domingo, 1 de setembro de 2024

O CICLO DA VIDA E A ARTE DA NATUREZA

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

 

A natureza é um manancial de recursos para a vida. Ao nos aproximarmos dela cometemos um imenso paradoxo, porque nos aproximamos do que nunca deveríamos ter nos afastado.

A modernidade é algo maravilhoso pelas suas facilidades. Mas a vida é um ciclo e muitas vezes o ultrapassado de antes passa a ser visto como o moderno de hoje.

Seja como for, na saúde, na alimentação, nas utilidades do dia a dia, nas construções e uma infinidade de necessidades humanas, a natureza está ao alcance das nossas mãos como um presente eterno para quem se permite saber usá-la.

A propósito, nós somos natureza e por isso deveríamos nos respeitar um pouco mais, sermos mais colaboradores em um estado de comunhão perfeita, em que os recursos de um sirvam às necessidades do outro e vice versa sem excessos. Tudo tem um tempo e um saber, um momento perfeito de uso e entrega.

Em meu trabalho de encadernador busco essa reaproximação com a natureza, seja a partir dos processos, seja a partir das matérias-primas ao perceber onde e como determinado material pode ser utilizado sem agredir o ciclo da vida ou, pelo menos, agredir o menos possível.

Já como escritor, sou um contador de histórias e pretendo, ao unir esses dois ofícios, escrever novas páginas a partir dos ensinamentos passados e resgatar legados que já moram dentro de nós.

A própria história da encadernação nos mostra como isso é possível. Ela é um exemplo literalmente vivo de como vários recursos estão disponíveis aos olhos de um observador mais cuidadoso.

Não por acaso, a primeira forma de papel conhecida é o papiro, uma espécie de planta que crescia nos pântanos do delta do Nilo no antigo Egito. O caule era retirado com bastante cuidado em forma de tiras, que eram estendidas em camadas sobrepostas. Pressionadas, formavam-se folhas e as mesmas eram polidas com pedras ou conchas e podiam ser enroladas. A escrita se fazia em apenas uma face da folha.

O mesmo acontecia com folhas de palmeiras do Tibete. Escribas budistas escreviam nessas folhas, que eram secadas e cortadas em tiras. A inscrição era feita com uma espécie de estilete. As folhas eram perfuradas, unidas com fios e acondicionadas em pranchas de madeira.

Muito se evoluiu. Dos papéis enrolados, chamados de volumen, chegamos ao códice com páginas individuais ligadas em apenas um lado, nascendo, assim, a lombada e consequentemente os primeiros livros e cadernos tais quais os conhecemos até hoje.

As capas eram variadas. Podiam ser pranchas simples ou tecidos decorados. O melhor disso tudo, é admitir que algo criado há milênios de anos, pode hoje ser altamente moderno.

E foi justamente na busca dessa inspiração, principalmente da casca da palmeira, que usei para a criação de algumas capas de cadernos copta. As cascas se desprendem da árvore naturalmente e ao caírem ainda verdes são recolhidas, moldadas, cortadas e postas para secar em prensas. Somente depois elas são trabalhadas formando um resultado extremamente elegante de aspecto rústico e inovador. Passado e presente juntos novamente.

Este é o prazer maior do trabalho de encadernação: saber que as possibilidades são infinitas e os recursos estão tão próximos de nós como sempre estiveram desde séculos passados.

 

 

 

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