Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
O meu elemento remissivo, a minha imersão abissal, o meu voltar para minha
infância, o eu ser menina travessa caminhando nas calçadas estreitas e ruas
esburacadas. Passava sim, sem o meus progenitores, assim o saber é claro, era
um atalho divertido e perigoso a bem da verdade. Entre uma ligeira fuga, quando
a despeito de passar mais tempo, com os meus amigos e amigas da escola.
Escapava da van escolar para acompanhar amiguinhos da escola até as
suas casas, saímos em um pequeno bando, escapava dos olhos atentos do
monitor. Desembarcava a poucos metros da minha casa, só para passar pelo beco
da perdição. Ali poderia ver as criaturas nefastas, embriagadas, drogas,
pervertidas e decadentes em plena luz do dia.
Sim, era bem pequena e usava o atalho pelo temido beco, confesso que era
apavorante ver aquelas pessoas falando sozinhas, com seus cachimbos e bebidas
baratas em garrafas e plásticos. Claro que quando os meus pais sabiam da minha imprudência
infantil explodiam, aí sobravam sermões nos meus pequenos ouvidos de criança
travessa e telefonemas nervosos para a empresa que me pegava na escola
particular muito cara.
Depois da mudança de endereço acabou com a minha festa e hoje jovem mulher
adulta penso onde anda o Gabriel meu amigo, o flanelinha que cuidava dos carros
dos frequentadores dos prédios de atividades suspeitas do entorno do malfadado
beco. Por onde anda a Judite, que fazia ponto ali bem perto e arrastava seus
clientes para aventuras rápidas, nos prédios adjacentes ao beco. Por onde anda
o Dagoberto o barbudo bêbedo local, que sempre me dava bom dia e perguntava o
que eu fazia por ali, e claro me pedia uns trocados para um goles. Criatura
efêmeras e marcantes da minha tenra meninice travessa.
Confesso que não resisti, o eu desligada das minudências do mundo real e
material, o eu cidadão das nuvens passei pelo meu recanto proíbo da minha
infância e reencontrei o local modificado e sem graça. Revitalizado, com
calçadas largas, capeamento nas ruas e modernos postes de iluminação. Os
guardadores de carros deram lugar para estacionamentos pagos, com seus
funcionários uniformizados. Os muros e fachadas dos prédios cheio de artes
murais coloridas. A travessa com direito a uma cancela ao fim da fronteira,
onde o submundo termina e o oceano Atlântico dá o ar da sua graça. Em suma, uma
perfeita armadilha de turista à beira mar.
Clarisse
Cristal é poetisa e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário