quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A MULHER PRETA NA LITERATURA

 Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

A Mulher Preta na Literatura

O assunto é a mulher preta na literatura, mas antes de tudo quero contar a minha experiência. Primeiro que a literatura entrou na minha vida como uma obrigação na escola, não como algo prazeroso. Na escola a gente era obrigada a ler os autores apresentados. Não tínhamos a liberdade de escolha. Além da falta de liberdade, não tínhamos referência na nossa literatura brasileira. Era como se a população negra não existisse para além da escravidão.

Eu tive conhecimento de Machado de Assis e Lima Barreto como autores brancos, só aos 35 anos descobri a verdadeira origem dos dois escritores negros. Clarice Lispector era a minha autora preferida, eu não conhecia outra mulher na nossa literatura. Uma escritora negra estava fora da minha realidade. Clarice Lispector deixou de fazer parte da minha vida literária quando fui atrás de minhas origens.

Quando criança me apresentaram Monteiro Lobato através do Sítio do Pica Pau Amarelo, uma negação de nossas origens e histórias. Dando para a sociedade estereótipos negativos referente ao negro. A família do escritor pelo que descobrir através de relatos históricos tinha em sua casa escravos negros. O livro escrito por ele considerado o clássico da nossa literatura brasileira é literalmente composta de palavras racistas que diminui o negro. Fatos que estão nas entrelinhas, negado por inúmeras emissoras de televisão e academias.

Voltando ao assunto, em questão, as mulheres, as negras em especial, em todas as áreas abrangentes sempre foram consideradas inferiores ao sexo masculino. E, como bem sabemos, a mulher foi silenciada pela política do patriarcado. Na verdade, durante anos a mulher teve a sua vida aprisionada. A mulher existia apenas para os afazeres domésticos, para o papel de mãe e o de esposa.

Mas bem sabemos que nem todas as mulheres durante muito tempo não tinham o mesmo papel na sociedade. As mulheres pretas tinham o papel de escravas e com o fim da escravidão o papel de empregada doméstica e babá. Ver a mulher preta em outra função sempre foi um sonho para outras mulheres.

Estar na função de escritora para mim é quebrar a barreira do negacionismo imposto pelo racismo.

Eu ouvi muitos não antes de chegar até aqui. Ser escritora não é uma decisão, é uma escolha para a vida. Primeiro que quem vem antes de você se julga superior a você e coloca imposições. Numa sociedade racista onde ser negro é inaceitável.

Hoje podemos dizer que a literatura brasileira se divide em duas partes, a literatura brasileira em si, onde somente os autores brancos fazem parte e a literatura afro-brasileira. A literatura afro-brasileira é composta por escritores e escritoras negras, onde é muito falado o resgate da nossa cultura afro, nossas origens, religiosidade, nossos direitos humanos e o preconceito racial e social sofrido há décadas por nós.

O marco da nossa literatura são mulheres ocupando esse espaço e dando voz ao nosso povo. Temos como pioneiras Maria Carolina de Jesus, Conceição Evaristo, Antonieta de Barros, Sueli Carneiro e tantas outras mulheres escritoras.

O mundo literário feminino, assim podemos dizer, é como se existissem dois mundos, os das mulheres brancas e os das mulheres pretas.

A começar pela vida de ambos. Ambos tinham vidas completamente diferentes, era visível a desigualdade social. A mulher branca tinha privilégios independentemente da sua classe social, a mulher preta sempre teve que lutar para garantir seus direitos e seu respeito como mulher. Mas ambas vivem numa sociedade que séculos atrás a mulher em nenhum momento podia falar sobre determinados assuntos, ela nem sequer podia estudar, nesse caso o estudo sempre foi algo inútil. Mulheres sem conhecimento era o que a sociedade formada por homens queria.

As mulheres pretas chegaram na literatura para falarem sobre todos os abusos sofridos por conta da cor da pele. Chegaram a dar voz a tantas mulheres que viviam sem apoio até mesmo da família, mulheres que tinham seus sonhos apagados pelo preconceito de toda sociedade brasileira e a falsa democracia existente no Brasil.

Na verdade, a mulher preta veio para desconstruir a literatura feminina brasileira até então feita por mulheres brancas. Os medos, as rejeições, esse lance da beleza padrão imposta pela sociedade machista, a sexualização da mulher preta e o estereótipo da mulata faceira, veio junto com ela, trazendo a nossa literatura questões sociais, raciais e emblemáticas.

A sua luta não para. A minha luta não para. Estamos aqui para derrubar todos os preconceitos. Como diz a grande escritora Conceição Evaristo: Hoje a escrita da mulher negra tem essa função de adormecer a Casa Grande. Pelo contrário, é uma escrita que incomoda, que perturba.


Clarisse da Costa é poetisa e cronista, em Biguaçu, SC

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

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