Por Dias Campos (São Paulo, SP)
Outro
dia, quando tomava um cappuccino com um primo, o desastrado deixou cair a trufa
que acompanhava o cafezinho. E, como é notório, se for respeitada a regra dos
três segundos – uns admitem até cinco –, pode-se catar do chão a iguaria e
consumi-la sem receio de contaminação. Nestes casos, é comum justificarem esse
comportamento com a famosa frase “O que não mata engorda”.
É claro que ele não deixou
de unir este provérbio àquela norma... E se deliciou com o chocolate.
Se ele contraiu alguma
infecção, confesso que não soube. No entanto, sua atitude me fez lembrar de Machado
de Assis: “O que não mata engorda,
dizem os velhos; mas supondo mesmo que emagreça... Opportet magricellas esse, com perdão de quem me ouve.” (Balas de estalo & crítica).
Usei dessa introdução, amigo
leitor, para adiantar um dos meus hobbies
preferidos – encontrar na obra daquele Imortal muitos dos ditados que ainda
hoje usamos.
Com efeito, devemos às
crônicas (sobretudo), aos contos e aos romances do Bruxo do Cosme Velho, além da
originalidade, da criatividade e do invejável cunho português, o mérito de
perpetuarem inúmeros ditos populares!
E como sei que essa
afirmação aguçou a sua curiosidade, repartirei com você mais algumas das minhas
descobertas, o que, com certeza, só aumentará o apreço que temos pelo maior
escritor brasileiro.
Para começar, trago duas
pérolas contidas em A semana II.
A primeira nasceu nas terras
do Tio Sam, cruzou o equador, e veio criar raízes entre os nossos capitalistas:
“Creio que é por economia de tempo, e tempo
é dinheiro, dizem os americanos.”
A segunda foi inspiração de
um bardo. E graças à sua genialidade, ela transpôs os contornos da ribalta e
ganhou o mundo inteiro: “Portanto, não admira que a dinamite continue
encoberta. Há mais cousas entre o céu e a
terra do que sonha a nossa vã filosofia. É velho este pensamento de Hamlet;
mas nem por velho perde.”
Ato contínuo, faço esta
pergunta: Se alguém desejasse passar o réveillon
em Paris, mas só tivesse dinheiro para descer à Baixada, qual seria a decisão
mais acertada? Pois vem daquele literato a solução: “Terêncio ou Corneille, tudo
vem dar neste velho adágio, que diz que
quem não tem cão, caça com gato.” (Balas
de estalo & crítica).
De outra parte, se um livreiro
tivesse a felicidade de encontrar um exemplar muito raro, que todos julgavam
perdido, e quisesse enfatizar para um rico colecionador que não se tinha
enganado, talvez usasse mão desta conhecida fórmula: “Ressurgiu. Eu o vi (não o
li), vi-o com estes olhos que a terra há
de comer;...” (História de quinze
dias).
E
quem não se lembra da entrevista ao primeiro emprego? É claro que a aparência conta
muito. Então, imagina um rapaz muito feio, mas que possui um coração nobre,
caminhando, pé ante pé, em direção à sala de reuniões. Já pensou se o
entrevistador não fosse pessoa honesta, equilibrada, desprovida de preconceitos?
Bem, pressupondo seja, o candidato poderia ficar tranquilo, pois, como escreveu
o mestre: “...; é ainda mais doce que sua mãe, posto que seja feio de cara; mas
quem vê cara, não vê corações.” (A semana I);
Mudando
para o submundo, pensa em dois criminosos que, depois de meses de planejamento,
conseguem furtar um quadro valiosíssimo. Ocorre que um deles, o mais cobiçoso,
imaginou que se fugisse com o artefato, não precisaria dividir o dinheiro da
venda com o seu comparsa, e, por consequência, gozaria sozinho do proveito do
crime. É certo que se essa rasteira se tornasse pública, este parágrafo cairia
como uma luva: “Ezequiel notou que este adágio popular – ladrão que furta a ladrão tem cem anos de perdão, – estava
incrustado na consciência do Neves, e parecia até inventado por ele.” (Escritos avulsos I).
Por fim, quem já não se
sentiu a pior das criaturas por passar o Dia dos Namorados sem a sua alma gêmea?
Pois o que menos gostaríamos de ouvir nesta data seria a nossa avozinha
proferindo esta consolação: “Não há bota
velha que não encontre um pé cambaio.” (Crítica
& variedades).
Eu poderia transcrever uma enormidade
de máximas que venho sublinhando nos textos do meu querido e eterno Professor...
Afinal, os exemplos que citei representam uma ínfima fração das riquezas espalhadas
pelo seu universo literário.
E como é vasto este tesouro!...
Uns apreciam os colares da crítica social; outros, os anéis da ironia; outros,
ainda, os brincos do humor.
O meu garimpar é, portanto,
só mais uma das múltiplas e prazerosas formas por que podemos contemplar as
joias machadianas.
Mas se bem sei que o meu
passatempo é empolgante, e que, se continuasse a exibir os meus achados isto muito
o agradaria, sei também, leitor amigo, que o nosso bate-papo ultrapassaria bastante
os limites impostos para esta crônica.
Sendo
assim, peço licença para adiar a revelação de outras tantas preciosidades, mas
prometo retomá-la tão logo me seja possível.
Até lá, fiquemos
com este gostinho de quero mais, que é o que permanece depois de lermos o nosso
sempre Machado.
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