Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
‘’She
is my Beautiful Darkness-girl!
A jazz band, with a
singer... Losted on back-stage!
Losted in the Black
World! Rose darling...
Rose dear! Listen
me...
You are beautiful darkness-girl!
My favourite singer in
the world.
My
favourite Blues-girls.’’
Samuel
da Costa
— Já olhaste bem fundo nos olhos de um morto vivo? — Disse
Sebastião olhando nos meus olhos! — Era aquele olhar aterrador, de quem já
tinha visto muitas coisas na vida. Sebastião profissional do volante.
— Não entendi meu amigo! A minha mente limitada não
acompanha o teu entendimento das coisas! — Devolvi a pergunta estranha.
Foi a última vez que tive o prazer de bater um bom papo com
Tião, nós dois sabíamos disso. Como éramos e somos de realidades diversas, não
demoraria muito para os nossos dois mundos se chocarem, por isso devolvi o
olhar dando a entender que entendi o rumo da conversa. Estávamos na Barra
norte, em um quiosque na beira mar.
— Então tinha estes guris, o Getúlio, o Dornelles e o
Vargas, pequenos usuários, maconheiros no popular! — Disse Sebastião, levando o
copo de plástico na boca, tomando um bom gole de cerveja.
— Getúlio, Dornelles e Vargas? — Perguntei incrédula,
depois entendi a piada do meu bom amigo. Sebastião velho de guerra, sendo
irônico como sempre.
— Não me interrompa, menina! Os três perambulavam pelo
bairro, pelos bairros a bem da verdade, cometendo pequenos roubos e a
aprontando das suas. Como eram menores de idade, tinham o prende e solta. —
Falou Sebastião, acendendo um cigarro barato e levando a boca, deu uma tragada
e expeliu uma fumaça de uma pequena nuvem de mata ratos.
— Mais uma tragédia do século passado, creio eu...
— Sim minha amiga, cruel e que se estendeu por anos! E
tinha o outro lado da história, o Luiz Carlos um pouco mais velho que o trio
ternura. O Luizinho tinha conseguido um emprego de boy em uma pequena loja de
móveis de bairro, era um tempo de poucas opções de emprego, mas abundava em
trabalho braçal.
— Tempos difíceis, Tião! Tempos das máquinas de escrever,
força bruta e crises econômicas. — Disse eu, encarnando o papo do meu pai
economista.
— Continuando, então os destinos dos quatro se cruzaram, o
trio ternura encontrou o Luizinho e a sua bicicleta barra circular, fazendo o
trabalho de rua, cobranças e pagamentos. Bairro pequeno, cheio de terrenos
baldios onde todos se conheciam e se reconheciam.
Sebastião parou de falar e se voltou para o mar,
soltou para mim e tomou mais um gole de cerveja. Deu mais uma tragada do seu
cigarro mata rato, deu uma baforada no ar e olhou para mim.
— Renderam o Luizinho, arrastaram o guri para um terreno
baldio, espancaram o pobre rapaz, levaram a bolsa e a bicicleta. Deixaram o
Luizinho para trás, demorou um bocado para encontrar o guri e traumatismo
craniano falaram os doutores. Um jeito chique para dizer que a cabeça do Luiz
Carlos sangrou por dentro e por fora até ele morrer. — Disse Sebastião
para depois ficar calado.
— Nossa! E o trio? — Disse eu desnecessariamente.
— Bom, se fosse nos dias de hoje, o crime organizado dava
conta do trio. Mas como não havia tanta organização no submundo do crime e os
guris eram menores de idade, nada aconteceu. E foi fácil encontrar e prender o
trio ternura e apesar da comoção, não demorou muito para depois de uma breve
apreensão, como se dia hoje em dia o trio estava livre, leve e solto pelas
ruas. — Disse Sebastião fatigado.
— Hoje não seria diferente, meu bom amigo! — Contemporizei,
tentando pelo menos.
— Olha, ao longo dos anos, vimos o trio ternura muito unido
na tragédia, das tragédias cotidianas, surras da polícia, prisões, brigas no
meio da rua, pequenos furtos. E no final eram três mortos-vivos definhando a
olhos vistos, depois a vida maltratou de fato o trio, um morreu de overdose na
cadeia, o outro morreu de Aids no hospital. Mortes lentas e dolorosas.
— E o remanescente? Perguntei afinal.
— O último? Sangrando por aí, casou, teve um filho e como o
tempo passa e tem o hábito de pôr vendas nos olhos das pessoas, se estabeleceu
e mesmo assim o sujeito é um zumbi. A última encrenca do sujeito foi um
desfalque que deu em condomínio popular, o eleito síndico, não demorou em meter
a mão na grana dos moradores.
— Que história! Meu amigo! — Disse eu.
— Hoje o sujeito é procurado pela polícia! — Falou Sebastião
e continuou — Olha grande amigo, gosto de conversar contigo e creio que somos
de bandas diferentes e como meu mexo com a tal rede social.
Sebastião encheu o copo de cerveja, ergueu, eu peguei a
minha taça de vinho e brindamos. Sim foi doloroso de afastar do meu bom amigo,
que me mostrou um pouco do mundo para além da segurança tranquila do meu
universo particular. Nos despedimos, esperando que um dia, quem sabe, em um
virar de esquina a vida volte a nos juntar novamente.
Fragmento do livro Do diário de uma louca, de
Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária de Balneário
Camboriú, Santa Catarina.
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