Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
A Mulher Preta na Literatura
O assunto é a mulher preta na literatura, mas antes de tudo
quero contar a minha experiência. Primeiro que a literatura entrou na minha
vida como uma obrigação na escola, não como algo prazeroso. Na escola a gente
era obrigada a ler os autores apresentados. Não tínhamos a liberdade de
escolha. Além da falta de liberdade, não tínhamos referência na nossa
literatura brasileira. Era como se a população negra não existisse para além da
escravidão.
Eu tive conhecimento de Machado de Assis e Lima Barreto como
autores brancos, só aos 35 anos descobri a verdadeira origem dos dois
escritores negros. Clarice Lispector era a minha autora preferida, eu não
conhecia outra mulher na nossa literatura. Uma escritora negra estava fora da
minha realidade. Clarice Lispector deixou de fazer parte da minha vida
literária quando fui atrás de minhas origens.
Quando criança me apresentaram Monteiro Lobato através do
Sítio do Pica Pau Amarelo, uma negação de nossas origens e histórias. Dando
para a sociedade estereótipos negativos referente ao negro. A família do
escritor pelo que descobrir através de relatos históricos tinha em sua casa
escravos negros. O livro escrito por ele considerado o clássico da nossa
literatura brasileira é literalmente composta de palavras racistas que diminui
o negro. Fatos que estão nas entrelinhas, negado por inúmeras emissoras de
televisão e academias.
Voltando ao assunto, em questão, as mulheres, as negras em
especial, em todas as áreas abrangentes sempre foram consideradas inferiores ao
sexo masculino. E, como bem sabemos, a mulher foi silenciada pela política do
patriarcado. Na verdade, durante anos a mulher teve a sua vida aprisionada. A
mulher existia apenas para os afazeres domésticos, para o papel de mãe e o de esposa.
Mas bem sabemos que nem todas as mulheres durante muito
tempo não tinham o mesmo papel na sociedade. As mulheres pretas tinham o papel
de escravas e com o fim da escravidão o papel de empregada doméstica e babá.
Ver a mulher preta em outra função sempre foi um sonho para outras mulheres.
Estar na função de escritora para mim é quebrar a barreira
do negacionismo imposto pelo racismo.
Eu ouvi muitos não antes de chegar até aqui. Ser escritora
não é uma decisão, é uma escolha para a vida. Primeiro que quem vem antes de
você se julga superior a você e coloca imposições. Numa sociedade racista onde
ser negro é inaceitável.
Hoje podemos dizer que a literatura brasileira se divide em
duas partes, a literatura brasileira em si, onde somente os autores brancos
fazem parte e a literatura afro-brasileira. A literatura afro-brasileira é
composta por escritores e escritoras negras, onde é muito falado o resgate da
nossa cultura afro, nossas origens, religiosidade, nossos direitos humanos e o
preconceito racial e social sofrido há décadas por nós.
O marco da nossa literatura são mulheres ocupando esse
espaço e dando voz ao nosso povo. Temos como pioneiras Maria Carolina de Jesus,
Conceição Evaristo, Antonieta de Barros, Sueli Carneiro e tantas outras
mulheres escritoras.
O mundo literário feminino, assim podemos dizer, é como se
existissem dois mundos, os das mulheres brancas e os das mulheres pretas.
A começar pela vida de ambos. Ambos tinham vidas
completamente diferentes, era visível a desigualdade social. A mulher branca
tinha privilégios independentemente da sua classe social, a mulher preta sempre
teve que lutar para garantir seus direitos e seu respeito como mulher. Mas
ambas vivem numa sociedade que séculos atrás a mulher em nenhum momento podia
falar sobre determinados assuntos, ela nem sequer podia estudar, nesse caso o
estudo sempre foi algo inútil. Mulheres sem conhecimento era o que a sociedade
formada por homens queria.
As mulheres pretas chegaram na literatura para falarem sobre
todos os abusos sofridos por conta da cor da pele. Chegaram a dar voz a tantas
mulheres que viviam sem apoio até mesmo da família, mulheres que tinham seus
sonhos apagados pelo preconceito de toda sociedade brasileira e a falsa
democracia existente no Brasil.
Na verdade, a mulher preta veio para desconstruir a
literatura feminina brasileira até então feita por mulheres brancas. Os medos,
as rejeições, esse lance da beleza padrão imposta pela sociedade machista, a
sexualização da mulher preta e o estereótipo da mulata faceira, veio junto com
ela, trazendo a nossa literatura questões sociais, raciais e emblemáticas.
A sua luta não para. A minha luta não para. Estamos aqui
para derrubar todos os preconceitos. Como diz a grande escritora Conceição
Evaristo: Hoje a escrita da mulher negra tem essa função de adormecer a Casa
Grande. Pelo contrário, é uma escrita que incomoda, que perturba.
Clarisse da Costa é poetisa e cronista, em Biguaçu, SC
Contato: clarissedacosta81@gmail.com
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