domingo, 1 de outubro de 2023

"DEUS TE LIVRE, LEITOR, DE UMA IDEIA FIXA" - ASSIM DISSE BRÁS CUBAS

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

 

Machado de Assis foi, se não o primeiro, sem dúvidas o principal responsável por fazer explodir em mim a vontade de escrever. Mas volto a Machado por duas razões: primeiro para dizer algo curioso para alguém que, como eu, o tenho como um dos meus pais literários.

O meu primeiro contato com o bruxo foi igual ao de muitas e muitas pessoas, ou seja, traumático. Não tinha como ser diferente. Um pré-adolescente mal saído das fraldas do ensino fundamental, não tem a mínima condição de ler e muito menos de compreender seja lá o que for de literatura clássica, ainda mais em se tratando de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Pois foi justamente esse o primeiro livro de Machado de Assis caído em minhas mãos. Quanta loucura de uma professora ou professor, já não me lembro, mas recordo das noites mal dormidas por achar a literatura um monstro horripilante a puxar-me os pés por debaixo da cama.

Antes de continuar, permita-me um desabafo não muito carinhoso, mas necessário. A literatura é uma escada muito alta e para se chegar até o topo é preciso subir degraus. Não se lança uma criança do primeiro ao último degrau de uma só vez ao exigir a leitura de obras clássicas no início do ensino fundamental. Isso só serve para desconstruir leitores e fazer do aluno e aluna pessoas a odiarem os livros. Deixem, portanto, de arbitrariedade, professores e professoras. Machado de Assis, José de Alencar, Lima Barreto, assim como Drummond, Clarice e tantos nomes maravilhosos das nossas letras, são degraus a serem subidos com calma e inteligência. Seus alunos chegarão lá naturalmente. Caso consigam terão feito o trabalho ao qual foram chamados a fazer. Fim do desabafo.

No entanto, seja pelos deuses ou deusas da literatura ou uma professora mais sensível, preparada e inteligente, fui uma das crianças resgatadas do fundo do abismo. E imagine! Logo o autor que eu tinha tanto para odiar é hoje o meu escritor de referência. E sabe qual o meu livro de cabeceira, aquele revisitado tantas e tantas vezes e assim ainda será outras tantas? Justamente! Memórias Póstumas de Brás Cubas.

 

Como não ficar fascinado, não com um autor defunto, “mas com um defunto autor para quem a campa foi outro berço”? Imaginar um personagem voltar do além para contar as suas histórias enquanto aqui vivia, além de inspirar-me outros causos e memórias, fez tudo passar a ter sentido, inclusive os capítulos outrora indecifráveis. Não, não foi de uma hora para outra, foi necessário ser conduzido, e bem conduzido, como eu disse há pouco, por uma mestra. E quando eu consegui vislumbrar tal obra de arte, eis que acontece comigo o mesmo ocorrido a Brás Cubas: uma ideia fixa! Valha-me Deus! “Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa”, assim disse Brás Cubas ao cabo do capítulo IV de suas memórias. Para saber qual é, vá, pois, ao capítulo e ao romance. Aqui expressarei a minha ideia fixa, tão fixa que convivi com ela durante anos. Tempo suficiente para sentir-me preparado, embora saiba do longo caminho a percorrer de agora em diante.

O que estou a dizer?

Aqui vai a segunda razão! Algum tempo hesitei se deveria ou não reescrever Memórias Póstumas de Brás Cubas em haicais! Aí está, sem mais nem menos. Minto, vou um pouco além para que perceba a loucura em que me meto.

Haicai é um micro poema de apenas 3 versos, ao perfazer um total de 17 sílabas gramaticais ou poéticas, sendo o primeiro verso de 5 sílabas, o segundo de 7 e o terceiro novamente de 5, salvo algumas regras permitidas pela nossa Língua Portuguesa. Ora, reescrever todo o romance em poesias minúsculas, com início, meio e fim, parece pouco se não fossem 160 capítulos, curtos na verdade, uma das características do Realismo, mas lá se vão algo em torno de 200 páginas…

Não sei quanto tempo levarei nessa empreitada, mas sei como é prazeroso um desafio literário. O melhor disso é conviver de perto com este ícone das nossas letras, lê-lo, relê-lo, ler novamente e sorver de sua pena a arte mais pura e genuína, transformando-a em algo a poder conduzir naquela escada cheia de degraus alguém a ser salvo ou salva do fundo do abismo…

Minha escrita terá outros suportes antes do livro. Aqui deixo, em vídeo, o primeiro capítulo, onde se trata do óbito do autor.





 

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