sábado, 1 de janeiro de 2022

FABIANE BRAGA LIMA E SAMUEL DA COSTA EM DUETOS EM PROSAS EM TRÊS ATOS

Mais uma vez Eliza (em recaída)

 

Verão a pino e o calor estava insuportável e eu decidi pegar a velha bicicleta e sair para tomar um pouco de ar, decidi tomar a tranquila alameda ao fim da alameda. Inconscientemente mudei de rumo e enfrentei a agitada avenida, a três quarteirões além, um pouco mais adiante, estava o prédio onde Bruno, um amor antigo, morava com a família. Parei, e da rua pude vê-lo bem, ainda estava jovem, estava feliz brincando com os filhos pequenos, no parquinho do condomínio fechado. Curiosa que estava eu queria saber mais, e sem que ele notasse, passava sempre ao final da tarde para espiá-lo, ele ainda chamava minha atenção.

Lembrei da época quando estudávamos juntos em um rígido colégio particular. Havia secção para meninos e a secção para meninas, a gente só se encontrava no recreio para brincar juntos, sobre olhares atentos de inspetores. Crescemos separados, mas um pouco mais crescidos em baile ou festa, sempre nos encontrávamos e trocamos olhares e breves palavras. Então na festa de formatura entre sorrisos e abraços, entre as comemorações da realização pessoal e familiar. Onde os olhares rigorosos, deram descansos para todas e todos, em um rompante amávamos noite a fora em um ato de rebeldia!

Mas, a vida dá voltas, nos separamos e cada um seguiu seu próprio caminho. Hoje, vendo-o novamente, meu coração disparou, voltei novamente ao passado remoto. Passado distante em tempo e espaço, no qual nunca foi bom para mim, cheio de mentiras, meias verdades, traições e de tudo que poderia ter sido e não foi, tudo mexeu com nosso lado psicológico.

— Elizabety, sou eu o Bruno, entre vamos beber algo. — De repente escuto a voz dele me chamando para o tempo presente, para a realidade dura e cruel! Ele notou a minha presença por fim.  

— Como estás Bruno?! — Eu estava constrangida, pois não sabia quando Bruno tinha sentido a minha presença. Ele se aproximou do portão do prédio, parecia que tinha esquecido por completo a prole atrás dele. E os filhos nem se deram conta que o pai deles estava conversando com uma completa estranha parada no meio da rua.

— Estou bem! Sinto muito a tua falta. — Como senti a tua falta!? Pensei calada, sempre viveu de mentiras, sua vida era uma farsa! — Não, não, e não preciso ir embora. — Corri, nunca mais voltei a passar no prédio de Bruno e nunca mais o encontrei.

Recomecei a minha vida, longe daquele homem fraco, que vivia me enganado com juras falsas de amor eviterno, foi apenas uma recaída e nada mais. Não voltei para olhar para trás!

Para recomeçar é necessário evoluir, é preciso ter amor próprio para dar a largada. Que haja em nossos corações vontade de recomeçar, não apenas vontade, mas também muita coragem! Quanta a Bruno!? Já não sentia mais nada por ele...! Apenas uma certa curiosidade.


 

Um estranho caso!

 

Ao anoitecer um silêncio pairava no ar no velho casarão, uma inquietação me fez despertar, era tarde da noite. Acordada sai da cama, então sonolenta desci as escadas, liguei o alerta total conforme ganhava o primeiro andar, fui beber um copo de água. Na cozinha, não abri a geladeira e decidi ir direto para pia, o barulho da torneira ainda enchia os meus ouvidos e a água quase transbordava no copo quando uma voz glacial inundou o ambiente. Olhei para trás era um homem mal vestido.

— Pode me arrumar um copo de água, por favor!

            — O que? — Em meio aos turbilhões de sentimentos e pensamentos confusos, só uma só pergunta ficou martelando na minha cabeça: ‘’— Como um completo estranho entrou na minha casa!’’ Como se asas brotassem nos meus pés voei pelas escadas e voltei para o meu quarto. No meu quarto repassei a cena, tinha um completo estranho na minha cozinha, tinha os fortes olores de jasmim misturados com o odor putrefato de alguém que vive nas ruas. Tinha os olhos azuis ejetados e um sorriso com dentes perfeitos. Tinha o som do copo cheio de água gelada que deixei cair no chão. Tinha a minha necessidade de deitar na minha cama e dormir e acordar em um mundo que fazia sentido.   

Ao acordar no meu quarto e na minha cama, me levantei e olhei no espelho, eu lentamente desci as escadas. Os fortes odores tinham desaparecido e na cozinha lá estava ele, o homem misterioso, sentado na mesa da cozinha. Olhei o relógio postado na parede era madrugada e nada dele querer partir. Naquela hora tive um pensamento esquecido que talvez ele estivesse morto. Mas, a respiração dele ficou cada vez mais ofegante, parecia irado, eu fingi não estar preocupada, mas o meu corpo estava gelado. Perguntei para o estranho quando iria embora, e ele em um rompante me pegou pelo braço, jogou-me na parede, me beijou. O forte odor me invadiu de novo, e como adivinhando o que eu sentia, o estranho me largou e me disse que precisava tomar um banho. Pegou na minha mão e me conduziu para fora da cozinha rumo ao desconhecido. 

O estranho agia como se fosse o dono da casa, como se conhecesse a casa pois subiu as escadas, invadiu o meu quarto, acendeu a luz, foi até o guarda-roupas, pegou uma toalha e partiu rumo ao meu banheiro. Mandou-me ficar bem quieta. Tirou as roupas encardidas, notei o carpo atlético do estranho, ele entrou no box de acrílico e fechou, abriu o chuveiro, 

Profanação! Estou desejando um estranho, uma pessoa que conheço. Não resisti, entrei no box e subitamente me entreguei aquele estranho! Sedento, parecia devorar cada parte do meu corpo, com força colocou a mão na minha boca e mandou eu ficar quieta! Mandou-me não gritar e somente sentir.

Lá fora a vida ocorria naturalmente e começou a chover forte, e na minha realidade a madrugada parecia assustadora, nada dele ir embora. Depois do banho ele me amarrou na cama, desceu as escadas, escutei o barulho, abriu a torneira. Voltou com um copo de água nas mãos, ele segurava com as duas mãos firmes.  Molhou meu corpo e delicadamente secou com sua boca, me fez sentir os prazeres requintados, ele era um cavalheiro!

Deliciou-me de profundos prazeres libidinosos, entre muitos beijos ardentes e orgasmos, nossos corpos se encaixaram no pecado! Profanação!? Não sei? Me sentia completa, e ali, nosso estranho amor foi consumado, selado. Ele partindo! Calou-me apenas com um beijo...!

 

 

Entre mãe e filha

 

           Margô mãe de três meninas, ela a caminho da meia idade, trabalhava muito para dar sustento para as filhas ainda pequenas. A família há pouco tinha se mudado do interior para a capital, Margô, mãe solteira, pretendia dar uma vida melhor para as filhas.

          As pequenas gêmeas Lara e Clara, de oito anos, eram alheias às muitas dificuldades em que viviam, que as circundavam. Mas Luci, a filha mais velha de doze anos de idade, era rebelde e não se conformava com aquela situação, com a penúria da família. Entristecendo o coração ferido, da exausta Margô quando chegava do trabalho tarde da noite. Luci perguntava com arrogância, o que a mãe tinha trazido para o jantar. Tendo como resposta com poucas variações que aquilo era que se tinha para comer graças a Deus! A mãe respondia para a Luci com os olhos rasos de lágrimas. Logo depois, cansada, tomava um banho rápido e preparava o jantar para as filhas.

          Assim eram os dias de Margô se passavam, de muita tristeza pois, a sua filha mais velha, não perdia as oportunidades de demonstrar que não suportava a situação da família. Então um dia, a mãe de Luci, decidiu dar um basta na situação! Estava mais do que na hora de mostrar para a filha tudo o que passa nas ruas e no serviço. No outro dia chamou a filha mais velha, Luci.

          — Sabe filha! Tenho um dinheiro guardado, quero te levar pra comprar roupas novas.

           — Lógico que quero mãe, vamos nos divertir muito.

           — Claro que vamos! — Mal sabia a pobre garota o que a mãe estava preparando.

            — Escuta filha, logo depois, vou lhe contar um segredo que é só meu. E você verá com os teus próprios olhos.

            — Então, vamos mamãe, estou louca para escolher roupas novas.

