Por Clarisse da Costa (Balneário Camboriú, SC) e Fabiana Braga Lima (Rio Claro, SP)
‘’Quero ficar nos silêncios absolutos!
Abrigar-me no deserto do real
Nos martírios dos derrotados...
Dos infames in-submissos e vencidos!
Quero vagar pelos continentes perdidos
E descobrir que estou vivo
Quero viver e morrer’’
Samuel da Costa
Eu não sei bem o que eu queria encontrar, ao percorrer as areias mornas, da
praia Brava naquele final de tarde de outono. As ondas quebravam na orla da
praia, aves marinhas grasnavam no alto e o longe navios cargueiros esperavam
para atracar no porto. Sofisticadas varas de pesca, estavam cravadas na areia,
as linhas lançadas no mar, enquanto homens e mulheres abastados, estavam
embaixo de barracas alugadas. Ali, conversavam, se divertiam e tomavam as suas
cervejas importadas. Era a baixa temporada e somente surfistas tomavam conta
das águas salgadas e foi um bálsamo para a minha pessoa, eu detesto multidões,
eu detesto as massas de turistas, que pululam as orlas das praias.
No meio da praia Brava, próximo ao Canto do morcego, eu nunca tinha ido tão
longe e confesso que gostei de ver a lagoa do Cassino. A famosa lagoa do
Cassino, a pequena ponte de madeira dava ares de um lugarejo bucólico perdido
no tempo e no espaço, principalmente na baixa temporada. Naquele dia o mar não
se ligava à lagoa do Cassino e o cheiro da verdejante restinga se misturava com
o cheiro da água salgada. O meu estômago se embrulha.
— Pensei que este dia jamais iria chegar! — Falou Toninho Patuá, disse olhando
para mim, sem abrir a boca.
Ele estava sentado em uma cadeira, debaixo de uma árvore, em meio a uma pequena
floresta, me olhava com os olhos claros bem vivos e um sorriso sarcástico. E eu
fui ao encontro do andarilho noturno.
— Então a mocinha cresceu e se tornou uma bela dama da noite! — Disse Toninho
ao ver mais de perto, eu com as minhas vestes negras, o meu coturno lustrado, o
meu batom de ébano, os meus longos cabelos negros e uma pesada maquiagem
soturna. Eu era uma típica criatura da noite que invadia o dia.
— Verdade! Não se levante! — Disse eu, ao vê-lo fazer menção de se levantar e
eu fui ocupar a outra cadeira de vime ao lado dele.
E ficamos ali, sem nada dizer olhando o oceano e vendo as ondas furiosas
quebrando na orla! E de repente, uma imagem brotou na minha mente, era um
homem jovem, sentado na areia da Praia da Solidão, no Canto do morcego, o homem
jovem, alto e loiro estava com uma garrafa de vodka na mão. Desolado e ladeado
pelos paredões de uma morraria íngreme. Esperei os agourentos e tétricos
granares das aves Mores, que não vieram.
— Não vai demorar muito, minha querida! — Falou Toninho pegando na minha mão e
senti uma tontura e uma angústia ao ver o jovem, de ares delicado, que se
levantou da areia, os pés estavam descalços, a bermuda colorida e o dorso nu me
chamaram a atenção. E o homem, passou por um pequeno grupo de homens e
mulheres, de aparência andrógina. O desconhecido, passou ao lado do
agrupamento, como ele não existisse, pelos olhares percebi que aquelas pessoas,
eram amigas do desconhecido.
Trôpego, balbuciando palavras inteligíveis para a minha pessoa, o homem
desconhecido, caminhava rumo ao oceano. Vi a posição do sol e constatei que era
o início da tarde, era cinco horas passadas calculei.
— Por que estou vendo isso? — Perguntei angustiada.
— Somente assista e sinta, o que vejo e o que sinto! — Disse Toninho Patuá, com
uma voz gutural.
O jovem homem desconhecido, adentrou no oceano, ele embriagado, sendo arrastado
pelas correntes oceânicas, passou a gritar por socorro enquanto era tragado
pelo oceano.
— Que horrível! — Disse eu olhando para a frente, para o mar.
— Desde quando tu soubeste? — Perguntou Toninho com uma voz grave
— Que eu era diferente? Eu não sei dizer! — Respondi eu, não querendo
responder.
Toninho abaixou e pegou em um cooler, duas latas de cerveja, era uma marca
australiana que eu não conhecia. Eu não tinha percebido a existência do cooler,
olhei melhor e notei que era novo e de alta qualidade. Dessas que não encontra
no mercado. E estava abarrotado de cervejas e licores que eu não conhecia.
Toninho de passou uma lata e ergueu a lata e brindamos, do oceano ouvi um
zunido. Toninho tomou um longo gole e eu segui o ritmo dele.
— Faz tempo que eu não sentia um gosto tão bom! — Me confidenciou, aquele ser
estanho.
— Como assim? — Fiz a pergunta fatídica.
Toninho Patuá me olhou perdidamente, parecia não os olhos de um derrotado, me
pareciam olhos de condenado.
Fragmento
do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, cronista,
contista, novelista e bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.
Argumento
de Fabiane Braga Lima, é poetisa, contista, cronista e novelista em Rio Claro,
São Paulo.
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