Por Paulo Cezar S. Ventura (Nova Lima, MG)
A
rápida conversa com Maria fez-me pensar sobre a solidão dos humanos, mais
particularmente a solidão das pessoas idosas.
Ao
atender um chamado no portão de minha casa, encontrei uma senhora idosa que
trabalha como faxineira em uma casa vizinha, onde se reúnem alguns senhores uma
a duas vezes por semana. Ela aparece quase todos os dias para fazer a limpeza,
com sua morosidade crônica. Quase oitenta anos, com um braço semiparalítico,
seu trabalho é, na verdade, uma forma dos frequentadores da casa cuidarem dela.
Porque ela é sozinha.
Ao
vê-la perguntei:
—
Maria, você não está de férias?
Ela
retrucou, divertida:
— Você
pensa que preta, pobre e puta velha sozinha tem férias?
Com um
sorriso ela escancarou vários de nossos preconceitos em uma frase só: racismo, aporofobia,
misoginia e etarismo. E ainda acrescentou a solidão.
O que
contam na vizinhança é que ela tinha uma casa conseguida com seu trabalho na
prostituição e com a ajuda de algumas organizações, inclusive da Igreja. Mas
que suas filhas, quando adultas, entraram em sua casa e a expulsaram. Hoje ela
aluga um quarto na periferia e se cuida sozinha e com a ajuda de alguns,
inclusive dos cidadãos de uma entidade que tem a casa onde ela trabalha.
A
rápida conversa com Maria nos permitiu sorrir aquele sorriso irônico, divertido
pela graça de sua maneira de contar, mas que de engraçado nada tem. Fez-me
pensar sobre a solidão dos humanos, mais particularmente a solidão das pessoas
idosas. Como um pensamento sempre puxa outro, ao abrir o meu Instagram li, na
primeira tela, um artigo publicado online versando exatamente sobre a solidão
da pessoa idosa.
O
artigo comenta sobre um estudo brasileiro sobre a solidão entre pessoas idosas
e suas possíveis relações com as condições de saúde, a prática de exercícios físicos
e até indicadores sociodemográficos, como sexo, idade, escolaridade e moradia.
Em uma
pesquisa baseada em entrevistas a pessoas com mais de cinquenta anos, uma das
perguntas foi com qual frequência a pessoa se sentia sozinha. Quase dezessete
porcento delas responderam que sempre sentem solidão. O que mais nos chama a
atenção nos resultados da pesquisa, é que as pessoas que mais sentem solidão
são mulheres como a Maria da conversa que relato acima: em torno de oitenta
anos, baixa escolaridade, moram sozinhas e têm uma saúde avaliada como ruim. E
com um quadro depressivo grande. Elas são deprimidas por causa da solidão, ou a
depressão as afasta da companhia de outros?
Vocês
sabiam que o maior índice de suicídio no Brasil ocorre exatamente entre as pessoas
com mais de setenta anos? São dados do Ministério da Saúde que produzem esse
alerta e que precisam provocar mudanças no acolhimento a essas pessoas. Vivemos
mais, porém com pior qualidade de vida e sozinhos.
Tudo
isso me faz pensar, evidentemente. Que escolhas posso fazer para não ter um
futuro de solidão e sem qualidade de vida? Por mais que afirmamos que somos o
que pensamos, ou que nossas ações definem o que seremos no futuro, temos também
uma grande sensação de impotência e que nós, pessoas idosas, não somos capazes
de resolver essa situação sem a ajuda de terceiros e sem a ajuda do Estado.
Não
estou sozinho. Envelheço em boa companhia. Minha companheira está a meu lado,
passamos vinte e quatro horas por dia juntos. Apesar disso, nosso destino será
vivermos como dois ursos velhos solitários? Seremos capazes de cuidarmos um do
outro dentro de nossa caverna habitável? Que nem é nossa porque temos dois
históricos de perdas consideráveis, que se somam em uma conta não matemática,
onde um mais um só dá um e meio. Nós dois, somados os meus e os dela, temos
cinco filhos, nenhum “nosso”. Os cinco já existiam e já eram adultos quando nos
conhecemos. E vivem longe de nós física e/ou afetivamente. E, em minha opinião,
eles não são obrigados a cuidarem de nós, por mais que a legislação diga o
contrário. Porque as soluções a esses problemas coletivos não podem ser
individuais, elas precisam ser coletivas também.
As
soluções, ou respostas, individuais aos problemas do envelhecimento são apenas
paliativas. Podemos e devemos nos preparar para o processo com os cuidados com
a saúde através de boa alimentação, bom sono, atividades físicas, atividades
intelectuais, tudo, enfim, que as cartilhas do envelhecimento saudável tentam
nos ensinar. No entanto, como fazer tudo isso se às vezes nos falta o básico?
“Vidas
Idosas Importam” precisa ser mais que um slogan. Precisa passar de mantra a
programa de governo e de Estado.
Paulo
Cezar S. Ventura
Graduado
(UFMG) e Mestre (USP) em Física, e Doutor em Ciências da Comunicação e da Informação,
pela Université de Bougogne, em Dijon, França. Exerceu a profissão de
professor, no CEFET-MG, onde dirigiu o LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência,
Tecnologia, Educação e Arte. Hoje se dedica à literatura e se identifica como
poeta, cronista, contista e editor da Rolimã Editora Ltda. Autor de diversos
livros. Participa do Movimento Vidas Idosas Importam e é membro da Academia
Novalimense de Letras. pcventura@gmail.com -
Nenhum comentário:
Postar um comentário