é isso? Pode me falar a verdade, não tenho mais medo da morte, faz tempo.

— Meu nome não é Mandi, e sim Kriseide, pelo menos é assim que alguns me chamam, vez ou outra. É assim, que gostaria que me chama-se também, meu nobre guerreiro. Não posso te dizer, quando morreras, mas, te digo que não será aqui e nem agora. Um primo seu, vem te visitar em breve, trate-o bem, pois também é meu amigo, um amigo de longa data.

— Primo? Quem e de onde?

— Um jeito de falar apenas, ele é de outra tribo, de muito longe, vem do norte, vem pra te tirar daqui. Trate-o bem, é só isso que te peço por hora, nobre amigo. Agora tenho que ir, estão me chamando!

— Mandi... Mandi, não me deixe Mandi! — O guerreiro fez um esforço para não chorar, mesmo assim chorou, pois a ideia da solidão que estava por vir, o sufocava.

— Saibas que não vou te deixar, nobre guerreiro, meu querido amigo. Nunca vou te abandonar, vou ficar contigo até o fim, seguirei essa jornada ao teu lado até o fim! — A litania cessou de repente, um sorriso brotou nos lábio de Mokanã nesse instante.

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