terça-feira, 1 de agosto de 2023

DOS RIDÍCULOS DA VIDA: BONJOUR, MON CHER!

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


Eu poderia dizer, que vivo os meus piores dos meus dias e os melhores dos dias. Mas a questão aqui, não sou eu e sim algo bem maior, aqui eu quero falar brevemente do Haiti, da imigração haitiana, de uma imigrada haitiana em especial. Do país caribenho e das suas mazelas, eu posso resumir que o Haiti foi uma colônia francesa, que o Haiti está localizado nas Antilhas, onde recebeu um leva de pessoas escravizadas vindo da África.

No século XlX, em uma revolta das pessoas escravizadas, libertaram o Haiti do julgo dos franceses, de pessoas brancas europeus e do crime da humanidade a escravidão negra.

Mas, a ideia aqui não é dar uma magda aula de história ou geografia e vamos resumir um pouco mais, dos embargos econômicos, devido a libertação do país antilhano, ainda no século XlX. A extrema pobreza no século das luzes, indo para o século XX, temos a guerra fria, que impôs ao Haiti o médico e narco-ditador François Papa Doc Duvalier e depois o filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc no comando do país. Depois temos o terremoto, que devastou o Haiti, no início do século XXI. O que era ruim, ficou pior.

Mais uma vez a ideia, aqui não é dar aulas de história ou geografia, sobre o Haiti. O Brasil recebeu levas e levas de sobreviventes haitianos, no pós-terremoto, com o status de refugiados por desastre natural. E na minha cidade não seria diferente, afro-caribenhos negros e negras retintos tomaram as ruas. Então, nos muitos ridículos da vida, eu homem negro, membro efetivo do aparato repressivo do estado, eu homem marxista e exilado, em um dos aparelhos do estado local, em uma região remota da cidade portuária. Eu conheci acidentalmente e brevemente, uma imigrada haitiana. Ela, uma mulher negra idosa, refugiada em um país estrangeiro, fazia as suas caminhadas matinais na via de acesso da minha cidade, onde ficava a repartição onde eu trabalhava.

Todos os dias, ela pedia em um português, cheio de sotaque, me dava um bonjour, bom dia em francês pedia, em português, para usar o banheiro público da repartição. Eu sempre dizia para ela não pedir para usar o banheiro, porque o banheiro era público e ela não precisava pedir para usá-lo. A mesma cena se repetia por dias seguidos e depois por semanas.

A zeladora, que dividia o subsolo da repartição comigo, ela apelidou a senhora idosa estrangeira de Bonjour, a haitiana simpática que sorria com os olhos. Mas, teve os tilintares das chaves suspensas no ar, pois um titânico querubim, o suprassumo da inteligência, começou a sair das densas alturas e ir ter comigo longas conversas. Eu devidamente uniformizado, eu um simples ser menor, da sociedade estratificada, passa parte do meu dia conversando com superior hierárquico. Logo pensei que a via, problemas no paraíso, lá nas densas alturas. E o meu exílio não parecia tão ridículo assim.

E eu de longe, pensei como seria o encontro entre o titânico querubim e a senhora Bonjour! Um desastre à vista pensei, eu ainda sobre o efeito da aula da querubina, que me apresentou as chaves da repartição. Um pequeno choque cultural, um mal-estar se avizinhava ali à frente.

E em uma manhã de um ameno sol outonal, lá estava o enorme titânico querubim, quedado das densas alturas, Ele a criatura mitológica, no subsolo da repartição, ele sentado no desconfortável sofá da repartição. Eu, de pé ao lado da simpática zeladora do aparato do estado. A senhora Bonjour, adentrou na repartição e quis entrar no banheiro público, desta vez não teve pedido e nem bom dia em francês. Aos berros o titânico querubim bradou o que ela queria, o alarde denotava, mais medo que outra coisa. A senhora idosa se assustou e se encolheu de medo, a zeladora se assustou e eu intervi, eu disse que ela poderia sim, usar o banheiro público e que ela não deveria ligar para o titânico querubim e a doce senhora assustada, entrou no banheiro.

Depois de um breve silêncio constrangedor, que tomou conta da recepção, eu lembrei das chaves tilintando no ar e com toda a paciência do mundo expliquei a situação da senhora estrangeira. Uma senhora idosa, que passou por duas ditaduras cruéis e um grave desastre geológico, sim as chaves suspensas no ar me ensinaram a lidar melhor com essas situações.

A senhora Bonjour, usou o banheiro de forma mais rápida, que o usual, e para surpresa de ninguém ao ver a estrangeira sair da repartição teve outro brado, o titânico querubim perguntou como se dizia banheiro em francês. Eu nervoso disse, de orelhada, para o meu superior que é a palavra que usa no Brasil é toilette.

Constrangimentos a parte, este breve relato revela como nós, homens negros e mulheres negras, somos ridicularizados, bestializados e infantilizados por boa parte dos andares de cima.

 

Fragmento do livro: Dos ridículos da vida, de Samuel da Costa.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

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