terça-feira, 1 de agosto de 2023

DOS RIDÍCULOS DA VIDA: NOTA DO MEU PEQUENO LIVRO VERMELHO

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

            Dos muitos ridículos dos cotidianos diários, do dia-a-dia dos subsolos das máquinas públicas, geralmente são mais atrozes e muitos rasteiros. Onde chacoalhares de chaves ao ar não deveriam ser nada, não para mim pelo menos, mas tem o elemento remissivo aqui, para elucidar ao menos o quem vem pela frente:  ̶ Estas são as chaves da repartição pública! O senhor está me entendendo?  Estás chaves que são da repartição pública, o senhor me faça o favor de repassar para a outra agente, estas chaves que são da repartição pública. O senhor está me entendendo bem?  ̶  Monólogo monocórdio suprareal dito na alvorada de um novo dia, de forma teatral e pausadamente, proferido há época por uma jovem superiora hierárquica, uma habitante do nível superior, dito para a minha pessoa, eu um habitante mor dos subterrâneos do poder público local.   

         As chaves, chaves são chaves e servem para abrirem e fecharem coisas, portas em geral é claro. Contudo na máquina pública, chaves têm outros pesos, poder puro e simples. Por isto, vezes ou outras, são chacoalhadas no ar, por superiores hierárquicos para os habitantes dos subsolos das máquinas públicas. Aí, eu me recordo de um caso em específico, eu fui convocado, para ir ao último andar da repartição que estou ligado.

      E não é sempre que um membro menor, um elemento efetivo do aparato repressivo é convocado a ir até as densas alturas, da torre de marfim. Eu me lembro bem de eu de trajes civis, diante da lei, sentado diante do meu chefe de departamento, encarando o meu superior. Ele me passou uma tarefa bem simples, eu assumiria um novo posto de trabalho, uma unidade de saúde as beiras de ser inaugurada, localizada na periferia da cidade onde vivo, perto da minha casa.

        E como nada é simples, na dita máquina pública, onde reinam pequenos e pequenas personalidades ditatoriais, onde os poderes simbólicos, no caso aqui são as chaves, não mudam de mãos tão fáceis. Pelo menos as chaves em locais menores, não em pomposos palacetes e finas chapelarias da vida, as chaves representam poder e o passar das chaves remetem a troca de poder.

      Lembro-me de perguntar ao meu superior, um sargento reformado, das chaves, como eu poderia entrar na unidade de saúde sem elas, as chaves? Uma pergunta simples a bem da verdade, o meu superior liga para um dos andares abaixo, um habitante do andar de baixo avisou que não tinham as chaves. Eu insolente que era e ainda sou, ponderei que não assumiria o novo posto, sem elas, as chaves. O meu superior, ponderou que as chaves chegariam às minhas mãos quando assumisse o posto de trabalho. E ponderei de novo, que não assumiria o posto sem elas, as tilintantes chaves suspensas no ar.

            O que se seguiu foi uma saga pelos departamentos da máquina pública e suas linhas auxiliares. Foi o meu superior hierárquico que ligou para a da secretaria de obras, que repassou para um departamento, que solicitou agentes do aparelho supressor do Estado, esse encaminhou o meu superior para um outro departamento de assuntos aleatórios. Esse disse que não tinha as chaves, e repassou a ligação para a secretária de saúde, que repassou para outro departamento de assuntos aleatórios da secretária de saúde. O departamento de assuntos aleatórios da secretária de saúde, disse que não tinha as chaves e repassou para a empresa que estava tocando a obra. O meu superior ligou para a empresa que alguém disse que não tinha as chaves e passou o telefone do mestre de obras que tinha as chaves. O meu superior ligou para o mestre de obras, que disse que não tinha as chaves, esse repassou um número de telefone da empresa terceirizada, que fazia a segurança da unidade de saúde. O meu superior ligou para a empresa de segurança, ele foi informado que quem tinha as chaves era a secretária de obras da cidade. Fechando assim o ciclo das chaves.

        As chaves, que tilintavam em mãos aleatórias, que teimam em não sair de mãos aleatórias, não sem muitos custos, não sem muitas lutas. Sai da sala do meu superior hierárquico, sem as chaves, do meu novo posto de trabalho, sai das densas alturas, com a imagem do meu superior hierárquico vencido por elas, as chaves.

 

Fragmento do livro: Em dias de sol e calor, em noite de tempestades e frio. 

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

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