Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
''Dê-me tua mão, diz
que tem saudade…
Esqueça nosso árduo
passado, vaidade
Meu corpo febril,
aqueça, junto ao teu
Sem receio, diz que me
deseja, sempre.''
Fabiane Braga
Lima
Lenny passa em revista seus equipamentos de trabalho disposto na pequena
bancada de trabalho! Dispostas, de forma aleatória, as sofisticadas e
importadas máquinas fotográficas, os últimos modelos lançados no mercado
mundial, passando por ultrapassadas máquinas analógicas, indo parar em caros
celulares e tablets. Mas tem a voz, a orientação do pai: — Filmes, tudo
analógicos, nada destas bobagens eletrônicas atuais!
— Madalena! Traga o seu kit! E a tua mochila! — A dona da casa ainda estava
olhando profundamente para o que me melhor tem a disposição. Evitou olhar para
a assistente de produção como quem admite uma derrota.
— Madame? — Atônita a assistente olha para o chão sem saber o que fazer ou
dizer.
— A tua câmera bag infeliz, aquela que te dei de presente não sei quando! —
Lenny se vira e joga a chave do carro para a assistente. — Deixa a tua motoneta
aqui e vá pegar tudo o que tens em casa, os tripes não precisa vou usar os
meus. Vai mulher!
O grito bem alto, da dona da casa fez estremecer a pequena assistente de
produção, que girou nos calcanhares e se dirigiu até a garagem.
Lenny sabia que a assiste tem o que ela precisa naquela hora, a velha
tecnologia mecânica, as velhas polaroides, Rolleiflex de uma série de câmeras
analógicas difíceis de encontrar no mercado. Colecionadora da velha tecnologia,
Madalena é a cara da corrente foto-arte, ela é ligada umbilicalmente de corpo e
alma ao movimento do romantismo.
A jovem sonhadora Madalena, não se encaixa mesmo na atual avalanche tecnológica
digital. Lenny sabe do amor platônico da assistente por ela, muitas das vezes
Lenny pensou em levar a assistente para a cama de fato. Mas Lenny não mistura
trabalho com vida pessoal, em definitivos as aventuras de Lenny eram fora de
casa e fora da vida profissional.
Lenny olha para o relógio na parede, não demoraria muito para as duas modelos
chegarem e fotógrafa vai vestíbulo, vai até as araras separar os figurinos que
pretendia usar. A fotógrafa pensa na mãe se um dia visse a filha adorada
trabalhando de camareira, a requintada senhora desmaiaria, Lenny sorri para si
mesmo, pois nunca esteve tão feliz e realizada. Ela não se sentiu assim nem
mesmo quando chutou o ex-namorado, um jornalista bonachão, alto e gordo, um
verdadeiro imbecil, um típico membro da classe média interiorano praiana.
A fotógrafa pensa em ligar para a assistente, para apressá-la, mas prefere ir
até a varanda e acender um cigarro, os cigarros mentolados de Madalena que a
cedo ela pegou da balsa da assistente. Lenny não se reconhecia, sempre fora
livre é verdade, mas um alguém que sussurra ditames ao seu ouvido, um som quase
inaudível. Ela sabia que não é um sentimento de não pertencimento é outra
coisa, algo bem mais profundo. E de repente vem uma lembrança da infância, não
muito distante, uma lembrança adormecida que ressuscitou com a visita
inesperada que o senhor Otto Blumenthau. Estavam de férias no litoral, a
família toda, estavam na orla da praia, que tinha sofrido um engordamento
recentemente, no rádio local tinha um locutor histérico que discursava com o
engordamento das areias da praia.
O pai de Lenny estava sentado em uma cadeira alugada para turistas, ele estava
com o rádio no colo. O velho Otto Blumenthau estava lendo um jornal de
circulação nacional e o político tinha um charuto caribenho apagado na boca. No
céu azul, as aves marinhas grasnavam no alto, a mãe de Lenny ao lado do pai,
ambos bem-vestidos com suas roupas de veraneio, o casal abrigado por um
guarda-sol. E os irmãos de Lenny? A fotógrafa não sabia onde estavam, só ouvia
eles que gritavam um para o outro: — A bola! A bola chuta a bola! — Os dois
riram alto. Também tinha o vento ameno, o barulho do vento e as ondas que
quebravam na orla da praia.
E tinha o abismo gelado, ela caminhou até a beira do abismo álgido, Lenny saiu
de perto dos pais e caminhou e caminhou, e veio os gritos da mãe e Lenny voltou
os olhos para trás. O pai baixou o jornal, ele estava com o charuto aceso na
boca naquela hora e olhou e ergueu o jornal de volta na altura dos olhos. E mãe
de Lenny correu até ela e abraçou, a ergueu do chão e voltaram para o estavam
instalados. A mãe de Lenny estava chorando, parou para gritar com a babá e para
os seguranças. Depois se voltou para o marido
— Vamos embora Otto, chega Otto, vamos voltar pra casa!!! — Os gritos
histéricos da esposa do político chamaram a atenção de todos e todas.
—
Cala boca mulher é só um Sphyrna, e ainda é só um filhote!
—
Um o que?
— Um pequeno tubarão-martelo, um filhote ainda! Eu já vi maiores e mais vorazes
lá no congresso! — O pai falou com o charuto na boca enquanto a mulher chorava
com a pequena Lenny nos braços. A babá sorria, os seguranças sorriam e o chefe
de gabinete de Otto sorriu seco!
De volta ao tempo presente a fotógrafa, tem a fotografia do tal tubarão-martelo
em toda a parte. A lembrança do pai dando a máquina fotográfica descartável que
o pai de Lenny tinha comprado de um ambulante na calçada da praia. O pai
somente deu a máquina fotográfica como quem dá brinquedo para uma criança. Otto
simplesmente deu para a pequena Lenny, sem dizer nada, e lá foi a pequena Lenny
tirar uma fotografia do sphyrna na beira mar. E foi assim que Lenny produziu a
primeira fotografia, e foi assim que o pai de Lenny, mandou revelar a
fotografia e orgulhoso mandou ampliar e emoldurar a fotografia da filha.
O barulho da porta da garagem se abrindo trouxe Lenny para a realidade em que
vivi. E a fotógrafa tragou a fumaça do cigarro e foi ver se Madalena cumpriu a
tarefa que ela tinha dado ou escutaria uma avalanche de desculpas vagas e
tolas.
Samuel
da Costa é contador e funcionário público em Itajaí, Santa Catarina.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
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