Mais uma vez Eliza (em recaída)
Verão a pino e o calor
estava insuportável e eu decidi pegar a velha bicicleta e sair para tomar um
pouco de ar, decidi tomar a tranquila alameda ao fim da alameda.
Inconscientemente mudei de rumo e enfrentei a agitada avenida, a três
quarteirões além, um pouco mais adiante, estava o prédio onde Bruno, um
amor antigo, morava com a família. Parei, e da rua pude vê-lo bem, ainda estava
jovem, estava feliz brincando com os filhos pequenos, no parquinho do
condomínio fechado. Curiosa que estava eu queria saber mais, e sem que ele
notasse, passava sempre ao final da tarde para espiá-lo, ele ainda chamava
minha atenção.
Lembrei da época quando
estudávamos juntos em um rígido colégio particular. Havia secção para meninos e
a secção para meninas, a gente só se encontrava no recreio para brincar juntos,
sobre olhares atentos de inspetores. Crescemos separados, mas um pouco mais
crescidos em baile ou festa, sempre nos encontrávamos e trocamos olhares e
breves palavras. Então na festa de formatura entre sorrisos e abraços, entre as
comemorações da realização pessoal e familiar. Onde os olhares rigorosos, deram
descansos para todas e todos, em um rompante amávamos noite a fora em um ato de
rebeldia!
Mas, a vida dá voltas,
nos separamos e cada um seguiu seu próprio caminho. Hoje, vendo-o novamente,
meu coração disparou, voltei novamente ao passado remoto. Passado distante em
tempo e espaço, no qual nunca foi bom para mim, cheio de mentiras, meias
verdades, traições e de tudo que poderia ter sido e não foi, tudo mexeu com nosso
lado psicológico.
— Elizabety, sou eu o
Bruno, entre vamos beber algo. — De repente escuto a voz dele me chamando para
o tempo presente, para a realidade dura e cruel! Ele notou a minha presença por
fim.
— Como estás Bruno?! — Eu
estava constrangida, pois não sabia quando Bruno tinha sentido a minha
presença. Ele se aproximou do portão do prédio, parecia que tinha esquecido por
completo a prole atrás dele. E os filhos nem se deram conta que o pai deles
estava conversando com uma completa estranha parada no meio da rua.
— Estou bem! Sinto muito
a tua falta. — Como senti a tua falta!? Pensei calada, sempre viveu de
mentiras, sua vida era uma farsa! — Não, não, e não preciso ir embora. — Corri,
nunca mais voltei a passar no prédio de Bruno e nunca mais o encontrei.
Recomecei a minha vida,
longe daquele homem fraco, que vivia me enganado com juras falsas de amor
eviterno, foi apenas uma recaída e nada mais. Não voltei para olhar para trás!
Para recomeçar é
necessário evoluir, é preciso ter amor próprio para dar a largada. Que haja em
nossos corações vontade de recomeçar, não apenas vontade, mas também muita
coragem! Quanta a Bruno!? Já não sentia mais nada por ele...! Apenas uma certa
curiosidade.
Um estranho caso!
Ao anoitecer um silêncio
pairava no ar no velho casarão, uma inquietação me fez despertar, era tarde da noite.
Acordada sai da cama, então sonolenta desci as escadas, liguei o alerta total
conforme ganhava o primeiro andar, fui beber um copo de água. Na cozinha, não
abri a geladeira e decidi ir direto para pia, o barulho da torneira ainda
enchia os meus ouvidos e a água quase transbordava no copo quando uma voz
glacial inundou o ambiente. Olhei para trás era um homem mal vestido.
— Pode me arrumar um copo
de água, por favor!
— O que? — Em meio aos turbilhões de sentimentos e pensamentos confusos, só uma
só pergunta ficou martelando na minha cabeça: ‘’— Como um completo estranho
entrou na minha casa!’’ Como se asas brotassem nos meus pés voei pelas escadas
e voltei para o meu quarto. No meu quarto repassei a cena, tinha um completo
estranho na minha cozinha, tinha os fortes olores de jasmim misturados com o
odor putrefato de alguém que vive nas ruas. Tinha os olhos azuis ejetados e um
sorriso com dentes perfeitos. Tinha o som do copo cheio de água gelada que
deixei cair no chão. Tinha a minha necessidade de deitar na minha cama e dormir
e acordar em um mundo que fazia sentido.
