Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
A minha verdadeira
tragédia pessoana
É chegar na complexa
conclusão
De que quando eu estou
em público
Eu finjo ser eu
mesmo... Falando, escrevendo
E divagando... Somente para sufocar
Os múltiplos eu’s ...
Que hão dentro de mim...
Samuel da Costa
— É só o vento, é só a chuva, é
só o medo, é só a morte e só é a vida! — Disse eu no alto do quinto andar, para
o que ocorria na rua, no apartamento de Gorete. Mas quem era Gorete? E o que eu
estava fazendo na casa dela? E o que eu olhava na rua, naquele final de tarde,
em um outono ameno? Uma coisa de cada vez, meus amores, príncipes, reis e
rainhas, uma coisa de cada vez.
— O que? O que, tu disseste menina
moça? — Perguntou Gorete de pé a poucos metros atrás de mim.
— Eu recitei, um trecho de uma
poesia, que estou compondo, sua metida! — Respondi sem tirar os olhos, do que
ocorria no Beco Do Brooklyn, que não é um beco a final de contas.
Eu estava no apartamento de Gorete
porque era quinta-feira e nas quintas feira a minha mãe, vamos chamá-la de
Verônica, um nome fictício é claro, mas a conversa aqui não é sobre a minha
progenitora. Eu estava na casa de Gorete, que mais parece o nome de uma dona de
bar de tolerância, de uma periferia qualquer, pois então era quinta-feira e nas
quintas-feiras era dia de faxina geral na minha casa. E quando há faxina geral
nas quintas-feiras, a minha mãe não gosta de ver a pequena filha dela, vê-la
movendo móveis e espanando tudo que via na frente. Ela e uma ou outras pobres
criaturas quais queres, faxinavam tudo que viam na frente, de cima a baixo e
era pura tensão, pois a minha mãe vira uma leoa enfurecida nas quintas-feiras.
E o alvo era quem estivesse na frente dela, a ajudantes do lar desavisadas,
sentiam na pele o fervor da dona Vera, e é Vera somente para os íntimos. E uma
vez dentro do reino da rainha Verônica, a ideia de fuga é uma realidade para
essas pobres criaturas. A rotatividades de diaristas das quintas-feiras era e é
alta.
Gorete? Ela é uma secretária do lar,
como se dizia antigamente e antes de se aposentar ela vivia feliz na cidade ao
lado, trabalhando em uma enorme casa, era uma empregada doméstica permanente,
que dividia o trabalho com outros empregados sazonais. Pois bem, os patrões de
Gorete, eles idosos e com os filhos criados, resolveram se mudar para a casa de
verão. Localizada em uma praia agreste aqui perto da minha casa, uma vez que os
idosos partiram, Gorete se viu dona de uma grande e bela casa de verão, pois as
dívidas trabalhistas do casal com Gorete eram altas. Incluísse aí férias que
ela não tirou, a carteira que nunca foi assinada, e olha que Gorete começou a
trabalhar com os seus sete anos de idade. Entre outras coisas, o casal deixou o
solar a beira mar, para a governanta da casa, os herdeiros não fizeram caso,
trabalho infantil é um caso sério, entre outras coisas.
Então uma vez sozinha na casa,
Gorete não tinha filhos, então a antiga governanta, viu como era caro viver em
uma casa enorme e com uma parca aposentadoria de salário e meio. Então Gorete,
alugou o solar e alugou um apartamento, uns poucos andares abaixo do meu e, é
claro que a minha mãe não demorou a contratá-la para as faxinas das
quintas-feiras. E entre gritos agudos e uma hirta resistência da antiga
governanta, diante das ordens ferozes da minha mãe, a coisa não durou muito. E
as duas viraram amigas de infância, mesmo com as diferenças de idade e origem
social, eu criança, passei a ficar no apartamento de Gorete nas
quintas-feiras.
Uma vez respondido algumas
perguntas secundárias vamos para a pergunta principal, eu estava olhando para
baixo, para o Beco Do Brooklyn, eu que estava compondo versos na minha cabeça.
Estava compondo versos em ignotas asas de mariposas imaginárias, estava eu
vagando na vacuidade das minhas quimeras aladas. As cores vívidas da realidade
transbordaram diante de mim, me tirando dos braços de Morfeu, na trazendo para
a fluidez contemporânea no tempo e espaço que vivo. Eram três elementos
masculinos e logo pensei: ‘’Um está no trono, o segundo morreu e o terceiro
fugiu! ’’ Li esta frase em algum lugar,
só não sei onde e é claro não está na ordem correta. Dois de pé conversando
baixo e um terceiro trôpego quedado ao chão.
— Venha Gorete, vejo e me diga se
estou errada! — Disse eu sem tirar os olhos da cena que desenrolava lá embaixo,
disse laconicamente para a irmã emprestada da minha mãe e ela curiosa se
aproximou. E ela não fez de rogada, veio até e de olhos rasteiros viu o que eu
via.
— O que tem demais? — Disse Gorete
deu uma pausa e continuou — São figurinhas carimbadas...
— Não me diga, o maltrapilho que
está no chão é um atleta das águas, o mais jovem que está de pé é um policial
civil, um agente da inteligência da polícia civil e o mais velho é um professor
universitário que cai em desgraça! — Disse eu sem tirar os olhos da cena que
decorria lá embaixo.
— O do chão é o Molina, um surfista
que se viciou em drogas e outras coisas, o moço de pé e o Fumaça, da polícia
civil, o policial secreto mais famoso da cidade e o velho é o Gilberto e sim
era um professor que se meteu em um escândalo! Mas como tu sabes quem...
— Uma análise fria, minha querida!
Um famoso agente secreto? Gilberto é mesmo nome de professor. Triste fim o
trabalhador do mar e eu só não sei quem é quarto e elemento, minha querida
Gorete. — Disse eu sorrindo olhando para Gorete.
— Quarto elemento? — Perguntou
intrigada a governante aposentada.
— O que une os três! Ora essa! —
Falei triunfante e bati em retirada para o meu notebook que estava em cima da
mesa, da sala de estar e olhei para trás e perguntei alto — Ele já morreu,
Gorete?
— Quem morreu, guria doida? — Disse
assustada a dona da casa.
— Olha bem para surfista prateado!
— Falei triunfante.
Gorete cerrou os olhos e viu o
jovem Molina se confeccionar, cuspir sangue e tombar sem vida para o lado. Os
dois homens olharam para o corpo sem vida do surfista de profissão e partiram
para lados opostos, o ex-professor partiu para o leste e o policial rumou para
o oeste. A dona da casa correu, foi buscar o telefone.
— Gorete, minha querida! Ele está
morto e não se pode fazer nada por ele e não chame a polícia, pois a polícia
estava assistindo o Molina morrer.
Voltei para a tela do meu
microcomputador, fiz uma breve pesquisa na rede, dei uns telefonemas e fiz
alguns vídeos chamadas. Achei pouco e pensei em buscar as velhas tecnologias e
ir até arquivos públicos.
Fragmento do livro: Do diário
de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e
bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
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