sábado, 1 de março de 2025

CRÔNICA DO DIA: AS SOMBRAS DO TEMPO, CRIATURAS DA NOITE

Por Clarisse da Costa (Balneário Camboriú, SC) e Fabiana Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

‘’Quero ficar nos silêncios absolutos!

Abrigar-me no deserto do real

Nos martírios dos derrotados...

Dos infames in-submissos e vencidos!

Quero vagar pelos continentes perdidos

E descobrir que estou vivo

Quero viver e morrer’’

Samuel da Costa

           

            Eu não sei bem o que eu queria encontrar, ao percorrer as areias mornas, da praia Brava naquele final de tarde de outono. As ondas quebravam na orla da praia, aves marinhas grasnavam no alto e o longe navios cargueiros esperavam para atracar no porto. Sofisticadas varas de pesca, estavam cravadas na areia, as linhas lançadas no mar, enquanto homens e mulheres abastados, estavam embaixo de barracas alugadas. Ali, conversavam, se divertiam e tomavam as suas cervejas importadas. Era a baixa temporada e somente surfistas tomavam conta das águas salgadas e foi um bálsamo para a minha pessoa, eu detesto multidões, eu detesto as massas de turistas, que pululam as orlas das praias.

            No meio da praia Brava, próximo ao Canto do morcego, eu nunca tinha ido tão longe e confesso que gostei de ver a lagoa do Cassino. A famosa lagoa do Cassino, a pequena ponte de madeira dava ares de um lugarejo bucólico perdido no tempo e no espaço, principalmente na baixa temporada. Naquele dia o mar não se ligava à lagoa do Cassino e o cheiro da verdejante restinga se misturava com o cheiro da água salgada. O meu estômago se embrulha.  

            — Pensei que este dia jamais iria chegar! — Falou Toninho Patuá, disse olhando para mim, sem abrir a boca.

            Ele estava sentado em uma cadeira, debaixo de uma árvore, em meio a uma pequena floresta, me olhava com os olhos claros bem vivos e um sorriso sarcástico. E eu fui ao encontro do andarilho noturno.

            — Então a mocinha cresceu e se tornou uma bela dama da noite! — Disse Toninho ao ver mais de perto, eu com as minhas vestes negras, o meu coturno lustrado, o meu batom de ébano, os meus longos cabelos negros e uma pesada maquiagem soturna. Eu era uma típica criatura da noite que invadia o dia.

            — Verdade! Não se levante! — Disse eu, ao vê-lo fazer menção de se levantar e eu fui ocupar a outra cadeira de vime ao lado dele.

            E ficamos ali, sem nada dizer olhando o oceano e vendo as ondas furiosas quebrando na orla!  E de repente, uma imagem brotou na minha mente, era um homem jovem, sentado na areia da Praia da Solidão, no Canto do morcego, o homem jovem, alto e loiro estava com uma garrafa de vodka na mão. Desolado e ladeado pelos paredões de uma morraria íngreme. Esperei os agourentos e tétricos granares das aves Mores, que não vieram.

            — Não vai demorar muito, minha querida! — Falou Toninho pegando na minha mão e senti uma tontura e uma angústia ao ver o jovem, de ares delicado, que se levantou da areia, os pés estavam descalços, a bermuda colorida e o dorso nu me chamaram a atenção. E o homem, passou por um pequeno grupo de homens e mulheres, de aparência andrógina. O desconhecido, passou ao lado do agrupamento, como ele não existisse, pelos olhares percebi que aquelas pessoas, eram amigas do desconhecido.  

            Trôpego, balbuciando palavras inteligíveis para a minha pessoa, o homem desconhecido, caminhava rumo ao oceano. Vi a posição do sol e constatei que era o início da tarde, era cinco horas passadas calculei. 

            — Por que estou vendo isso? — Perguntei angustiada.

            — Somente assista e sinta, o que vejo e o que sinto! — Disse Toninho Patuá, com uma voz gutural.

            O jovem homem desconhecido, adentrou no oceano, ele embriagado, sendo arrastado pelas correntes oceânicas, passou a gritar por socorro enquanto era tragado pelo oceano. 

            — Que horrível! — Disse eu olhando para a frente, para o mar.

            — Desde quando tu soubeste? — Perguntou Toninho com uma voz grave

            — Que eu era diferente? Eu não sei dizer! — Respondi eu, não querendo responder.

            Toninho abaixou e pegou em um cooler, duas latas de cerveja, era uma marca australiana que eu não conhecia. Eu não tinha percebido a existência do cooler, olhei melhor e notei que era novo e de alta qualidade. Dessas que não encontra no mercado. E estava abarrotado de cervejas e licores que eu não conhecia. Toninho de passou uma lata e ergueu a lata e brindamos, do oceano ouvi um zunido. Toninho tomou um longo gole e eu segui o ritmo dele.  

            — Faz tempo que eu não sentia um gosto tão bom! — Me confidenciou, aquele ser estanho.

            — Como assim? — Fiz a pergunta fatídica.

            Toninho Patuá me olhou perdidamente, parecia não os olhos de um derrotado, me pareciam olhos de condenado.  

             

Fragmento do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, cronista, contista, novelista e bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.

Argumento de Fabiane Braga Lima, é poetisa, contista, cronista e novelista em Rio Claro, São Paulo.

 

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