segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

LUEN: NÃO HÁ FLORES NAS RUAS DAS FLORES (PRIMEIRA E SEGUNDA PARTES)

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

Primeira Parte 

 

Epístola de Luen Di Santis

            Caro Professor Dórian La Verdi, me sinto emparedada, pois é a primeira vez na vida adulta, que envio uma carta para alguém. Mas tomada de ousadia, peguei a pena e o mata-borrão e uma folha em branco e pus-me a compor está missiva. E desde já digo que muito me espantou o fato, de saber que o doutor não usa as novas tecnologias digitais. Para um linguista renomado, ainda jovem, resistir a atual avalanche de ferramentas digitais, que invadem as nossas vidas cotidianas.

            Mas, o que me motivou a minha ousadia, foi uma palestra, que tive a honrar de assistir, na semana passada e a mesa de debate que se sucedeu. Fico curiosa como um linguista, do campo da Linguiça aplicada, que não disfarça uma certa simpatia pela Sociolinguística, se ater a teses da física quântica, na mecânica quântica, para ser mais exata.

            Confesso que não entendi nada, pois estava esperando, um mergulho profundo nas linguagens, no campo da literatura moderna e pós-moderna, as novas tecnologias digitais no campo da escrita criativa, vida de obra de escritores obscuros, no entre séculos XlX para o XX e os paralelos dos entre século XlX e XX e do século XX para o século XXl. Eu não esperava mesmo, um acalorado debate entre portais interdimensionais, multiversos e realidade moldadas pelas vontades de alguns seres divinos. E por fim o rompimento dos tecidos espaços-tempos.

            Sei que o senhor doutor, em linguística aplicada, Dórian La Verdi, um racionalista convicto, marxiano declarado e apaixonado pela literatura de ficção moderna e pós-moderna. Não, eu não conhecia o professor doutor africano Adérito Muteia, crítico literário e especialista no campo da literatura no entre séculos XlX e XX e defensor da tese que o senhor apresentou e defendeu. Muito curiosa e controversa, a tese do dele que liga os elementos Sincrônicos e Diacrônicos da linguística. E confesso também que ligar a literatura de ficção de horror lovecraftiana com as teses freudianas. Muito interessante abordar o dreamlands do escritor Howard Phillips Lovecraft com as teses do id, ego e superego e a do complexo de Édipo, do neurologista e psiquiatra Sigmund Freud. E a ligação do novo e do velho mundo e os vácuos no tecido espaço e tempo. E o dito não lugar onde o tempo não existe.

            Senti mesmo a falta de um físico teórico no debate, o que gerou um clima de ficção científica e literatura especulativa apenas. Não quero ensinar ao mestre e doutor, ressalto que vivo na realidade plausível, no mundo da real, eu só conheço Carcosa, lendo literatura de horror cósmico e nas terras dos sonhos conheço quando durmo e não desejo me enclausurar e um não lugar que não existe. 

            Espero mesmo, com muita ansiedade, os prometidos artigos e teses, que sustentam os argumentos do professor doutor africano Adérito Muteia, tão ardorosamente defendidos, pelo senhor professor e doutor Dórian La Verdi. Termino está missiva me desculpando pela audácia de lhe escrever.

De Luen Di Santis.

 

        Alojado sem seu ateliê, nas ruas das Flores, Dórian queria rasgar e queimar o manuscrito, mas sentiu os olores de matinais rosas frescas que o papel emanava, também saltou os olhos de Dórian a cor do papel, um branco polar. E as variações da cor verde nas tintas que preencheram o papel em branco, no seu íntimo Dórian sabia que já estava apaixonado pela desconhecida.

  

Segunda Parte

 

Epístola de Dórian La Verdi

            Senhorita Luen Di Santis, a muito, eu não tenho o hábito de receber e nem enviar cartas manuscritas, estamos em uma era de comunicação digital, em massa e instantâneas.

            Mas vamos lá, respondo a vossa missiva manuscrita, combatendo com vigor as desinformações nela contida, tão como hoje em dia, não que não existissem no passado e hão de existir no futuro. Hoje, as informações falsas são instantâneas e digitais, eu não sou contra as novas tecnologias digitais, eu uso sim, o correio eletrônico, leio textos em tabletes e em outras mídias digitais. Eu uso e abuso da atual avalanche tecnológica digital, dou aulas e assisto aulas em vídeos conferências, escuto músicas e rádios em mídias digitais. Carrego um telemóvel, comigo que uso até para ver as horas e receber e dar telefonemas. Nesta altura, espero que a senhorita, perceba que não sou contra as novas tecnologias digitais.

