Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Cultivar palavras raras!
Semear os vossos versos vaporosos
No desértico solo pós-moderno!
Ver crescer o platônico amor
Pela poetisa alvaresiana...
Pela sacrossanta virgem vaporosa!
Dormir... Simplesmente adormecer!
Perder a consciência,
Da realidade contemporânea abstrata.
No mundo liquefeito!
Onde nada é real.
Lesoto caminhou pelos corredores estreitos, até a sua estação de trabalho, ele
usava roupas casuais e leves, muito diferente do seu primeiro dia de trabalho,
quando usava um impecável feito sob medida. Expatriado que era, logo pensou no
primeiro dia de trabalho, o cidadão do velho mundo, se chocou com a
informalidade do ambiente do novo trabalho. Os olhares tortos, risos leves das
caras ebúrneas e pardas, diante de um sujeito de pele escura como a noite. Ele
vestido, impecavelmente como se fosse um diplomata do velho mundo, de fato foi
desconfortável para Lesoto. Então o outrora Ernesto Cacinda, jornalista e
revisor de profissão, se transmutou em Lesoto Maombe, foi o curador da Revista
astro domo, quem o renomeou, uma tradição naquele lugar. A Revista astro domo,
uma revista de arte popular, cultura pop e alternativa, moda e comportamento.
Era um obscuro veículo de vanguarda, pelo menos a versão imprensa, pois a
revista estava em várias redes sociais digitais e a página da revista na rede
internacional de computadores. O veículo, era referenciado tanto pelos
cultuadores e pelas cultuadoras das artes populares e também pelos ditos
acadêmicos e eruditos, da alta cultura e do pensamento elevado.
O
então Ernesto Cacinda e agora Lesoto Maombe, segurando uma sofisticada maleta
executiva preta, caminhou em meio as funcionais mesas de escritório e fechados
nichos. Barulhos de dedos ágeis e ávidos, batendo em frenesi em teclas de
máquinas de escrever e modernos microcomputadores, inundavam o ambiente. Em
contrastes dos marasmos e as quietudes de homens e mulheres, que fechado si,
leiam, escreviam e revisam textos. E nas periferias da redação, havia as
pequenas células, em reuniões informais de trabalho, onde se falava alto e se
debatia métodos, dados e estáticas. Desde o primeiro dia de trabalho, Lesoto
Maombe, notou que naquela confusão organizada, havia dois tipos distintos de
profissionais trabalhando ali. Homens e mulheres jovens e de meia idade, ou
eram da área de comunicação, arte e cultura ou áreas correlatas, haviam os
tecnocratas e os alternativos. Com o convívio diário Lesoto Maombe, tomou
conhecimento de dois termos caricatos, que qualificava os elementos ali
dispostos. Eram os serifas e os sem serifas, os conservadores tecnocratas, eram
os serifados e os alternativos, eram os sem serifas. Lesoto Maombe, se divertiu
com os resultados das cizânias, tudo era resolvido sem sérios atropelos e
atritos ferozes.
Lesoto Maombe, que depois de vários desterros involuntários no velho mundo, as
circunstâncias levaram-no a cruzar o oceano, rumo ao desconhecido novo mundo,
mundo desconhecido para Lesoto. O polido, filho de um militar de patente
intermediária e uma rebelde intelectual militante, ao chegar na terra nova, os
choques culturais foram muitos. O rebatizado Lesoto Maombe, tal como uma célula
dormente, ele quase sem reservas, estava inerte à espera de uma indicação que
não chegava. Até que a indicação para ele trabalhar na Revista astro-domo
chegou. A priori, seria um cargo de revisor, para a versão digital da revista e
caso se adaptasse ao ambiente de trabalho, para Lesoto Maombe seria oferecido
outras oportunidades.
Lesoto Maombe, se adaptou rápido ao caótico ambiente de trabalho, sem
maiores problemas, e superou os percalços que naturalmente apareciam. E
surgiram os termos técnicos brainstorm, briefing, clipping, teaser, deadline e job, eram alguns dos termos usados de forma
corriqueiras naquele ambiente de trabalho. E diariamante Lesoto Maombe tinha
diante dele, como ferramentas de trabalho, uma sorte variada de dispositivos
digitais, papel, caneta e dicionários de uma pequena e funcional biblioteca tem
sortida. O revisor, poderia escolher a vontade as ferramentas, dispostas diante
dele, bem como definir os horários de trabalho. O único impeditivo era levar o
trabalho para casa, as coisas ali ocorriam e ali as coisas permaneciam.
Municiado de papel, caneta e um tablet, os jobs caiam na mesa de Lesoto Maombe,
era uma gama variada de artigos técnicos, artigos de opinião, poesias,
crônicos, críticas de cinema, de teatro, análises de livros, contos e
fragmentos de romances. Textos de vários escritores diferentes, que iam de
desconhecidos e renomados, eram textos para a versão online da Revista
astro-domo, bem como para as redes sociais digitais, que a revista mantinha na
internet. Lesoto Maombe recebia os textos impressos e os corrigia, vez ou outra
recebia textos no seu tablet, imprimia e revisava. Uma vez corrigidos os
textos, o revisor batia uma fotografia do texto com o tablet e enviava para o
redator curador e Lesoto repassava o texto ao arquivista.
E foi
assim por semanas e meses e um relacionamento com os colegas de trabalho, em
uma distância segura, com conversas amenas e técnicas. Até o Simas, o redator
chefe da revista, o tecnocrata, o serifado, veio ter uma conversa com Lesoto
Maomba. O homem acima do peso, calvo, de meia idade, vestindo uma camisa
incrivelmente branca e seus suspensórios, sempre com um cigarro na boca ou copo
de café na mão. Simas encarnava a personificação da rotina e continuidade, um
profissional metódico, sem meias palavras e responsável pela versão física da
Revista Astro-domo. Uma versão, que Lesoto Maombe nunca tinha visto, nem mesmo
uma clipagem, um prospecto, uma propaganda ou o que fosse da versão física da
revista, que ele trabalhava.
—
Querido Lesoto, estás aqui, vivendo no nosso pequeno caos! — Disse Simas, de
forma amável, ele de pé na frente da mesa de trabalho de Lesoto e continuou —
Tenho uma tarefa para o senhor!
Simas
depositou lentamente, uma fotografia na mesa de Lesoto, depois levou um cigarro
a boca e acendeu. Tragou, sorriu e olhou de forma desafiadora para Lesoto e o
revisor pegou a fotografia e viu a fotografia de um girassol no quintal de uma
casa simples.
Fragmento
do livro: Sono paradoxal, de Samuel da Costa, poeta, novelista e contista
em Itajaí, Santa Catarina.