Por Walldyr Philio (São Paulo, SP)
Foi no dia 09 de maio que ele nasceu. Para falar a verdade, a sua inexistência já estava programada pela sua mãe, uma vez que ela não queria mais filho algum, ficando somente com a menina que veio antes dele. Porém, seu pai arquitetou um plano e colocou em ação, furou com agulha todas as camisinhas que ficavam em um pote ao lado da cama em cima de uma mesinha de cabeceira, sendo assim, toda vez que precisava usar uma delas para seu ato sexual elas estouravam deixando fluir o seu material genético para dentro do corpo da sua esposa engravidando-a com o passar do tempo.
Nasceu grande com exatos 4,850kg e medindo 56 cm de cumprimento. Era um bebê gordo, lindo, cabeludo, forte e grande entre os demais que ali havia chegado antes dele. Chegou aos berros com um choro forte e gutural como os gritos de um guerreiro espartano no estopim das batalhas. Seu choro preenchia o quarto como se quisesse a todo o custo anunciar a sua chegada ao mundo.
Seu coração estava mexido em um turbilhão de sentimentos confusos e indistinguíveis, todos fundidos em uma única mistura de alegria e tristeza pelo sofrimento da sua mãe na hora de dar-lhe a luz sem que ele nada pudesse fazer para amenizar a dor cruciante que a mesma sentia... Tristeza por estar desempregado e saber que seu filho tão pequeno e indefeso precisaria dele para sobreviver no mundo louco a qual acabara de chegar e isso o deixou assustado deveras. Porém, havia uma alegria tímida, escondida atrás das preocupações, atrás do medo, do fracasso, atrás das incertezas e dúvidas que permeavam sua mente, era a alegria inexplicável de ser pai, uma alegria que o completava como ser humano, que o colocava em pé de igualdade a todos os pais do mundo e isso irradiava de sua alma enchendo-o de orgulho e fazendo um sorriso tímido brotar em seu rosto amedrontado.
Havia um nó agigantado em minha garganta que não se desmanchava por mais que tentasse, suprimindo suas emoções como as muralhas de uma represa, impedindo-o de chorar. Estava envolto em um emaranhado de sentimentos confusos, intransponíveis que deixavam seus olhos marejados de lágrimas quentes, grossas que ofuscavam sua visão, aquecendo a sua alma como uma caldeira a vapor que encharcava seu corpo com um suor frio lhe proporcionando um tremor desmedido e convulsionado que se apoderou do seu corpo como uma entidade do mundo desconhecido, controlando a firmeza dos seus músculos que se fragilizavam ao ponto de o deixar amolecido com uma esquisita sensação de prostração, tudo nele tremia, até a sua voz, e nada havia que pudesse fazer para assumir o controle e parar com aquela dança inquieta que agitava a sua alma.
- Você está bem pai? Quis saber a médica que habilmente fazia o parto, demonstrando preocupação com o seu estado emocional bagunçado. Quer sentar-se um pouco? Tem certeza de que está bem? Ainda inqueria ela enquanto rasgava a vagina da mãe da criança com um bisturi tão afiado e brilhantemente polido que teve a sensação de que até o ar seria possível cortar com ele!
Era difícil chorar! Não conseguia direcionar o seu choro a uma única razão, uma vez que não conseguia decidir se chorava por vê-lo nascer, ou por sua mãe que sofria as dores descomunal e horríveis para dar-lhe um nascimento humanizado através do parto normal em vez de optar por uma cesariana. Seu menino saía aos poucos, sua cabeça com tufos de cabelos negros e empastados com uma massa esbranquiçada saiu depois que a sua mãe empurrou com uma força quase sobrenatural e praticamente esmiuçar a mão do pai da criança em fragmentos pequenos e crocantes como uma bolacha cream cracker.
- Pai, seu bebê é muito grande, vou precisar quebrar a clavícula dele para ele sair com maior facilidade. Disse-lhe a obstetra como se isso fosse à coisa mais natural do mundo.
Seus olhos estavam perdidos no abstrato da realidade vazia. O tempo havia parado e ele estava totalmente catatônico diante do pavor que o abatia.