            O digo e defendo, que não é salutar, são os exageros, os muitos sufocamentos, de mais e mais tecnologias inúteis, reforçando o pensamento raso do mercantilismo vazio e imediato. E a respeito, da última e caótica conferência, com alguns dos meus pares da academia, posso dizer-lhe que a tese do professor e doutor Adérito Muteia, surgiu naturalmente. E o texto que dá suporte, para a controversa tese de que existem os não lugares, de rompimentos do tecido espaço e tempo, é um artigo acadêmico escrito, na juventude do doutor Muteia ainda em África.

            Um texto excipiente, uma tese sem pretensões maiores, que o professor africano abandonou a posteriori e a minha contribuição no debate, foi que se é imaginado em mentes humanas, estão existe em mentes humanas e mais nada. E quanto a sua materialização no mundo real, deixamos para os físicos teóricos e teóricos da conspiração, o primeiro elemento, é um misto de ciências exatas e teses que se escrevem, em frágeis asas de mariposas. O segundo elemento, são as próprias mariposas, a dançar no entorno de luzes artificiais. É o que penso e posso estar errado, nas minhas conjecturas, vai se saber!

            E avançamos minha querida amiga epistolar, o que de fato há entre a minha humilde pessoa e do emérito e internacional professor Muteia, li o referido é controverso texto, de professor africano, em uma revista alternativa, a revista Astro-domo, que é de pouca circulação. E o que proferi, foi uma crítica ao referido texto, uma crítica literária então somente, para um texto muito escrito e nunca revisado.

           E de fato, temos histórias juntos, pois nós descobrimos nas nossas pesquisas acadêmicas, Muteia pesquisando o entre séculos, do século XIX para o século XX. Muteia pesquisou o ambiente sociolinguístico, a transição abrupta da comunicação orgânica, para a escrita mecânica, a urbanização no ocidente, a energia elétrica, a intensificação da comunicação em massa, de grandes conglomerados de comunicação. A chegada da lâmpada elétrica, da máquina de escrever, gramofone, telégrafo, a fotografia, o telefone e a expansão das redes ferroviárias e hidroviárias. Tudo isto no contexto da literatura e dos textos escritos, falados e textos não escritos, os muitos choques culturais, no final do século XIX e nos primeiros decênios do século XX.

            Por outro lado, o meu campo de estudo é o entre século XX para o século XXI, a mudança da mecanografia, para a escrita digital, a atomização da comunicação interpessoal. Não vou me ater aqui ao momento em que vivemos, mas tanto a pesquisa do professor Muteia e a minha pesquisa apontam para as confusões, para os que nasceram no entre séculos. Diferente para quem nasce nela, se os barulhos de buzinas e motores a explosão, campainhas de telefones e ruídos mecânicos afins, castigavam ouvidos acostumados aos silêncios nas cidades e nos meios rurais. Isto tudo na pesquisa do professor Muteia, no meu estudo é o silêncio em aparelhos atomizados em comunicações digitais, a convergência de mídias, em pequenos aparelhos eletrônicos. E em comum os mesmos mal-estares para muitos que nasceram no entre séculos e naturalizados pelos nascidos em meio às confusões geradas pelas novas tecnologias.

            Desculpe pelos meus acadêmicos chatos, mas assim é a vida, simples assim, Muteia leu as minhas pesquisas e eu li as pesquisas dele, e depois trocamos correspondências eletrônicas e naturalmente usamos os nossos textos como literatura complementar. E descobrimos mutuamente, que nós tínhamos, também comparado às damas dos lagos, dos rios e dos mares, o mito das sereias. Aqui a Iara amazônica, com a Kianda angola e as Sereias gregas, e como culturas diferentes dividiam os mesmos mitos. E não vou aqui aprofundar este tema, por motivos óbvios. 

            Indo para fim, à minha relação acadêmica com o professor Muteia, não tem nada a ver com portais entre mundos, mecânica quântica ou mesmo teorias da conspiração.

           Espero que tenha diminuído as muitas densas névoas existentes, entre a minha pessoa, as minhas pesquisas, tanto como a pessoa do professor e doutor Muteia assim, como as pesquisas dele.

Post scriptum: Soube que a senhorita, conta e toca contrabaixo em uma banda, que tem um concerto musical por estes dias. Quem sabe aparece para ver a performance da senhorita no palco.

 

Dórian La Verdi ser humano imune a defeitos e limitações

            Luen Di Santis, leu e releu a correspondência eletrônica muitas vezes, o frio na barriga e o ligeiro mal-estar levaram os pensamentos e sentimentos da musicista para bem longe, para outros lugares, bem para longe da débil imaginação humana. Luen apertou um botão e imprimiu a correspondência eletrônica.

 

Fragmento do livro: Sono Paradoxal, de Samuel da Costa, poeta, contista e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br         

 

 


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