Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
‘’Deixei para trás tudo que me fazia mal...
Esqueci rostos, traições e mentiras.
Não, eu não mereço isso, nada acrescenta-me.
Bata a porta, deixe
apenas o que é meu, pois lutei por anos.
Agora vá, leve seu silêncio e solidão.
Preciso viver...!’’
Fabiane
Braga Lima
Para
Débora Bonellos a sensação de segurança era absoluta e avassaladora. E o fato
de estar ladeada pelas irmãs, irmãs de escolha própria e não que a natureza a
impôs, Regina Marixas Lemus, Jessica Fernández Valencia. O fato de estarem no
mesmo país e no mesmo lugar, um barco caso de vinte três metros por nove de
largura. Elas não estavam no castelo de proa, tomando finas bebidas e fumando
charutos, como reza os estereótipos, dos narcocorridos da fronteira norte.
Estavam na fronteira sul, em águas temperadas, sentada complacentemente em
poltronas eróticas, feitas sob medida e aguardavam em total silêncio, naquele
porão convertido em quarto de luxo.
Débora Bonellos não soube nem tinha como
saber, que na base da organização que comandava, algo estava acontecendo de
muito grave. Elementos menores, da organização e ligados a ela, estavam
desaparecendo, cometendo suicídios e sofrendo acidentes. Coisas normais no
submundo do crime. Viver é igual a morrer, para quem vive nas ilegalidades,
quando lugares-tenentes começaram a ter o mesmo sim. Pois peças menores, são
facilmente descartáveis e facilmente substituíveis, mão de obra fácil, a farta
e pouco qualificada.
Débora Bonellos, fria em momentos difíceis, logo resolveu estancar a
sangria, a começar por descobrir o que estava acontecendo. Em casos assim,
Débora sempre chamava Íris dos Anjos, descobrir o que estava acontecendo, de
falta e relatar para Débora e somente depois agir. E quando não muito tempo
depois Íris volta e cita somente um nome Eva e foi o bastante para a Débora dar
a ordem para parar a sangria. E Íris assentiu com a cabeça, estavam no barco
casa de Débora, seu escritório na verdade. E o chefe liga para o secretário e
uma comemoração foi marcada, Débora iria aproveitar o embarque do próximo lote
de mercadoria. A parte da mercadoria iria ser despachada por avião, outra parte
do lote navio e uma terceira iria ser despachada via terrestre pela fronteira
ao sul. Experimentar parte do lote não era usual, somente às vezes as três
damas se davam aquele luxo.
Nas
águas turvas e tranquilas do grande rio, uma densa névoa, na fria noite de
outono. Dentro do barco Calibor primeiro, as três jovens senhoras se
entreolharam e entre risos nervosos, estava usando negras máscaras venezianas
de renda preta, estavam ladeadas sentadas em poltronas, estavam seminuas e
estavam na frente de uma escada.
Quanta
a porta acima das escadas se abriu, ebúrneos sorrisos, brotaram nas belas faces
das três jovens senhoras. Lentamente uma espessa névoa, tomou conta do luxuoso
ambiente erotizado. Horrorizadas, pelo que viram, as três mulheres tentaram, se
erguer das poltronas e tentaram gritar, os sons abafados logo foram cessados. E
um álgido silêncio abissal se abateu no ambiente, frias águas barrentas do
grande rio batiam no casco da navegação. E não muito longe dali um hábito
anunciou que um grande navio descia a boca da barra. Assim como uma aeronave
descia seu trem de pouso que tocava a pista e um carro utilitários adentrava
solitário na cidade.
Fragmento do livro Do Diário De Uma Louca, de
Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária em Balneário
Camboriú, Santa Catarina.
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