domingo, 1 de outubro de 2023

DOS RIDÍCULOS DA VIDA: AS BELAS-ARTES NA MICROFÍSICA DO PODER II

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

Aqui eu faço mais algumas considerações sobre a aventura que foi lançar o meu primeiro livro de versos, lá no início do século XXI. É preciso dar contextos para ser mais claro, era um lançamento via lei de incentivo à cultura. E como sou funcionário público, sou quarto escalão da máquina pública local, estou mais que acostumado com os protocolos estatais. Com o projeto feito, documentações levantadas, projeto apresentado, projeto aprovado por uma banca avaliadora e conta aberta do banco público, patrocinador depositados os cobres na conta do banco público. Em um mundo, não digo perfeito e sim funcional, era editar o livro e prestar contas para o aparato estatal local. Mas a realidade local não é perfeita e nada funcional.

E mais um pouco de contexto, eu não estava sozinho nessa aventura nas belas-letras, eu estava ladeado de um amigo, um mestre poeta, ele um agente do aparato repressivo do estado, um amigo de profissão. E ambos passamos pelo mesmo caminho, o mesmo calvário burocrático estatal. Em suma, lá estávamos nós dois, diante do editor, dono de uma pequena editora local e o dono da editora, era o nosso produtor cultural que conduzia o processo.

E tudo estava certo, para começar a edição dos livros, um grande divisor de águas nas nossas vidas de duas minorias de poder. E tudo bem poderia ter acabado por aqui, mas não, teve uma outra nota, uma nota bem ridícula a bem da verdade. Faltava uma última burocracia, uma autorização para movimentação da conta, a conta bancária aberta no tal banco público. Assim informou o nosso editor/produtor cultural.

Para os muitos ridículos da vida, estávamos eu o amigo mestre poeta, estamos ambos na frente do editor/produtor cultural, no escritório/casa do mesmo. Ele apresentou a nota final, para darmos partida nas edições dos livros e assim ele disse: ‘’ ̶ Falta a assinatura do presidente da fundação cultural, para a movimentação das contas! E geralmente fica na fundação uns 15 dias! ’’ ̶ Disse em total triunfo, para dois esfarrapados na frente dele. Mais um pouco de contexto aqui, o editor/produtor cultural, passou também pelo aparato estatal local, mas como um querubim, ocupando cargos lá nas densas alturas.

Então era um pressuposto, uma lei não escrita, coisas da microfísica do poder em uma sociedade desigual e estratificada. Ressalto aqui, não uma frustração, como já disse ambos, eu o meu amigo poeta, somos membros efetivos do aparato do estado. Então lá fomos para as densas alturas, nós dois, eu e o meu bom amigo de belas-letras, em punhos com os nossos respectivos documentos, as liberações para a movimentação das contas bancárias.

E lá chegamos, na sede da fundação cultural, ter com o senhor presidente do aparelho cultural da cidade, um tête-à-tête. E um pouco mais de contexto aqui se faz necessário, a cidade estava promovendo um grande evento e o senhor presidente do aparelho cultural da cidade estava muito ocupado. E assim adentramos o aparelho cultural da cidade, com isso em mente. E sim, era uma correria enorme, com Querubins e Querubinas, indo e vindo apressados, para cima e para baixo.

Falamos com a chefe de gabinete do Querubim-mor, apresentamos as documentações para a Querubina. Uma conhecida nossa, aliás, pois tanto eu como o meu amigo mestre poeta, já tínhamos percorrido os cenários culturais da cidade e região. Bem como publicados textos em jornais e revistas, idas em rádios e canais de TVs. Éramos figurinhas carimbadas e como também tínhamos e temos, no momento que redijo este texto, parentes na máquina pública.

Querubina então levou os documentos para Querubim-mor, cometo aqui uma falta grave, com consciência do fato, ela levou os respectivos documentos para o Cabelinho, assim como ele é conhecido na cena cultural. O Cabelinho atarefado que estava, em pé no meio da ampla sala de aparelho cultural, olhou para gente com dificuldades, pois ele estava sem seus óculos. Reconheceu a gente, levantou a mão como dizendo: ̶ Estes dois? Pela madrugada, me dá uma caneta logo que eu tenho mais o que fazer! ̶ Ele assinou os documentos e voltou para o trabalho, sem dizer um até breve.

Documentos assinados voamos para entregar os papéis para o nosso editor/produtor cultural. E chegamos rápido na casa editorial, entregamos os documentos para ele e espantado me perguntou como, como a gente tinha feito tal coisas. Simplesmente disse que o Cabelinho, tinha assinado os documentos, simples assim. E para os ridículos da vida, ele me perguntou como eu podia chamar o presidente da fundação cultural da cidade de Cabelinho. Respondi para ele, por que não? Termino aqui este pequeno relato desta saga que não termina aqui é claro.

Fragmento do livro Dos ridículos da vida, de Samuel Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

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