Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Aqui eu faço mais algumas
considerações sobre a aventura que foi lançar o meu primeiro livro de versos,
lá no início do século XXI. É preciso dar contextos para ser mais claro, era um
lançamento via lei de incentivo à cultura. E como sou funcionário público, sou
quarto escalão da máquina pública local, estou mais que acostumado com os
protocolos estatais. Com o projeto feito, documentações levantadas, projeto
apresentado, projeto aprovado por uma banca avaliadora e conta aberta do banco
público, patrocinador depositados os cobres na conta do banco público. Em um
mundo, não digo perfeito e sim funcional, era editar o livro e prestar contas
para o aparato estatal local. Mas a realidade local não é perfeita e nada
funcional.
E mais um pouco de contexto,
eu não estava sozinho nessa aventura nas belas-letras, eu estava ladeado de um
amigo, um mestre poeta, ele um agente do aparato repressivo do estado, um amigo
de profissão. E ambos passamos pelo mesmo caminho, o mesmo calvário burocrático
estatal. Em suma, lá estávamos nós dois, diante do editor, dono de uma pequena
editora local e o dono da editora, era o nosso produtor cultural que conduzia o
processo.
E tudo estava certo, para
começar a edição dos livros, um grande divisor de águas nas nossas vidas de
duas minorias de poder. E tudo bem poderia ter acabado por aqui, mas não, teve
uma outra nota, uma nota bem ridícula a bem da verdade. Faltava uma última
burocracia, uma autorização para movimentação da conta, a conta bancária aberta
no tal banco público. Assim informou o nosso editor/produtor cultural.
Para os muitos ridículos da
vida, estávamos eu o amigo mestre poeta, estamos ambos na frente do
editor/produtor cultural, no escritório/casa do mesmo. Ele apresentou a nota
final, para darmos partida nas edições dos livros e assim ele disse: ‘’ ̶ Falta
a assinatura do presidente da fundação cultural, para a movimentação das
contas! E geralmente fica na fundação uns 15 dias! ’’ ̶ Disse em total triunfo,
para dois esfarrapados na frente dele. Mais um pouco de contexto aqui, o
editor/produtor cultural, passou também pelo aparato estatal local, mas como um
querubim, ocupando cargos lá nas densas alturas.
Então era um pressuposto, uma
lei não escrita, coisas da microfísica do poder em uma sociedade desigual e
estratificada. Ressalto aqui, não uma frustração, como já disse ambos, eu o meu
amigo poeta, somos membros efetivos do aparato do estado. Então lá fomos para
as densas alturas, nós dois, eu e o meu bom amigo de belas-letras, em punhos
com os nossos respectivos documentos, as liberações para a movimentação das
contas bancárias.
E lá chegamos, na sede da
fundação cultural, ter com o senhor presidente do aparelho cultural da cidade,
um tête-à-tête. E um pouco mais de contexto aqui se faz necessário, a cidade estava
promovendo um grande evento e o senhor presidente do aparelho cultural da
cidade estava muito ocupado. E assim adentramos o aparelho cultural da cidade,
com isso em mente. E sim, era uma correria enorme, com Querubins e Querubinas,
indo e vindo apressados, para cima e para baixo.
Falamos com a chefe de
gabinete do Querubim-mor, apresentamos as documentações para a Querubina. Uma
conhecida nossa, aliás, pois tanto eu como o meu amigo mestre poeta, já
tínhamos percorrido os cenários culturais da cidade e região. Bem como
publicados textos em jornais e revistas, idas em rádios e canais de TVs. Éramos
figurinhas carimbadas e como também tínhamos e temos, no momento que redijo
este texto, parentes na máquina pública.
Querubina então levou os
documentos para Querubim-mor, cometo aqui uma falta grave, com consciência do
fato, ela levou os respectivos documentos para o Cabelinho, assim como ele é
conhecido na cena cultural. O Cabelinho atarefado que estava, em pé no meio da
ampla sala de aparelho cultural, olhou para gente com dificuldades, pois ele
estava sem seus óculos. Reconheceu a gente, levantou a mão como dizendo: ̶
Estes dois? Pela madrugada, me dá uma caneta logo que eu tenho mais o que
fazer! ̶ Ele assinou os documentos e voltou para o trabalho, sem dizer um até
breve.
Documentos assinados voamos
para entregar os papéis para o nosso editor/produtor cultural. E chegamos
rápido na casa editorial, entregamos os documentos para ele e espantado me
perguntou como, como a gente tinha feito tal coisas. Simplesmente disse que o
Cabelinho, tinha assinado os documentos, simples assim. E para os ridículos da
vida, ele me perguntou como eu podia chamar o presidente da fundação cultural
da cidade de Cabelinho. Respondi para ele, por que não? Termino aqui este pequeno
relato desta saga que não termina aqui é claro.
Fragmento do livro Dos
ridículos da vida, de Samuel Costa, contista, poeta e novelista em
Itajaí, Santa Catarina.
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
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