Quis entender o incompreensível! Sentiu vontade de orar e falar com Deus em uma audiência de urgência mais as palavras havia lhe abandonado e ele estava emudecido, esquecido no mundo da inexistência! Seu corpo estava gelado como se a sua alma estivesse fugida deixando-o à mercê da inanição e pela primeira vez o pavor foi apagando a luz dos seus olhos e entorpecendo os seus sentidos. Estava prestes a desmaiar!
- Fica tranquilo pai, isso é necessário fazer em bebês fortes e grandes como ele, daqui a 20 dias no máximo o osso estará totalmente calcificado e ele não sentirá dor alguma durante esse processo. Disse-lhe ela tentando-o confortar com o esclarecimento da situação!
Era um dia de sábado e no dia seguinte seria o tão aguardado dia das mães, uma data repleta de sentimentos onde os filhos mais rebeldes, distantes, frios e revoltados se sensibilizavam e aderiram ao clima imposto pela sociedade que torturavam as mentes débil dos filhos incutindo-lhes o dever obrigatório e sagrado de comprar um simples presente que representasse seus sentimentos para com a sua genitora. O comércio explodia de alegria ao ver como suas vendas antes empacadas com produtos empoeirados nas prateleiras das lojas sendo adquiridos com preços variados dos mais baratos aos mais exorbitantes. Filhos reuniam suas finanças para alegrar o dia das mães como um fiel escravo do dever. Mesmo quem não conseguia presentear a sua mãe no mínimo dava-lhes um abraço com a felicitação de "feliz dia das mães". As escolas ensinavam as crianças a fazerem cartazes com folhas de papel sulfite, cartolinas, colagem com recortes de revistas, peças, danças e algumas poesias malfeitas que as crianças recitavam com a timidez vergonhosa de um pequeno aspirante a artista.
Ele nasceu um dia antes dessa
efervescência social.
Seu pai estava lá assistindo ao parto. Aliás, sempre esteve ao seu lado, mesmo quando ele estava na barriga da sua mãe, lá estava seu pai cantando para ele, beijando a barriga grande da sua mãe de pele esticada besuntada com óleo de amêndoa para proporcionar elasticidade natural e diminuir com isso o aparecimento excessivo de estrias em sua pele branca!
Ele estava lá em todas as consultas de pré-natal e até na ultrassonografia também estava lá, sim, estava do lado de fora da clínica porque não foi permitido entrar na sala para assistir ao procedimento uma vez que carregava em meu colo a sua irmã que estava prestes a completar os seus dois anos de existência. Ficou ali na calçada da clínica emburrado, mal-humorado por ter perdido a chance de vê-lo através das imagens malfeitas, borradas em preto e branco como um quadro abstrato..., mas, ele estava logo ali, perto o suficiente para seu bebê o sentir e saber que tinha um parceiro, um pai e um amigo para ampará-lo em toda a sua vida.
Ele o viu nascer. Estava ali sentindo em seu peito de pai o peso dos assomos de sentimentos confusos das emoções do momento, segurando o seu recém-nascido em seu colo enquanto o mesmo preenchia a sala com seu choro alto, imponente a despeito do seu acalento desajeitado. Beijou de leve a sua cabeça e nessa hora as lágrimas represadas encontrou passagem livre pelas órbitas oculares cansadas molhando seu rosto enquanto conversava com ele.
- Oi meu amor, o seu pai está aqui filho! Disse, crivado de emoções como se estivesse sendo entendido! Eu nunca vou te abandonar, nunca vou te deixar sozinho nessa vida meu parceiro. Desculpa por te trazer para esse mundo!
Estava amolecido pelo choro que rebentara do seu peito, arrancando-lhes as forças dos seus braços. Ele segurava o peso da responsabilidade em seus braços débeis. Segurava o futuro incerto que precisava de sua ajuda para ser construído, lapidado, educado e moldado para se tornar um homem de bem no meio de uma sociedade corrompida. Ali estava a esperança frágil em seu regaço que precisava crescer forte. A esperança que pouco a pouco colocava sentido à sua vida se tornando a razão da sua existência medíocre!
