Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)
A natureza é um manancial de
recursos para a vida. Ao nos aproximarmos dela cometemos um imenso paradoxo,
porque nos aproximamos do que nunca deveríamos ter nos afastado.
A modernidade é algo
maravilhoso pelas suas facilidades. Mas a vida é um ciclo e muitas vezes o
ultrapassado de antes passa a ser visto como o moderno de hoje.
Seja como for, na saúde, na
alimentação, nas utilidades do dia a dia, nas construções e uma infinidade de
necessidades humanas, a natureza está ao alcance das nossas mãos como um
presente eterno para quem se permite saber usá-la.
A propósito, nós somos
natureza e por isso deveríamos nos respeitar um pouco mais, sermos mais
colaboradores em um estado de comunhão perfeita, em que os recursos de um
sirvam às necessidades do outro e vice versa sem excessos. Tudo tem um tempo e
um saber, um momento perfeito de uso e entrega.
Em meu trabalho de
encadernador busco essa reaproximação com a natureza, seja a partir dos
processos, seja a partir das matérias-primas ao perceber onde e como
determinado material pode ser utilizado sem agredir o ciclo da vida ou, pelo
menos, agredir o menos possível.
Já como escritor, sou um
contador de histórias e pretendo, ao unir esses dois ofícios, escrever novas
páginas a partir dos ensinamentos passados e resgatar legados que já moram
dentro de nós.
A própria história da
encadernação nos mostra como isso é possível. Ela é um exemplo literalmente
vivo de como vários recursos estão disponíveis aos olhos de um observador mais
cuidadoso.
Não por acaso, a primeira
forma de papel conhecida é o papiro, uma espécie de planta que crescia nos
pântanos do delta do Nilo no antigo Egito. O caule era retirado com bastante
cuidado em forma de tiras, que eram estendidas em camadas sobrepostas. Pressionadas,
formavam-se folhas e as mesmas eram polidas com pedras ou conchas e podiam ser
enroladas. A escrita se fazia em apenas uma face da folha.
O mesmo acontecia com folhas
de palmeiras do Tibete. Escribas budistas escreviam nessas folhas, que eram
secadas e cortadas em tiras. A inscrição era feita com uma espécie de estilete.
As folhas eram perfuradas, unidas com fios e acondicionadas em pranchas de
madeira.
Muito se evoluiu. Dos papéis
enrolados, chamados de volumen, chegamos ao códice com páginas
individuais ligadas em apenas um lado, nascendo, assim, a lombada e
consequentemente os primeiros livros e cadernos tais quais os conhecemos até
hoje.
As capas eram variadas. Podiam
ser pranchas simples ou tecidos decorados. O melhor disso tudo, é admitir que
algo criado há milênios de anos, pode hoje ser altamente moderno.
E foi justamente na busca
dessa inspiração, principalmente da casca da palmeira, que usei para a criação
de algumas capas de cadernos copta. As cascas se desprendem da árvore
naturalmente e ao caírem ainda verdes são recolhidas, moldadas, cortadas e postas
para secar em prensas. Somente depois elas são trabalhadas formando um
resultado extremamente elegante de aspecto rústico e inovador. Passado e
presente juntos novamente.
Este é o prazer maior do
trabalho de encadernação: saber que as possibilidades são infinitas e os
recursos estão tão próximos de nós como sempre estiveram desde séculos
passados.
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