Ao acordar no meu quarto
e na minha cama, me levantei e olhei no espelho, eu lentamente desci as
escadas. Os fortes odores tinham desaparecido e na cozinha lá estava ele, o
homem misterioso, sentado na mesa da cozinha. Olhei o relógio postado na parede
era madrugada e nada dele querer partir. Naquela hora tive um pensamento
esquecido que talvez ele estivesse morto. Mas, a respiração dele ficou cada vez
mais ofegante, parecia irado, eu fingi não estar preocupada, mas o meu corpo
estava gelado. Perguntei para o estranho quando iria embora, e ele em um
rompante me pegou pelo braço, jogou-me na parede, me beijou. O forte odor me
invadiu de novo, e como adivinhando o que eu sentia, o estranho me largou e me
disse que precisava tomar um banho. Pegou na minha mão e me conduziu para fora
da cozinha rumo ao desconhecido.
O estranho agia como se
fosse o dono da casa, como se conhecesse a casa pois subiu as escadas, invadiu
o meu quarto, acendeu a luz, foi até o guarda-roupas, pegou uma toalha e partiu
rumo ao meu banheiro. Mandou-me ficar bem quieta. Tirou as roupas encardidas,
notei o carpo atlético do estranho, ele entrou no box de acrílico e fechou,
abriu o chuveiro,
Profanação! Estou
desejando um estranho, uma pessoa que conheço. Não resisti, entrei no box e
subitamente me entreguei aquele estranho! Sedento, parecia devorar cada parte
do meu corpo, com força colocou a mão na minha boca e mandou eu ficar quieta!
Mandou-me não gritar e somente sentir.
Lá fora a vida ocorria
naturalmente e começou a chover forte, e na minha realidade a madrugada parecia
assustadora, nada dele ir embora. Depois do banho ele me amarrou na cama,
desceu as escadas, escutei o barulho, abriu a torneira. Voltou com um copo de
água nas mãos, ele segurava com as duas mãos firmes. Molhou meu corpo e
delicadamente secou com sua boca, me fez sentir os prazeres requintados, ele
era um cavalheiro!
Deliciou-me de profundos
prazeres libidinosos, entre muitos beijos ardentes e orgasmos, nossos corpos se
encaixaram no pecado! Profanação!? Não sei? Me sentia completa, e ali, nosso
estranho amor foi consumado, selado. Ele partindo! Calou-me apenas com um
beijo...!
Entre mãe e filha
Margô mãe de três meninas, ela a caminho da meia idade, trabalhava muito
para dar sustento para as filhas ainda pequenas. A família há pouco tinha se
mudado do interior para a capital, Margô, mãe solteira, pretendia dar uma vida
melhor para as filhas.
As pequenas gêmeas Lara e Clara, de oito anos, eram alheias às muitas
dificuldades em que viviam, que as circundavam. Mas Luci, a filha mais velha de
doze anos de idade, era rebelde e não se conformava com aquela situação, com a
penúria da família. Entristecendo o coração ferido, da exausta Margô quando
chegava do trabalho tarde da noite. Luci perguntava com arrogância, o que a mãe
tinha trazido para o jantar. Tendo como resposta com poucas variações que
aquilo era que se tinha para comer graças a Deus! A mãe respondia para a Luci
com os olhos rasos de lágrimas. Logo depois, cansada, tomava um banho rápido e
preparava o jantar para as filhas.
Assim eram os dias de Margô se passavam, de muita tristeza pois, a sua
filha mais velha, não perdia as oportunidades de demonstrar que não suportava a
situação da família. Então um dia, a mãe de Luci, decidiu dar um basta na
situação! Estava mais do que na hora de mostrar para a filha tudo o que passa
nas ruas e no serviço. No outro dia chamou a filha mais velha, Luci.
— Sabe filha! Tenho um dinheiro guardado, quero te levar pra comprar roupas
novas.
— Lógico que quero mãe, vamos nos divertir muito.
— Claro que vamos! — Mal sabia a pobre garota o que a mãe estava preparando.
— Escuta filha, logo depois, vou lhe contar um segredo que é só meu. E você
verá com os teus próprios olhos.
— Então, vamos mamãe, estou louca para escolher roupas novas.