Ele não sabia ao certo o que estava dizendo, talvez estivesse fragilizado em um devaneio de torpor de um pai preocupado que temia que seu pequeno rebento padecesse os revezes da necessidade de uma vida cruel, pobre e miserável como ele teve. Estava desempregado e temia na alma que seus filhos passassem por situações difíceis na vida como ele passou!
Lá fora na calçada de entrada do hospital, vendedores ambulantes vendiam arranjos de flores lindas e mimosas, caixas de chocolates e outras quinquilharias para que os maridos comprassem e presenteassem as suas esposas e mãe dos seus filhos homenageando-as com um muito obrigado pela família que ela os deu! Ele, porém, não comprou nada para ela. Só tinha em seu bolso o dinheiro da condução para voltar para casa, dinheiro esse doado pelo seu irmão que na época trabalhava como ajudante de pedreiro. A sua situação financeira era difícil quando seu filho nasceu. Sentia-se um lixo de homem e sua autoestima de pai estavam tão baixos quanto os sedimentos que descansam silente nas profundezas das fossas das Marianas. Deixou-o seu pequeno na incubadora, se despediu da sua mãe e voltou para casa para cuidar da sua irmã que havia deixado aos cuidados da sua cunhada, e no trajeto para casa, enquanto pensava sobre a sua triste situação fui tomado por um arroubo de choro que arrebentou o seu peito mais uma vez, era um choro miúdo, dolorido, recheado com uma tristeza de desespero que até então desconhecia, uma tristeza de impotência que o fragilizava, zombando da sua capacidade de arrimo de família.
Ainda se lembrava com vividez dos fatos dessa história que no calendário do tempo havia transcorridos seus 15 anos. Isso mesmo, seu bebê chorão e gorducho que nascera no dia acima mencionado havia se tornado um belo adolescente com um físico invejável de músculos delineados que modelavam seu corpo se comparado com os garotos da sua idade e assim, chegou para ele a fase da autossuficiência que o fez se sentir insuperável e invencível, demostrando ser o detentor da certeza, a pré-adolescência. Herdou as características do seu velho pai em sentimentos, mais o orgulho egoísta e presunçoso veio como brinde acompanhado seu modo de vida. Conquistou amigos que o influenciava mais que os conselhos do seu velho pai, figura essa que foi sendo guardada pouco a pouco na gaveta de arquivos secretos da sua vida, abandonando-o ao esquecimento. Seu pai já não era tão importante quanto antes, havia deixado de ser seu herói há muito tempo e hoje assumira em sua vida o papel de bandido. E isso se agravou no momento em que seu pai chamou a sua atenção por ter quebrado o vidro da porta de entrada da academia onde fazia musculação.
- Grande coisa, acha que vou morrer de fome porque você vai descontar o conserto da porta da minha pensão? Indagou-o de forma insolente revelando uma revolta guardada no porão da mágoa que há muito tempo fermentava os seus sentimentos, produzindo mofos de desprezo e indiferença por seu pai.
Alguma coisa havia mudado em seu coração, já não enxergava seu pai como uma parte integrante da sua alma e sim como parasita que lhe sugava o oxigênio psicodélico da esperança utópica da sua vida juvenil!
- Não preciso da sua esmola miserável de pensão para viver, se é isso o que você está achando, está completamente engando, pode ficar tranquilo que eu tenho uma mãe para cuidar de mim, não preciso de você, aliás, você nunca cuidou de mim mesmo, nunca se importou comigo e agora quer dar uma de pai só porque quebrei a merda de uma porta de vidro? Vociferava ele de forma autoritária andando de um lado para o outro exasperando a sua raiva contida e ensaiada para aquele momento de espetáculo.
A separação foi a pior coisa que havia acontecido na vida do seu pai, não pelo fato da desconstrução do casamento em si, uma vez que esse já havia terminado há muito tempo, não lhe sobrou mais nada, nem um resquício de respeito espalhados nas tramas do tecido do tempo havia para que pudesse ser coletados e criar com eles uma peça abstrata que simbolizasse a beleza incompreensível dos anos vividos a dois. Tudo ruiu, só restou uma única peça marmórea de beleza artística e valor inestimável que estava sendo corroído pela ação da maresia da passagem do tempo, seu filho, seu tesouro!
