Por Dias Campos (São Paulo, SP)
Como é maravilhoso quando conseguimos
aquilo que almejávamos.
O fato de satisfazermos os nossos desejos,
porém, não significa, necessariamente, que venhamos a desfrutar das alegrias
que imaginávamos. Neste sentido, não são poucas as vezes que essas conquistas acabam
produzindo verdadeiros suplícios!
Assim aconteceria com Camila, aluna do
ensino médio, apaixonada pela vida marinha, e que, depois de muito insistir aos
pais, ganhou de presente o cobiçado aquário de aniversário.
Por recomendação da loja
especializada, o mimo, de 200 litros, seria inaugurado com quatro peixes apenas,
pois isso ajudaria a manter baixo os níveis de contaminantes. E com o passar do
tempo, ganhando-se experiência, o número de exemplares poderia ser aumentado.
A escolha dos primeiros inquilinos, um
de cada espécie e coloridíssimos, foi feita a dedo pela adolescente, que não
dispensou um peixe-palhaço – o carismático Nemo, imortalizado pela Disney – e uma
grande anêmona que lhe serviria de abrigo.
Camila passava horas deleitando-se
com seus pets. E tantas, que seus pais por vezes tinham que lembrá-la de
almoçar, de estudar, e de passear com as amigas.
Certo sábado, à tarde, quando a garota
dividia-se entre o aquário e o clipe da sua banda preferida, notou que o peixe-palhaço
– batizado Paulinho, em homenagem ao seu crush – começou a se portar de
maneira estranha àquela que o identifica. Em outras palavras, ao invés de ficar
indo e vindo por entre os tentáculos da anêmona, ele partia em direção a um dos
peixes, mordia-os algumas vezes, e voltava para a segurança de sua protetora.
Até aí, Camila riu-se da sua ousadia.
Esse comportamento, que parecia alegrar
muito a Paulinho, por óbvio não agradava a nenhum dos outros peixes. Por isso, um
e outro dos agredidos – que lhe eram maiores – passaram a reagir com mais
veemência, repelindo o abusado tão logo eram incomodados.
Só que o peixe-palhaço não se
intimidava; pelo contrário, passou a intensificar os seus ataques, o que aumentava
a fúria de suas vítimas e as levava a reações cada vez mais enérgicas.
A estudante estava fascinada. Não se
lembrava de ter lido ou assistido a nada que fosse parecido. Era evidente,
portanto, que Paulinho destoava, que suas ações extrapolavam às catalogadas
pelos biólogos marinhos. Por isso, tratou de escrever em um caderninho os fatos
de que se lembrava, e ficou ainda mais atenta aos que viessem a ocorrer.
E não tardaria a anotar um novo
evento...
À noite, depois de jantarem,
enquanto a estudante, escarrapachada no sofá, agarrava-se ao celular, e seus
pais, sentados defronte à TV, entretinham-se com um clássico, o preferido saiu
do seu reduto, nadou em direção a um dos peixes, e passou a atazaná-lo de todas
as formas possíveis. E como foram muitas as investidas, o rebuliço chamou a
atenção de Camila.
De repente, o infernizado, certamente
porque não mais aguentasse tamanhos incômodos, partiu em perseguição do
peixe-palhaço. E nadavam a toda velocidade, ziguezagueando por entre os corais,
as plantas e os adornos submersos; sempre aquele no encalço deste.
A jovem levantou-se, aproximou-se do
aquário, e passou a observar a cena.
O ódio do atormentado estava longe de
acabar. Sendo assim, ou ele alcançaria o provocador, e o estraçalharia, ou
abandonaria a caçada, extenuado.
Mas não foi isso o que aconteceu. Em dado
momento, quando o importunado estava prestes a agarrar a cauda do agressor, Paulinho,
de inopino, precipitou-se sobre a anêmona e desapareceu por entre os seus tentáculos,
fazendo com que o perseguidor contra eles se chocasse, sendo, com isso, imediatamente
paralisado pela ação das células urticantes.
Camila soltou um grito!
Mas não havia o que fazer.
E o envenenado serviu de almoço.
Os pais da adolescente esforçaram-se por
consolá-la. E para que esse infortúnio fosse superado, garantiram que comprariam
outro peixe no dia seguinte, se ela quisesse.
Camila não respondeu. E preferiu
refugiar-se em seu quarto pelo tempo necessário à conclusão daquele triste
banquete. – Só que depois de muito soluçar, acabou adormecendo.
No dia seguinte, nada denunciava o repasto
que se verificou durante a noite, pois até as barbatanas do infeliz tinham sido
digeridas.
De outra parte, os peixes conviviam em perfeita
harmonia, mordiscando aqui e ali à procura de alimento.
Essa tranquilidade só foi quebrada quando a
garota resolveu alimentá-los com um punhado de ração. E os esfomeados trataram
de abocanhar o máximo que puderam.
Terminada a comilança, contudo, o
peixe-palhaço voltou a aborrecer um novo escolhido.
Camila desesperou-se. E passou a gritar e
a bater com a mão na parede do aquário, tudo para que Paulinho parasse.
Só que isso pouco adiantava. Daí que o
azucrinado acabou reagindo da mesma forma que o seu antecessor, o que permitiu ao
atiçador iguais malabarismos, e proporcionou à mortífera anêmona mais uma
refeição.
Diante dessa repetição, o coração da
estudante pulsava menos tristeza do que raiva. E ela teve vontade de pedir ao
pai para que arrancasse a assassina, a jogasse na privada, e apertasse a
descarga!
No entanto, Camila bem sabia quem era o
verdadeiro culpado...
Mas será que a jovem teria coragem de
desfazer-se daquele a quem carinhosamente apelidara de Paulinho? Não seria como
se estivesse agourando as suas próprias pretensões amorosas?
E se Camila simplesmente doasse o outro
peixe? Mas não praticaria a mesma injustiça que pensou impor à anêmona-do-mar?
Ela precisava tomar uma decisão, e rápido,
pois, ao que tudo indicava, o próximo da lista não teria melhor sorte.
Só que a escolha não vinha, o que só fazia
agravar os tormentos em seu coração.
O destino, contudo, acabaria apresentando
uma solução, que Camila acataria sem nenhum remorso, assim que desligasse o
celular – Sua melhor amiga avisava que acabara de ver Paulinho beijando uma
piriguete na fila do cinema.