terça-feira, 1 de agosto de 2023

REMINISCÊNCIAS DE UM PASSADO QUE NÃO PASSOU

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)        

 

Fui encontrar Adérito Muteia, um ícone cult da literatura subterrânea da atualidade, no deck do Café Ivory Tower, em meio de flores negras e as flores vagas, tendo o mar como testemunha. ‘’Nada é de verdade e vivemos em um mundo de mentiras e de doces ilusões, minha querida Clarisse Cristal! ’’ — Confidenciou-me o grande escritor, poeta, ensaísta, crítico de arte e professor africano de literatura moderna e pós-moderna.

            Sim, subterrâneo e com o direto as todas as negras linhas em imaculadas páginas em branco, deste mundo e de outros mundos também. Pois o artista neo-simbolista e neossurrealista luso-africano se escondeu, até a pouco tempo, se resguardava entre vários pseudônimos e heterônimos.

            A obra do pensador Adérito Muteia está distribuída em textos disseminados em várias revistas de pequenas tiragens, jornais obscuros, em livros de tiragens limitadas, livros digitais, textos espraiados em redes sociais digitais e opúsculos. Perguntei sobre o seu obscuro e nevoento passado de luta armada na velha África e no norte da Europa, o professor luso-africano foi enfático: — Fui abduzido das salas de aula que tanto amava e ainda amo, de forma virulenta, fui convocado para luta armada, pela libertação do meu país natal, países irmãos africanos e no norte do continente europeu. Eram tempos da guerra fria, do dito mundo bipolar, do equilíbrio do terror. São coisas do passado, não muito distante, minha querida Clarisse Cristal, de um mundo que já não existe mais e que a tua geração não pode compreender em absoluto! — Desconversou o professor luso-africano, não querendo aprofundar-se em demasiado em fundas vermelhidões de velhas chagas, ainda abertas, que ainda escorrem em rios, de um passado que na verdade não passou. Sobre as suas aventuras e desventuras de guerrilheiro comunista no velho mundo, deixaram profundas marcas na literatura de Muteia.

            Prossigo a entrevista e perguntou sobre a profissão de escritor independente, nos dias de hoje, de escrita cibernética, instantânea e rasa, na era da imagem e da sociedade dos mega espetáculos e a resposta foi enfática: — Escrever é transcender para além das infinitudes, é fugir das obviedades da vida cotidiana! E não conhecer limites algum! — E para definir o que é o mundo em que vivemos hoje o literato assim definiu: — O que é realidade? No mundo de hoje, a realidade é o que a gente quer que ela seja por fim! — E mostrando toda a sua perspicácia e tempo exato, em que as coisas ocorrem, ao antecipar uma pergunta subsequente que estava na ponta da minha língua: — E antecipando a tua inevitável pergunta, respondendo que eu navego, ou melhor flano livremente, entre aos movimentos estéticos simbolista e surrealista. Trafego livremente por estas tendências estéticas, mesmo que esteja fora de moda falar em movimentos estéticos e literários nos dias atuais. E vós digo que para os padrões de hoje, estás duas tendências literárias e estéticas que mais podem representar o que costumeiramente se chama pós-modernidade! E te digo do alto da minha frágil mente difusa, que estes dois movimentos estéticos, um pré-modernista e outro modernista, são as linhas mestres estéticas, que melhor definem o pós-modernismo caótico contemporâneo em que vivemos hoje, o dito mundo liquefeito, como nominou um filósofo do leste europeu!                      

            O catedrático prosseguiu a conferência, me dizendo que no passado, não muito distante da humanidade, a arte escrita, em específico, era produzida no bico da pena, tinta, mata-borrão, papel e iluminada por luzes de velas e lampiões, produzida por poucos e consumida por poucos. E tudo mudou, avançou com o processo da mecanografia, da cultura de massa. Então livros, jornais e revista passam a ser produzidos em larga escala e para uma população cada vez mais maior e urbanizada e o letramento se expandiu a índices nunca visto pela humanidade: — Escritores, e artistas em geral, deixaram o mundo seguro da proteção de poderosos potentados, de reis e rainhas, da elite monárquica e de ricos mecenas. Escritores, e artistas em geral, passaram a servirem e serem sustentados por um público leitor/consumidor de artes, da então nascente cultura de consumo em massa. Isso tudo predominantemente no dito ocidente judaico/cristão e greco/romano no novo e velho mundo. — E em uma divagação sobre passado, presente e futuro, Muteia evoca a Akademos. A academia fundada por Platão, que foi construída nos jardins consagrados em homenagem ao herói ateniense Academus, um dos heróis troianos, da mais que famosa Guerra de Troia (século XII a.C.), que originou o nome Academia.

            Nas palavras de Muteia: — Se no passado mais distante os pensamentos, as dúvidas e as divagações mais profundas eram restritos para poucos, na academia e lugares de meditação. Os atuais avanços tecnológicos, vulgarizaram demais o saber, a tal ponto que promoveu os tolos, os imbecis e os rasos de pensamentos em sábios e catedráticos, que no passado somente falavam para uma diminuta população também de tolos, imbecis e rasos. Mesmo que se de um lado o conhecimento esteja democratizado, pelo menos um pouco mais, há hoje uma enorme biblioteca pública digital e acessível a um crescente público, porém há uma enormecidade de pessoas produzindo muitas inutilidades, promovendo massacres teóricos e banalizando questões seriíssimas.

            Para finalizar esta primeira parte da longa entrevista, com o emérito professor luso-africano Adérito Muteia. E com a promessa, de irmos até o cerne da produção literária do proeminente professor e pôr fim ao semianonimato do literato luso-africano. Ficam muitas perguntas e poucas respostas no ar para serem desenhadas por Adérito Muteia e captadas em um gravador digital e trespassada para o subconsciente e inconsciente meu para depois ganharem vida própria nas páginas da revista da Astro-domo.

 

Fragmento do livro: Em dias de sol e calor, em noite de tempestades e frio

 


 

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