Ele tentou a todo o custo reconquistar o coração orgulhoso e magoado do seu filho rebelde, queria se reaproximar mais era impelido com ferocidade e empurrado ao ócio do desprezo e indiferença. Olhava as mensagens que seu pai lhes enviava depois de dias passados e não lhe respondia coisa alguma demostrando desprezo frio, ferrenho, temperado com ódio que nascia pouco em sua mente e coração confusos.
- Filho, quem separou foi o marido e a mulher, pai e mãe não se separam nunca, eu ainda sou o seu pai e te amo muito, sinto a sua falta e estou morrendo de saudades de você, por favor, vamos nos encontrar, quero comemorar o seu aniversário com você, vamos conversar um pouco filho.
Disse-lhe por mensagem certa
vez, depois de dias sendo ignorado.
- Seu filho não quer falar com você, faça um favor de cuidar da sua nova família e deixe o meu filho em paz, deixe que dele eu cuido, não preciso de você para isso, aliás, ele mandou te dizer que pai tem aos montes nas esquinas da vida, mais que mãe ele só tem uma. Você é tão ruim que nunca soube manter seu filho ao seu lado. Vê se não fica importunando o menino.
Disse-lhe a mãe do garoto respondendo-lhe pelo aparelho celular do seu filho comprando-lhe as dores. As lagrimas arrebentaram o seu peito como água de chuva em enxurrada. Foi tomado por uma tristeza que o abatera ao ponto de se sentir prostrado, sem animo, sem forças, sem vontade alguma para nada.
Não conseguia dormir direito, ficava a maior parte da noite acordado e quando pegava no sono acordava de tempo em tempos como se o seu sono de descanso fosse fragmentado pelo pesadelo do abandono incompreensível. Ele queria o seu filho de volta, queria ampará-lo em seus braços, beijá-lo como fazia, queria assistir filmes e animes como fazia antes, queria irritá-lo bagunçando seus cabelos como sempre fazia; substituir o almoço por hambúrguer do Mc Donald’s com refrigerante em dias frios e comer pizza juntos assistindo aos jogos do seu time. Ele sentia falta do seu menino, era como se faltasse um pedaço do seu coração para viver e a falta desse pedaço estava matando-o pouco a pouco.
- Deixe-me vê-lo. Implorou a sua ex esposa engolindo seu orgulho e se humilhando para ela como um mendigo de rua que pede encarecidamente uma esmola qualquer para continuar sobrevindo em seu mundo de miséria e insignificância. Havia dor em sua alma enrolada com os embrulhos dos momentos tristes, uma sucessão de fatos ruins que se acumulavam dia após dia como uma cadeia maldita de azar que o seguia a aonde quer que fosse, como se estivesse arrastando uma corrente grossa, longa e pesada amarrada a seus pés, dificultando o passo da sua caminhada.
Estava cansado e isso era visível em sua fisionomia! Sua barba grande revelava o pouco cuidado que estava tendo, cabelos antes penteados e com o corte em dias, estavam sempre bagunçados, grande e sem forma definida.
Estava se entregando ao abandono de forma gradativa, sem perceber, sem se importar.
Saiu do trabalho mais cedo nesse dia. Havia mandado uma mensagem no celular do seu filho dias antes pedindo para ficarem juntos. Era o tão aguardado momento do aniversário do seu rapazinho! Depositou em sua conta um valor para as despesas da viagem de trem, ônibus ou um taxi qualquer para ele vir e comemorarem juntos essa data tão importante. Não houve resposta do seu filho em momento algum, assim, como das outras vezes o que recebeu foi o desprezo frio e incisivo, mas a esperança ainda gritava animo em seu coração. Não tinha dinheiro suficiente para fazer uma festa como sempre fez, mais encomendou na padaria dois lindos bolos pequenos de festa, um com recheio e cobertura de chocolate e o outro com recheio de morango e cobertura de chocolate branco, comprou um refrigerante Coca-Cola, limpou a casa o mais rápido que pôde, tomou banho, colocou uma roupa casual e aguardou enquanto olhava ansioso o seu celular a todo o instante à medida que os minutos e horas transcorriam e nada! Ele não veio, não justificou a sua ausência com uma desculpa qualquer! Simplesmente ignorou o carinho e amor do seu pai, como se ignora algo que não tem importância alguma, algo sem valor, algo descartável que não acrescenta ou diminui em nada na sua vida.
