Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
Somos paradoxos,
Mas como é curioso...
Quando nós aceitamos! Mudamos!!
Se pararmos para pensar,
A nossa cura, nem sempre é prática,
Ou filosófica
Fabiane Braga Lima
Entre idas e vindas, de uma vivência reclusa, na segurança mais que segura de uma rotina rígida, com horas marcadas para se fazer sempre as mesmas coisas. Era assim a minha vida, pelo menos de segunda-feira à sexta-feira, com pequenas aventuras domésticas aos finais de semana, aventuras que se resumiam a aventuras gastronômicas e idas ligeiras nas casas de amigos dos meus pais. Ou pequenas recepções formais e informais aqui em casa.
Falo na minha primeira infância, é claro, pois na adolescência, como na maioria dos casos, criamos asas e damos os primeiros voos rebeldes. E comigo não seria diferente e muito particular mesmo, pois viver em uma cidade sazonal, uma cidade balneária. Um agito só no verão, onde uma inundação de turistas invade a cidade e no resto do ano quase nada acontece. Sem falar nos efêmeros feriados prolongados.
Foi quando descobri uma empresa de transporte coletivo intermunicipal, consegui um bloco de passagens escolares de ônibus, como consegui? No mercado negro é claro, com aqueles velhinhos aposentados que vivem parados nos pontos de ônibus reforçando o minguado salário de aposentado, vendo passes de ônibus. Então eu ia e vinha no entre cidades, cinco a bem da verdade, eu fazia isso completamente sozinha e na baixa temporada. Ali tive contato com pessoas de verdade, não atores e atrizes de baixo orçamento dos quais era obrigado a viver e conviver.
Vi novas paisagens, lugares diferentes e comi em lugares de baixo orçamento, presenciei situações inusitadas e novas personagens interessantes. Um deles foi um condutor, o Sebastião, ou Tião para os íntimos, nome fictício é claro, os iguais se reconhecem e de cara nós nos entendemos bem. Tião um motorista multiversado em várias categorias de CNH, carteira nacional de habilitação de motorista e também versado em espanhol e arranhava no inglês. O danado conhecia bem boa parte do país e muito bem a região em que vivíamos.
Ressalto aqui uma situação que o boa praça enfrentou, divertido e trágico ao mesmo tempo. Em um dia de semana de muito calor e sol a pino, eis que adentra no ônibus intermunicipal um típico turista acidental. Com cara de surfista australiano, perdido nos trópicos, loiro, olhos verdes, corpo atlético e bronzeado, com direito a camisa florida, short barato, óculos escuros comprados em lojas baratas, as tais armadilhas de turistas, chinelos baratos nos pés. Na minha análise fria parte errada e parte certa.
O cidadão do mundo, pois o jovem adulto falou com um bom português com um leve sotaque de quem passou um bom tempo no estrangeiro. E como eu estava na traseira do ônibus o dito cujo disse, com muita empáfia que tinha dinheiro na carteira e não iria pagar a passagem. Um adendo aqui, o cobrador não ficava sentado, complacentemente em uma cadeira tendo à frente uma catraca. O sujeito, circulava pelo ônibus, coletando dinheiro e passagens previamente pagas, anotava em um bloco e dava um canhoto que o dávamos para o motorista ao descer do ônibus.
Voltando ao relato, o pobre proletário olhou bem para o enorme homem da frente dele, o pobre trabalhador sem saber o que fazer olhou perdidamente para o sujeito. Até ele decidir ir até o Tião, o chefe imediato dele, para fazer o que todo o bem funcionário passivo faz, repassa o pepino para o chefe. E lá vem o Tião, com um sorriso de vendedor de uma loja de varejo popular, a poucos metros do sujeito Tião de uma parada, com cara de eu conheço este sujeito. E depois da pequena parada, Tião voltou a andar com uma feição séria, de subgerente de uma loja de varejo popular. Depois do que está havendo meu amigo, o falso surfista australiano repetiu o que tinha dito para o cobrador e disse um texto em anexo: ‘’ ̶ Eu sou o filho do dono! ’’! ̶ Tião devolveu com um: ̶ Olha amigo, eu filho do dono do mundo, mas não tenho nada na vida! Caso o senhor não tenha dinheiro para pagar eu te levo ao teu destino e ficamos por isto mesmo! E o sujeito bateu o pé e repetiu o texto, com mais força! Eu sou o filho do dono da empresa! Gritava o sujeito, claro que a essa altura os curiosos, eu inclusive, estávamos esperando o desfecho da opereta bufa. E não estávamos ligando para o fato do ônibus lotado, e como a maioria era de proletários deu um tom a mais, eles tiveram por fim uma quebra na rotina estafante.
Tião sacou o celular do bolso e ligou para a polícia, e olha como a polícia é mesmo patrimonialista, funciona bem para defender o patrimônio de grandes empresas. Pois não demorou muito e lá estava uma Guarnição Especial de Polícia, o popular tático, que adentrou no ônibus. Então um sargento perguntou o que estava havendo, Tião desenrolou o papo tintim por tintim, o turista acidental repetiu a mesma ladainha, com tom de indignação, dizendo com ênfase que era filho do dono. Entre um cala boca vagabundo, um mata-leão, uma escolta para fora com ônibus e vivas pelos populares, eu inclusive. E vida que segue e o universo se recompôs em um instante e acrescido com uma boa história para narrar no intervalo do cafezinho.
E fiquei curiosa mesmo, para saber se ele, o infeliz, com cara de playboy criado por babas e pós-graduado em shopping-centers e pós-graduado na Disneylândia. E não esperei mesmo, fui ter com Tião um papo rápido e perguntei se ele era mesmo filho do patrão dele. O meu amigo me confidenciou que o guri não era a cara do Renatinho, era a cara do Renato pai, ou seja era a cara do pai do dono da viação. Ou seja, Renato pai, Renato júnior e o Renatinho, um oligarquia viária, emendei com um tu vai ter problemas meu amigo, Tião me olhou como que dizendo: ‘’̶ Vem comigo sua infeliz, que tu vai saber!’
E fui mesmo, passei por vários
pontos para além do meu, cheguei até a rodoviária, ao descer do ônibus Tião
disse para mim não ir longe que não iria demorar muito. E não demorou mesmo, o
chefe de Tião estava esperando e ele nem abriu a boca pois o tal Renatinho
estava atrás do chefe do meu amigo. Renatinho sem meias palavras, inquiriu Tião
que história era está de ele largar o Renato neto, no meio do caminho e
entregue à polícia. Tião em um papo reto fez um relato completo para o Renato
filho, chamado Renato neto, que não estava muito longe. O chefe de Tião, o fez
repetir toda a história, e confesso que presenciar a deus ex-machina não era o
que eu queria. Pois pela cara do Renato filho o nosso antagonista não iria
viajar para Disneylândia nas férias.
Fragmento do livro Do diário
de uma louca, de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e
bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.
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