Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC) e Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Fazer o
inventário da biblioteca jurídica pequena, da advogada Estella D’Angelo Cursano,
foi deveras cansativo, burocrático e tedioso em uma semana de trabalho
solitário. Foi somente confirmar os arquivos que eu já tinha em mãos, em um
cartão de memória, eram compêndio raros e muito caros, fruto de décadas de
pesquisas. Eram livros antigos de direito constitucional, direito trabalhista,
antigos códigos civis, introdução
à ciência do direito, direito sindical, filosofia do direito, direito
constitucional e diversas versões da constituição. Eu não digo que fiquei muito
impressionada com a pequena biblioteca, que deve ter levado décadas para ser
formada e nem com a diversidade. Nem tão pouco, estupefata, com a gama variada
de idiomas dos livros, em espanhol, italiano, francês e alemão, era uma
excelente biblioteca jurídica. Toda a biblioteca havia sido digitalizada e
constava no cartão de memória que tinha recebido.
Mas o fato que ali não era o local de trabalho de Estella, da advogada
Estella D’Angelo Cursano, era sim um disfarce bem montado, para incultos
desavisados. Provavelmente ali, a advogada recebia pessoas mais próximas, para
possíveis consultas jurídicas, ou mesmo pequenas reuniões advocatícias, para
poucas pessoas.
Catalogar a biblioteca jurídica, compor um inventário e pôr fim, confrontar com
o catálogo da própria advogada, digitar, imprimir o primeiro relatório e avisar
a advogada dos advogados, que a primeira parte do trabalho estava feito. E não
demorou para um jovem advogado bater na porta do ateliê de Estella, ele receber
o manuscrito, colocar em um envelope lacrado e ir embora em completo silêncio,
assim como chegou. O reconheci pelo uniforme, da empresa advocatícia da
advogada dos advogados, o logotipo amarelo, no lado esquerdo do paletó
refinado, lembrava o sigilo amarelo do rei Hastur. Hora de arrumar as minhas
coisas e bater em retirada e só voltar somente no dia seguinte. E confesso que
tirei um final de semana de folga para tratar da minha vida doméstica.
E foi voltar para o estúdio residência de Estella em um segunda-feira monótona
para sair do mais simples para, partir não para o complexo e sim para o mais
delicado. As correspondências pessoais de Estella, coisa que confirmou a minha
primeira impressão, pois eram pequenos trabalhos advocatícios para parentes e
pessoas próximas. Eram questões legais, como divórcios, partilhas de bens,
demissões e contratações de assuntos domésticos familiares e da própria
advogada Estella D’Angelo Cursano. Como também compras e vendas de bens e
imóveis da advogada, parentes e funcionários domésticos de Estella. Poucas
correspondências digitais impressas e arquivadas que corroborar com a
documentação que havia analisado. A eficiência e sagacidade denunciavam que
Estella era uma grande advogada, que exercia o seu trabalho com amor à
profissão, que em horas vagas voltava às raízes para não esquecer de onde havia
vindo. Era essa a minha impressão até aqui. Mesmo assim, era um esforço
estranho, o que estava na minha frente. Tudo muito certo, tudo no seu devido
lugar, que era real demais para ser verdade, um esforço para ter conectivo com
o mundo real, com a realidade em um local quase clandestino.
Nada
de relevante, de uma documentação que estava no pequeno escritório de Estella.
Com os itens catalogados, relatório digitado em dois dias de trabalho enfadonho
e sonolento. Liguei para a advogada dos advogados dando a notícia e não demorou
muito para a própria chegar ao estúdio residência de Estella. Ela mesmo queria
receber o meu relatório em mãos, o que me chamou a atenção quando abri a porta,
foi ver a mulher em roupas casuais e junto a ela uma outra mulher jovem trajada
de forma igual. Pensei que era um parente dela, pois eram muito parecidas, mas
não eram, pois a intimidade das duas denotavam outra coisa e não disse nada.
A advogada dos advogados, recebeu o meu relatório e não disfarçou a preocupação
do que poderia vir daqui para frente. Eu tinha passado o meu cronograma de
trabalho, logo no primeiro dia que cheguei o estúdio residência de Estella. E o
próximo passo seria adentrar na biblioteca pessoal e obscura de Estella.
Nos despedidos, as duas mulheres partiram, fiquei mais um tempo ali, olhando para o chão e levantei o meu acampamento fui embora.
Fragmento
do livro: Opera mundi, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, cronista,
novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
Argumento
de Samuel da Costa, poetisa, contista, cronista e novelista em Itajaí, Santa
Catarina.
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