Por Dias Campos (São Paulo, SP)
Às vezes me pergunto por que tantas pessoas se
entregam ao tédio?... Como se o dia não lhes oferecesse diversas oportunidades
para reconhecerem o quanto a vida é pulsante.
Pois demonstrarei que em um simples
passeio, mesmo que curto, muitos eventos, bons e ruins, estão aí, pululando, ávidos
por serem percebidos. Para isto, contudo, será preciso que mudemos o nosso
hábito, de ver para enxergar.
Neste sentido, por levar uma vida
sedentária, o meu médico determinou que caminhasse pelo menos uma vez por dia.
Posteriormente, quando já tivesse adquirido certa resistência, deveria escolher
algum esporte; e que, por óbvio, não poderia ser o levantamento de garfo.
Como não quero pegar o carro para ir ao parque,
o que implicaria perda de tempo e gasto de combustível, escolhi o percurso de
um quarteirão ao redor do meu prédio – O quanto deveria andar não foi
especificado pelo referido profissional.
Quando comecei este novo ritual,
tomando, como sempre, os cuidados que a metrópole impõe – olhar para frente, prevenindo-me
da ação de punguistas, e, para baixo, a fim de não pisar em “caco de vidro” de
cachorro –, notei um ipê rosa que estava recamado de pompons.
Esse fato, a floração, sempre aconteceu. No
entanto, foram os meus olhos que, mais atentos que os de costume, passaram a enxergá-la,
e a apreciá-la como bem merecia.
Senti, então, que começava bem o meu dia. E
prossegui redobrando a atenção.
Nem andara dez metros e a pontaria de uma pomba
zombeteira revelou-se muito bem alinhada. Daí que a aba do boné da jovem que
caminhava à minha frente mudou de cor, o que a obrigou a aposentá-lo na lixeira
mais próxima. – Nem se precisaria dizer que ela, além de praguejar em alto e
bom som, fez questão de desejar vida longa àquela ave agourenta.
Ao alcançar a esquina, topei com uma
ambulante que parecia vender quitutes deliciosos.
Muito embora já tivesse tomado o café da
manhã, não resisti à atração que um bolo de cenoura com cobertura de chocolate exercia
sobre o meu pobre espírito. E me deleitei com aquela iguaria.
Depois de virar na segunda esquina, os meus
olhos confirmaram o que os meus ouvidos já deduziam – Uma equipe da prefeitura podava
uma seringueira centenária.
Sei que essa providência é corriqueira e muitas
vezes necessária. Afinal, muitas de nossas árvores não passam de gigantescos cortiços
para insaciáveis cupins.
Só que não tenho como disfarçar a dor que
sinto quando vejo esses primores da natureza sendo mutilados sem dó nem
piedade.
O jeito foi seguir adiante, resignado.
Na metade do trajeto, não pude deixar de
rir ao ver um Poodle Toy latindo enfurecido para um corpulento Golden Retriever,
que permanecia impassível diante de tanta ameaça.
É espantoso como esses pequeninos viram feras
bestiais quando se creem acobertados pelos donos!
Ao dobrar a última esquina, avistei, do
outro lado da rua, uma daquelas barraquinhas de lona que muitos mendigos utilizam
como moradia.
A entrada estava fechada, o que não
permitia concluir se o ocupante ainda dormia ou se já tinha saído em busca de
alimento.
Fosse como fosse, bendisse a alma que,
incógnita, teve a providencial ideia de comprar esses abrigos e de distribuí-los
para tantos desafortunados.
Já me aproximava do lar quando me deparei
com uma cena relativamente comum nas ruas de grande circulação. Era uma estátua
viva, um rapaz fantasiado de anjo, todo alvo, em cima de um pedestal
improvisado, e que entregava um bilhetinho para quem contribuísse com alguns
trocados.
Ora, como a curiosidade aumentasse, e como
nunca saio desprevenido, resolvi ofertar cinco Reais e ver o que a sorte me
reservava.
Ao abrir o papelucho, não pude esconder o
espanto. É que não me lembro de ter lido nos biscoitos da sorte, nem de ter recebido
de algum realejo, uma mensagem afirmando que em vinte quatro horas muitos
lances aconteceriam, mas que estes só seriam captados se os olhos estivessem
bem abertos.
Pois apertei o passo, entrei eufórico no
apartamento, sentei-me defronte ao computador, e deixei fluir esta crônica, na
certeza de que os entediados, mirando-se nos exemplos que testemunhei, concordarão
que é preferível enxergar a ver, e buscarão modificar-se a cada novo amanhecer.
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