domingo, 1 de setembro de 2024

MEU CORPO, MEU PATRIMÔNIO

Por Paulo Cezar S Ventura (Nova Lima, MG)

Sabemos que o corpo cresce, encolhe, se fortalece, se enfraquece, se enruga, e desaparece.


Na escola primária (nome antigo do Ensino Fundamental I) aprendíamos que o corpo humano tem três partes: cabeça, tronco e membros. Por mais didática que seja essa divisão, espero que as crianças de hoje aprendam de forma diferente, pois o corpo não tem partes, é uno: corpo humano.

Enquanto vivos estamos, esta entidade à qual podemos dar o nome de sujeito, ser humano, ou outro, conforme informações culturais e espirituais de cada povo, usamos esse corpo como agente de conexão com o universo.

Entre o corpo e o universo, coisas, artefatos, objetos,
energia, técnica, tecnologia, ciência, cultura, outros corpos.
Corpo-sujeito, corpo-artefato.

Depois de nossa morte, esse corpo se degenera e o que permanece é fruto de especulação desde que o homem existe e não temos, até hoje, uma resposta categórica do legado de nossa existência.

Cada povo, cada cultura, cada comunidade tem suas teorias e crenças. Mas o que sabemos mesmo é que, desde que nascemos, esse corpo se modifica: cresce, encolhe, se fortalece, se enfraquece, se enruga, e desaparece.

Então, o que temos, à primeira vista, é nosso corpo. Nosso corpo, feio ou bonito, é nosso maior patrimônio. É ele que nos conduz por esta vida lapidada, ao longo dela, por nossos pensamentos, aprendizados e atitudes. Por isso, todo cuidado e atenção com ele é pouco.

Os profissionais que trabalham, estudam e pesquisam o envelhecimento são maioria, talvez unânime, em afirmar que se o corpo para a mente também declina. Darei um exemplo, de pessoa de meus relacionamentos, que corrobora a informação.

Jordelina era uma atriz, muito ativa, que foi envelhecendo junto com os colegas de seu grupo de teatro. Apesar da idade, eles ensaiavam e atuavam em teatros, escolas, hospitais e até em presídios. Jordelina foi ficando surda e mesmo assim não perdia as cenas nem seus momentos de nelas entrar.

Com o tempo o grupo foi diminuindo porque vários dos atores e atrizes foram saindo de cena, até que a instituição financiadora desistiu e extinguiu o grupo. Jordelina entrou em depressão e, beirando os noventa anos, quietou-se em casa. Perdeu a motivação.

A morte do marido e a pandemia de covid-19 a paralisaram de vez. Foi obrigada a ficar quieta em casa e sem a presença constante de filhos e netos. A artrose tomou conta de suas articulações e ela caminha muito pouco e devagar, com a ajuda de um andador. A cabeça, evidentemente, também parou no tempo. Não reconhece as pessoas, suas intermináveis histórias deixaram de ser contadas.

O que aconteceu com ela confirma as previsões, confirma uma frase que ela mesma, Jordelina, sempre dizia a suas amigas de mesma idade:

“Velho que não anda, desanda.”
(Jordelina)

Diante do que venho presenciando em todos esses anos de convivência com Jordelina, comecei a estudar um pouco mais a relação entre corpo são e mente saudável. Sempre fui adepto e praticante de atividade física e de alguns esportes em particular. Joguei futebol durante mais de quarenta anos, pratiquei remo em canoa e individual, durante alguns anos, corrida de rua e, claro, pedalei desde bem moço. Minha maior aventura na bicicleta foi pedalar de Londres a Paris em sete dias.

Viver é como andar de bicicleta,
se você para se desequilibra.
(Paulo C. S. Ventura)

Diante das evidências científicas e dos relatos dos profissionais do envelhecimento, continuo com minhas caminhadas, pequenas corridas, musculação. Já que pernas fortes e músculos rijos são requisitos para uma longevidade plena de memórias, pratico todos os dias, seguindo o lema: “força na panturrilha” e “quanto mais serotonina, menos Neosaldina.”

Além disso, as caminhadas são ótimas para a prática da meditação ativa, em que a gente se conscientiza das dores do corpo e da alma e trabalha para eliminá-las. Tudo acontece nos movimentos, mas a gente mesmo tem que ser a força motriz do movimento.

A sabedoria está em saber o que se faz com a dura realidade: abrigar-se de temporais, modificar o curso das coisas, lidar bem com os maus resultados e com o inesperado. E a chave é saber olhar adiante, como o enxadrista que pensa no movimento imediato em função daqueles que se seguirão.

Tempo que se eterniza no movimento,
que se sincroniza,
e se desmancha nesse corpo que dança.
(Paulo C. S. Ventura)

Paulo Cezar S Ventura

Graduado (UFMG) e Mestre (USP) em Física, e Doutor em Ciências da Comunicação e da Informação, pela Université de Bougogne, em Dijon, França. Exerceu a profissão de professor, no CEFET-MG, onde dirigiu o LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte. Hoje se dedica à literatura e se identifica como poeta, cronista, contista e editor da Rolimã Editora Ltda. Autor de diversos livros. Participa do Movimento Vidas Idosas Importam e é membro da Academia Novalimense de Letras. pcventura@gmail.com - @paulocezarsventura

 

Um comentário:

  1. O que o Paulo descreveu, é verdade, todos nós vamos declinar com a idade, porque o tempo é implacável.
    Manoel Ianzer

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