Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Vivemos
em ecossistemas, criamos laços profissionais e de relações diversas,
superficiais, rápidas e duradouras. Sou um funcionário público, sou membro da
superestrutura, um ecossistema muito particular, a bem da verdade. Eu como um
agente efetivo do aparato repressivo, tenho uma visão muito particular, bem
diferente de quem vivencia a infraestrutura.
Indo
direto ao ponto, sem divagações marxianas e indo direto às ridiculices, lá
estava eu às voltas com um amigo, um colega de trabalho, em vias de se
aposentar. E vi e ouvi em primeiro plano parte dessas agruras e lá estávamos
nós, diante do balcão do nosso instituto de previdência. E diante de nós, não
um querubim e sim um simples recepcionista, habitante do subsolo. E o meu bom
amigo com uma posta cheia de documentos, todos devidamente carimbados,
assinados e reconhecidos em cartórios, prontos para serem protocolados, dar
entrada na aposentadoria.
Eis
que, o habitante do subsolo avisa que a querubina responsável por receber as
documentações estava de férias e iria entrar depois tiraria uma licença prêmio.
E um pouco de contexto aqui, ela tinha vindo de dois meses de atestado, não que
a querubina não tenha direito a atestados médicos, férias e licença prêmio. E
que a única responsável, por receber todas as documentações de entradas de
aposentadorias, estaria sete meses afastada do trabalho. Até lá, todas as
entradas de aposentadorias estariam suspensas e para os ridículos da vida,
tomara que a dita cuja não morra, caso contrário os elementos da máquina
pública local, estariam tolhidos das suas aposentadorias. Daí vem a frase e
denominação desta parcela do ecossistema da superestrutura estatal: tomara que
não morra, caso contrário não haveria ninguém para receber as documentações de
entrada de aposentaria. Assim são denominados alguns querubins e querubinas,
não que na infraestrutura esses seres semideuses e semideusas não existam. É
são mais raros na iniciativa privada e nas máquinas estatais os tomara que não
morra são abundantes.
Bem
que a história da querubina tomara que não morra, poderia acabar por aqui, mas
não, quando a querubina tomara que não morra, voltou para o trabalho, lá foi o
meu amigo, dessa vez eu não estava junto, e ele entregou as documentações para
a querubina tomara que não morra. E ela recebeu de bom grado, analisou todas as
documentações ali mesmo no balão. Ela leu, conferiu, carimbou e devolveu para o
meu bom amigo. Ela avisou que ele deveria levar as documentações para o
burgomestre e o coitado do meu bom amigo e colega do subsolo da superestrutura
perguntou se ela poderia levar a documentação. Mais um pouco de contexto aqui,
as duas superestruturas eram vizinhas, poucos metros separavam os dois prédios.
A querubina tomara que não morra, disse que não, que ele deveria entregar as
documentações e somente de tarde. Era de manhã este drama.
Derrotado
o meu amigo, voltou para casa com as documentações, lidas, analisadas e
carimbadas. Ao dar entrada da documentação do pedido de aposentadoria no
departamento de recursos humanos na superestrutura, o meu bom amigo dá de cara
com a querubina tomara que não morra. Ela recebia as documentações, lia,
analisava e carimbava na parte da manhã no instituto de previdência e recebia
de tarde as mesmas documentações. A querubina tomara que não morra, dava expediente
em duas repartições públicas. O meu bom amigo entregou as mesmas documentações
para que a querubina tomara que não morra e se aposentou meses depois.
Fragmento
do livro: Dos ridículos da vida, de Samuel Costa contista, poeta e
novelista em Itajaí, Santa Catarina.
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
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