E assim pegaram o ônibus bem cedo, partiram rumo ao centro comercial da cidade
e foram a um shopping. Luci se espantou ao ver o ônibus enchendo de gente em
cada parada. A jovem também notou que alguns falavam rápido e outras línguas
estrangeiras e vestiam roupas estranhas. Algumas pessoas com cara de sono
bocejavam, outras dormiam e outras falavam sozinhos. Barulhos, sussurros, risos
e cheiros que se misturaram naquele microcosmo tão novo para a jovem.
O ônibus parou ao lado do shopping e pequena Luci mais se espantou com o número
de pessoas que desciam dos ônibus que não paravam de chegar e despejar pessoas
e mais pessoas. A jovem nem teve tempo de notar as estruturas em volta, o
enorme e moderno ponto de ônibus e nem a arquitetura envidraçada do shopping.
Duas ciganas, uma idosa e outra bem jovem, com suas roupas extravagantes que
liam a sorte, um senhor de idade avançada que vendia passes de ônibus e um
vendedor de doces e salgados em uma pequena barraca improvisada. O barulho do
trânsito também chamou a atenção da jovem mulher, subiram a rampa de acesso do
centro comercial, a mãe segurando a mão da filha, o que seria constrangedor
para Luci, mas não era.
— Mamãe olhe!? Quero entrar nessa loja...
— Fique à vontade minha filha!
A menina entrou na loja e logo foi barrada por dois seguranças, elas eram
monitoradas desde da entrada, no centro comercial, primeiro pelos atentos olhos
eletrônicos de câmeras ao alto e depois seguidas por seguranças.
Logo chegou o falante subgerente seguido pelo arrogante gerente da loja, ambos
bem vestidos.
— Aqui é uma boutique de roupas finas, não há nada que lhe
sirva aqui! — Bradou o gerente, da famosa loja, como se discursasse para
uma multidão. Depois olhou para a menina malvestida, com seu jeito superior,
como se estivesse com nojo da menina com leve tom escuro de pele e os cabelos
encaracolados.
— Mas senhor por que?
— Não trabalhamos com crediário, sai daqui por gentileza.
Margô com os olhos cheios de lágrimas viu o preconceito que sua filha passava
naquele momento. Mas, criou forças, sem nada dizer pegou a filha pelos braços e
a afastou da situação embaraçosa que estava passando. As duas mulheres
caminharam para longe da loja, foram parar em um local comum de descanso do
shopping.
Margô teve a ideia de levar Luci ao seu local de trabalho, lá onde sua
filha poderia ver o desprezo e preconceito, no qual passava para poder
sustentá-las. Luci já estava entristecida, pois sentiu na pele o descaso
naquela boutique.
— Mamãe é aqui que a senhora trabalha?
— Aqui está o segredo que eu queria te contar.
Então, chegou a chefe de Margô arregalou os olhos e toda sorridente
— Mas quem é a garota linda!?”
— É a minha filha mais velha. — Margô era todo orgulho.
— Vou pegar uma cadeira, mais confortável para a mocinha linda, não quero que
suje o banco do shopping. — brincou a senhora que gerenciava o restaurante onde
Margô trabalhava
Luci tomou a sério a brincadeira e ia sair correndo, mas, Margô a pegou firme
pelo braço.
— Lembra do segredo que ia te contar!?”
— Lembro sim, pode me contar.
— Tudo isto que você passou hoje, estou mais que acostumada a passar.
— Me perdoa mãe…!? — Luci abraçando sua mãe, chorou.
— Escuta filha! Para eles somos diferentes. Sofremos preconceitos.
— Venha filha, não se culpe, erga a tua cabeça, estude muito. Tenha um outro
rumo na vida.
A partir daquele dia Luci viu o mundo totalmente diferente, mais cruel,
infelizmente. Mas aprendeu a valorizar sua mãe! A população brasileira é
miscigenada em razão da mistura de diversos grupos humanos. Indígenas,
africanos, europeus e asiáticos… O preconceito está na pessoa que nunca estudou
a história do Brasil!
Fabiane Braga Lima é
poetisa e contista em Rio Claro, SP
Contato: bragalimafabiane@gmail.com
Samuel da Costa é
poeta contista em Itajaí, SC
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
Renan Fillipi da Costa:
revisão
Ficou ótimo
ResponderExcluirMuito obrigada, Fabiane Braga Lima
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