Ele quis dizer de forma bem categórica através da sua atitude de que não precisava mais do seu pai para viver. Que a sua estrada havia se dividido em bifurcações que os levariam a lugares diferentes e distantes dali para frente. Mas, um pai não sabe viver sem um filho! E a não convivência com seus filhos gera um buraco de abismo vazio em seu coração que se torna impossível de ser preenchido! É como se a sua alma abandonasse o seu corpo e este agora fosse obrigado a se adaptar e viver vegetando no mundo da impossibilidade existencial.
Ele sentiu tão profundo em seu âmago a dor do abandono que chorou tudo o que há dias estavam trancafiados em seu interior. Seu corpo foi abraçado pelo frio da rejeição ao ponto de arrancar-lhe soluços de sua alma seca solavancando seu corpo! Ele queria entender o porquê valia tão pouco assim na vida do seu filho se o amor, carinho, cuidados e fetos que nutria por ele era tão intenso quanto o da sua mãe! Por que pai não tem valor? Porque é tão fácil se livrar de um pai? Porque o pai tem que viver com o resto do que sobra da vida? Restos de carinho, de amor, de afeto, de zelo, restos de tudo...
Pai sempre fica em segundo plano na vida dos filhos, por quê? Ele chorava porque não conseguia encontrar respostas para as suas questões que abarrotavam a sua mente doída, chorava porque estava perdendo o seu maior tesouro, o seu bem mais valioso estava indo-se embora como água que escorre por entre os dedos e ele já não podia fazer mais nada para segurá-lo.
Ele chorava porque estava perdendo mais uma vez, porque sempre perdeu na vida! E na sua dor de abandono questionou a Deus o motivo de tudo aquilo, sofrimento e abandono, na verdade em seu amargurar ele culpou aos céus pela sua frustração! Não pensou em orar. Não queria falar com ninguém, nem com Deus! Só queria chorar e esvaziar o peso que esmagava a sua dignidadede homem.
Levantou-se do sofá com o corpo pesado e não percebeu que estava febril, estava letárgico que andava pela casa mecanicamente como um fantasma que levita suavemente sem tocar o plano físico. Olhou com os olhos marejados de lagrimas as imagens de um clipe da música que tocava no YouTube e viu com espanto a sua história representada nela. Era a música “Quizás” do cantor Enrique Iglesias. Lembrou-se com maior tristeza do seu velho pai também. Queria voltar no tempo e consertar o seu passado quebrado, desfigurado, escrevendo nova história nas páginas rasgadas e amassadas do tempo... Queria abraçar seu pai e se retratar como homem, como filho, como pai, mas o abismo que separa os vivos dos mortos não pode ser cruzado, não existem pontes que se permita fazer isso e mais uma vez sentiu a necessidade de chorar. As lagrimas não paravam de brotar das suas órbitas avermelhadas. Olhou mais uma vez os bolos posto á mesa ao lado do refrigerante sem presentes, sem velas, sem aplausos, sem tumultos... Uma festa vazia, tão solitária quanto o seu coração enquanto arrastava seus passos débeis, lentos e pesados até a sua cama. Deitou-se encolhido como um bebê no conforto do útero materno enrolando seu corpo com uma manta e adormeceu o sono dos infelizes, do infortúnio, do desamparo e solidão.
Acordou ardendo em febre, sua cabeça estava tão pesada quanto à montanha dos Apalaches. Trocou sua roupa encharcada de suor! Olhou mais uma vez suas mensagens de WhatsApp na esperança de encontrar alguma coisa do seu filho, mas só enxergou o abandono, a decepção e concluiu com angústia que sua relação estava desfeita e que não haveria mais conserto para o que se partiu. Ele precisava seguir de alguma maneira, precisava se perdoar e recomeçar. Tomou uma decisão e começou a colocar em prática de imediato.