            E assim pegaram o ônibus bem cedo, partiram rumo ao centro comercial da cidade e foram a um shopping. Luci se espantou ao ver o ônibus enchendo de gente em cada parada. A jovem também notou que alguns falavam rápido e outras línguas estrangeiras e vestiam roupas estranhas. Algumas pessoas com cara de sono bocejavam, outras dormiam e outras falavam sozinhos. Barulhos, sussurros, risos e cheiros que se misturaram naquele microcosmo tão novo para a jovem.  

               O ônibus parou ao lado do shopping e pequena Luci mais se espantou com o número de pessoas que desciam dos ônibus que não paravam de chegar e despejar pessoas e mais pessoas. A jovem nem teve tempo de notar as estruturas em volta, o enorme e moderno ponto de ônibus e nem a arquitetura envidraçada do shopping. Duas ciganas, uma idosa e outra bem jovem, com suas roupas extravagantes que liam a sorte, um senhor de idade avançada que vendia passes de ônibus e um vendedor de doces e salgados em uma pequena barraca improvisada. O barulho do trânsito também chamou a atenção da jovem mulher, subiram a rampa de acesso do centro comercial, a mãe segurando a mão da filha, o que seria constrangedor para Luci, mas não era.          

          — Mamãe olhe!? Quero entrar nessa loja...

          — Fique à vontade minha filha!

           A menina entrou na loja e logo foi barrada por dois seguranças, elas eram monitoradas desde da entrada, no centro comercial, primeiro pelos atentos olhos eletrônicos de câmeras ao alto e depois seguidas por seguranças.              

          Logo chegou o falante subgerente seguido pelo arrogante gerente da loja, ambos bem vestidos.

          — Aqui é uma boutique de roupas finas, não há nada que lhe sirva aqui! —  Bradou o gerente, da famosa loja, como se discursasse para uma multidão. Depois olhou para a menina malvestida, com seu jeito superior, como se estivesse com nojo da menina com leve tom escuro de pele e os cabelos encaracolados.  

         — Mas senhor por que?

         — Não trabalhamos com crediário, sai daqui por gentileza.

         Margô com os olhos cheios de lágrimas viu o preconceito que sua filha passava naquele momento. Mas, criou forças, sem nada dizer pegou a filha pelos braços e a afastou da situação embaraçosa que estava passando. As duas mulheres caminharam para longe da loja, foram parar em um local comum de descanso do shopping.

             Margô teve a ideia de levar Luci ao seu local de trabalho, lá onde sua filha poderia ver o desprezo e preconceito, no qual passava para poder sustentá-las. Luci já estava entristecida, pois sentiu na pele o descaso naquela boutique.

             — Mamãe é aqui que a senhora trabalha?

             — Aqui está o segredo que eu queria te contar.

             Então, chegou a chefe de Margô arregalou os olhos e toda sorridente

             —  Mas quem é a garota linda!?”

             — É a minha filha mais velha. — Margô era todo orgulho.

              — Vou pegar uma cadeira, mais confortável para a mocinha linda, não quero que suje o banco do shopping. — brincou a senhora que gerenciava o restaurante onde Margô trabalhava  

                Luci tomou a sério a brincadeira e ia sair correndo, mas, Margô a pegou firme pelo braço.

                — Lembra do segredo que ia te contar!?”

                — Lembro sim, pode me contar.

               — Tudo isto que você passou hoje, estou mais que acostumada a passar.

               —  Me perdoa mãe…!? — Luci abraçando sua mãe, chorou.  

               — Escuta filha! Para eles somos diferentes. Sofremos preconceitos.

               — Venha filha, não se culpe, erga a tua cabeça, estude muito. Tenha um outro rumo na vida.

               A partir daquele dia Luci viu o mundo totalmente diferente, mais cruel, infelizmente. Mas aprendeu a valorizar sua mãe! A população brasileira é miscigenada em razão da mistura de diversos grupos humanos. Indígenas, africanos, europeus e asiáticos… O preconceito está na pessoa que nunca estudou a história do Brasil!


Fabiane Braga Lima é poetisa e contista em Rio Claro, SP

Contato: bragalimafabiane@gmail.com

Samuel da Costa é poeta contista em Itajaí, SC

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

Renan Fillipi da Costa: revisão

 

 

 

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