Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Eu poderia dizer, que vivo os
meus piores dos meus dias e os melhores dos dias. Mas a questão aqui, não sou
eu e sim algo bem maior, aqui eu quero falar brevemente do Haiti, da imigração
haitiana, de uma imigrada haitiana em especial. Do país caribenho e das suas
mazelas, eu posso resumir que o Haiti foi uma colônia francesa, que o Haiti
está localizado nas Antilhas, onde recebeu um leva de pessoas escravizadas
vindo da África.
No século XlX, em uma revolta
das pessoas escravizadas, libertaram o Haiti do julgo dos franceses, de pessoas
brancas europeus e do crime da humanidade a escravidão negra.
Mas, a ideia aqui não é dar
uma magda aula de história ou geografia e vamos resumir um pouco mais, dos
embargos econômicos, devido a libertação do país antilhano, ainda no século
XlX. A extrema pobreza no século das luzes, indo para o século XX, temos a
guerra fria, que impôs ao Haiti o médico e narco-ditador François Papa Doc
Duvalier e depois o filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc no comando do país.
Depois temos o terremoto, que devastou o Haiti, no início do século XXI. O que
era ruim, ficou pior.
Mais uma vez a ideia, aqui não
é dar aulas de história ou geografia, sobre o Haiti. O Brasil recebeu levas e
levas de sobreviventes haitianos, no pós-terremoto, com o status de refugiados
por desastre natural. E na minha cidade não seria diferente, afro-caribenhos negros
e negras retintos tomaram as ruas. Então, nos muitos ridículos da vida, eu
homem negro, membro efetivo do aparato repressivo do estado, eu homem marxista
e exilado, em um dos aparelhos do estado local, em uma região remota da cidade
portuária. Eu conheci acidentalmente e brevemente, uma imigrada haitiana. Ela,
uma mulher negra idosa, refugiada em um país estrangeiro, fazia as suas
caminhadas matinais na via de acesso da minha cidade, onde ficava a repartição
onde eu trabalhava.
Todos os dias, ela pedia em um
português, cheio de sotaque, me dava um bonjour, bom dia em francês pedia, em
português, para usar o banheiro público da repartição. Eu sempre dizia para ela
não pedir para usar o banheiro, porque o banheiro era público e ela não
precisava pedir para usá-lo. A mesma cena se repetia por dias seguidos e depois
por semanas.
A zeladora, que dividia o
subsolo da repartição comigo, ela apelidou a senhora idosa estrangeira de
Bonjour, a haitiana simpática que sorria com os olhos. Mas, teve os tilintares
das chaves suspensas no ar, pois um titânico querubim, o suprassumo da
inteligência, começou a sair das densas alturas e ir ter comigo longas
conversas. Eu devidamente uniformizado, eu um simples ser menor, da sociedade
estratificada, passa parte do meu dia conversando com superior hierárquico.
Logo pensei que a via, problemas no paraíso, lá nas densas alturas. E o meu
exílio não parecia tão ridículo assim.
E eu de longe, pensei como
seria o encontro entre o titânico querubim e a senhora Bonjour! Um desastre à
vista pensei, eu ainda sobre o efeito da aula da querubina, que me apresentou
as chaves da repartição. Um pequeno choque cultural, um mal-estar se avizinhava
ali à frente.
E em uma manhã de um ameno sol
outonal, lá estava o enorme titânico querubim, quedado das densas alturas, Ele
a criatura mitológica, no subsolo da repartição, ele sentado no desconfortável
sofá da repartição. Eu, de pé ao lado da simpática zeladora do aparato do
estado. A senhora Bonjour, adentrou na repartição e quis entrar no banheiro
público, desta vez não teve pedido e nem bom dia em francês. Aos berros o
titânico querubim bradou o que ela queria, o alarde denotava, mais medo que
outra coisa. A senhora idosa se assustou e se encolheu de medo, a zeladora se
assustou e eu intervi, eu disse que ela poderia sim, usar o banheiro público e
que ela não deveria ligar para o titânico querubim e a doce senhora assustada,
entrou no banheiro.
Depois de um breve silêncio
constrangedor, que tomou conta da recepção, eu lembrei das chaves tilintando no
ar e com toda a paciência do mundo expliquei a situação da senhora estrangeira.
Uma senhora idosa, que passou por duas ditaduras cruéis e um grave desastre
geológico, sim as chaves suspensas no ar me ensinaram a lidar melhor com essas
situações.
A senhora Bonjour, usou o
banheiro de forma mais rápida, que o usual, e para surpresa de ninguém ao ver a
estrangeira sair da repartição teve outro brado, o titânico querubim perguntou
como se dizia banheiro em francês. Eu nervoso disse, de orelhada, para o meu
superior que é a palavra que usa no Brasil é toilette.
Constrangimentos a parte, este breve relato revela como nós, homens negros e mulheres negras, somos ridicularizados, bestializados e infantilizados por boa parte dos andares de cima.
Fragmento do livro: Dos ridículos da vida, de Samuel da Costa.
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
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