sábado, 1 de julho de 2023

CALEIDOSCÓPIO

 Por Dias Campos (São Paulo, SP)

                                                                                                                                             

            Outro dia, quando tomava um cappuccino com um primo, o desastrado deixou cair a trufa que acompanhava o cafezinho. E, como é notório, se for respeitada a regra dos três segundos – uns admitem até cinco –, pode-se catar do chão a iguaria e consumi-la sem receio de contaminação. Nestes casos, é comum justificarem esse comportamento com a famosa frase “O que não mata engorda”.

É claro que ele não deixou de unir este provérbio àquela norma... E se deliciou com o chocolate.

Se ele contraiu alguma infecção, confesso que não soube. No entanto, sua atitude me fez lembrar de Machado de Assis: “O que não mata engorda, dizem os velhos; mas supondo mesmo que emagreça... Opportet magricellas esse, com perdão de quem me ouve.” (Balas de estalo & crítica).

Usei dessa introdução, amigo leitor, para adiantar um dos meus hobbies preferidos – encontrar na obra daquele Imortal muitos dos ditados que ainda hoje usamos.

Com efeito, devemos às crônicas (sobretudo), aos contos e aos romances do Bruxo do Cosme Velho, além da originalidade, da criatividade e do invejável cunho português, o mérito de perpetuarem inúmeros ditos populares!

E como sei que essa afirmação aguçou a sua curiosidade, repartirei com você mais algumas das minhas descobertas, o que, com certeza, só aumentará o apreço que temos pelo maior escritor brasileiro.

Para começar, trago duas pérolas contidas em A semana II.

A primeira nasceu nas terras do Tio Sam, cruzou o equador, e veio criar raízes entre os nossos capitalistas: “Creio que é por economia de tempo, e tempo é dinheiro, dizem os americanos.”

A segunda foi inspiração de um bardo. E graças à sua genialidade, ela transpôs os contornos da ribalta e ganhou o mundo inteiro: “Portanto, não admira que a dinamite continue encoberta. Há mais cousas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia. É velho este pensamento de Hamlet; mas nem por velho perde.”

Ato contínuo, faço esta pergunta: Se alguém desejasse passar o réveillon em Paris, mas só tivesse dinheiro para descer à Baixada, qual seria a decisão mais acertada? Pois vem daquele literato a solução: “Terêncio ou Corneille, tudo vem dar neste velho adágio, que diz que quem não tem cão, caça com gato.” (Balas de estalo & crítica).

De outra parte, se um livreiro tivesse a felicidade de encontrar um exemplar muito raro, que todos julgavam perdido, e quisesse enfatizar para um rico colecionador que não se tinha enganado, talvez usasse mão desta conhecida fórmula: “Ressurgiu. Eu o vi (não o li), vi-o com estes olhos que a terra há de comer;...” (História de quinze dias).

            E quem não se lembra da entrevista ao primeiro emprego? É claro que a aparência conta muito. Então, imagina um rapaz muito feio, mas que possui um coração nobre, caminhando, pé ante pé, em direção à sala de reuniões. Já pensou se o entrevistador não fosse pessoa honesta, equilibrada, desprovida de preconceitos? Bem, pressupondo seja, o candidato poderia ficar tranquilo, pois, como escreveu o mestre: “...; é ainda mais doce que sua mãe, posto que seja feio de cara; mas quem vê cara, não vê corações.” (A semana I);

            Mudando para o submundo, pensa em dois criminosos que, depois de meses de planejamento, conseguem furtar um quadro valiosíssimo. Ocorre que um deles, o mais cobiçoso, imaginou que se fugisse com o artefato, não precisaria dividir o dinheiro da venda com o seu comparsa, e, por consequência, gozaria sozinho do proveito do crime. É certo que se essa rasteira se tornasse pública, este parágrafo cairia como uma luva: “Ezequiel notou que este adágio popular – ladrão que furta a ladrão tem cem anos de perdão, – estava incrustado na consciência do Neves, e parecia até inventado por ele.” (Escritos avulsos I).

Por fim, quem já não se sentiu a pior das criaturas por passar o Dia dos Namorados sem a sua alma gêmea? Pois o que menos gostaríamos de ouvir nesta data seria a nossa avozinha proferindo esta consolação: “Não há bota velha que não encontre um pé cambaio.” (Crítica & variedades).

Eu poderia transcrever uma enormidade de máximas que venho sublinhando nos textos do meu querido e eterno Professor... Afinal, os exemplos que citei representam uma ínfima fração das riquezas espalhadas pelo seu universo literário.

E como é vasto este tesouro!... Uns apreciam os colares da crítica social; outros, os anéis da ironia; outros, ainda, os brincos do humor.

O meu garimpar é, portanto, só mais uma das múltiplas e prazerosas formas por que podemos contemplar as joias machadianas.

Mas se bem sei que o meu passatempo é empolgante, e que, se continuasse a exibir os meus achados isto muito o agradaria, sei também, leitor amigo, que o nosso bate-papo ultrapassaria bastante os limites impostos para esta crônica.

Sendo assim, peço licença para adiar a revelação de outras tantas preciosidades, mas prometo retomá-la tão logo me seja possível.

Até lá, fiquemos com este gostinho de quero mais, que é o que permanece depois de lermos o nosso sempre Machado.

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