Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Cassilda
minha querida irmã, espero do fundo do meu coração, que estejas bem. Eu não
poderia começar esta carta não sendo irônica, mas realista, pois a realidade
sempre se impõe. Pois a realidade é o pior de todos os pesadelos noturnos, pois
de um pesadelo noturno a gente acorda com raiar da luz do dia.
Estou
sendo irônica, por te mandar uma carta, neste tempo de avalanche tecnológica,
de comunicação instantânea digital em que vivemos. Agora uso a velha
tecnologia, papel e caneta, te envio uma simples carta selada. Para nós que
chegamos nos grandes centros urbanos. E que nos embriagamos pelas ofuscantes
luzes da cidade, os arranha céu, com os seus vai e vem de veículos motorizados,
gentes andando por todos os lados.
Sim Cassilda, eu não confio nas novas
tecnologias digitais, não por hora, mas não amaldiçoo estas novas ferramentas.
Mas o tempo presente pede que eu utilize estas ferramentas arcaicas. Lentas,
inocentes e orgânicas, como era no nosso tempo travesso de meninices, de pés descalços,
nas nossas brincadeiras de amarelinha e subidas em árvores, na nossa pobreza
interiorana em tempos da infância.
Cassilda minha irmã, eu não tenho boas
notícias para te dar, você já sabe o que encontrei aqui no centro urbano, aqui
no litoral? É a mesma história que estávamos acostumadas a ouvir. Pois é sempre
assim, com os nossos parentes e amigos próximos e distantes, quando migram e
emigram, para longe, nos grandes centros urbanos e para fora do país. E voltam
para casa, para visitar somente, ou cansados depois de se aposentarem ou mesmo
em fracasso total.
Cassilda minha querida irmã, só
posso dizer por hora, que aqui em meio ao aço e o concreto e passeios em bem
cuidados jardins floridos, aqui aprendi que grandes catástrofes, precedem por
pequenas e ínfimas tragédias. Falo de uma infestação, de uma praga, que começou
não nas altas rodas sociais, de gente endinheirada, da burguesia, dos
abastados. Não ganhou as páginas digitais dos grandes jornais e revistas, de
portais de notícias e canais de TVs, rádios pequenas e grandes e nem nos
pequenos jornais impressos de bairros. Chamaram de Novo Éden, Sonho Amarelo,
Nuvem branca e tantos outros nomes estranhos aos nossos ouvidos, uma nova droga
sinctética e muito barata. Logo depois tivemos as mortes repentinas, os
internamentos forçados, em retiros, em clínicas, hospitais psiquiátricos,
comas, as prisões arbitrárias, os suicídios e toda a sorte de agressões
violentas, dentro e fora de casa.
Tudo aqui na porta da minha casa Cassilda,
vizinhos próximos e distantes, penso em sair daqui logo e voltar para casa.
Escrevo esta carta, minha irmã, pois não sei do amanhã, mas me parece que uma
nuvem negra, que se avizinha no horizonte. Vem uma tempestade terrível por aí.
Da sua querida irmã Camilla.
Fragmento do livro: Sono
paradoxal, de Samuel da Costa.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
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