Saiu de casa mesmo desprovido de ânimo e saúde até o shopping da cidade para comprar outro aparelho celular, comprou também um novo chip, passou na imobiliária e depois de ouvir as considerações de um corretor, deixou sua casa aos cuidados do mesmo para que efetuasse a venda. Buscou na internet uma chácara em um local afastado do interior de outro estado e correndo o risco de levar um golpe do destino fechou negócio de compra deixando seu advogado encarregado dos trâmites legais para esse fim. Contratou os serviços de uma empresa de mudanças e agendou o dia da sua partida. Iria embora sem dizer nada a ninguém, sem se despedir, sem adeus! Não havia mais razão alguma para ficar, não era mais necessário na vida do seu filho, não tinha mais família que se importasse com ele, não tinha mais serventia para alguém, como um produto que expirou o seu prazo de validade! Sendo assim, não havia mais o que fazer a não ser tentar sobreviver em outro local longe de tudo e todos.
Dizem que aquilo o que os
olhos não veem, o coração não sente!
A sua mudança foi na frente enquanto ele ficou para resolver algumas questões que ficaram. Foi até o bairro onde o filho morava com a mãe dele e sua avó e o viu sentado no quadro da bicicleta conversando com alguns amigos na praça em frente à igreja matriz. Estava lindo como sempre foi, havia adquirido músculos que deixaram seu corpo tão belo como a escultura de mármore de “David” talhada habilmente pelas mãos de Michelangelo. Seu sorriso era vasto enfeitando seu rosto imberbe e embelezando o ambiente ao seu redor. Seus cabelos estavam bem cortados e penteados com graciosidade, a camiseta estava jogada no seu ombro e o celular preso no elástico da bermuda azul de tecido mole que usava deixando á mostra um par de pernas fortes como as colunas do templo de Atenas. Ele estava bem, seu pai, não!
Seu coração estava acelerado e um sangue aquecido percorria as suas artérias fazendo-o ligar o ar-condicionado do carro, colocou a sua playlist para tocar enquanto colocava seu óculo de sol para não demonstrar seus olhos vermelhos pelas lagrimas que chorara durante esse tempo. Olhou mais uma vez o seu filho querendo correr ao seu encontro e se jogar em seus braços.
Queria beijá-lo, sentir seu calor de parceiro, de filho, de amigo. Queria ser completado com o amor do seu filho que tanto lhe fazia falta. Queria voltar a ser seu pai, não um pai na legalidade impositiva da lei, mais um pai que seu coração pedia para ser, um pai que sempre foi. Queria tantas coisas mais não podia mais nada, não era mais aceito e a dor da rejeição havia inflamado a sua alma arrancando-lhe toda a coragem que restou. Ligou o seu carro e partiu devagar ouvindo o hino “Lembranças” da banda “Altos Louvores”. Partiu sozinho rumo ao seu claustro final, rumo ao seu recomeço de solidão final.
Partiu sem a sua alma, sem a sua completude. Olhou mais uma vez o seu filho e abençoou a sua vida.
- Fica bem filhão. Que o Deus em sua infinita bondade te cubra de benção e que seu caminho seja prospero e feliz. Eu te amo mais que tudo meu amor, meu pequeno guerreiro. Feliz aniversário meu parceirinho! Dizia baixinho como se estivesse com medo de que o vento roubasse o som da sua voz e levasse suas palavras ao ouvido do seu filho! Lembrou-se do seu aparelho de celular antigo que estava no porta-luvas do carro, abriu, pegou e ligou o mesmo. Havia uma mensagem no Whatsapp do seu filho que dizia.
- Oi pai, obrigado mais não precisa se preocupar comigo. A minha mãe fez uma festa de aniversário para mim na casa da tia Eva, mesmo assim, obrigado. Encostou o carro na frente de uma loja de roupas infantil, debruçou a cabeça no volante do carro e chorou a sua despedida solitária de abandono.
Partiu sozinho sem se
despedir, sem dizer adeus!
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