quarta-feira, 1 de novembro de 2023

DOS RIDÍCULOS DA VIDA: TOMARA QUE NÃO MORRA!

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

Vivemos em ecossistemas, criamos laços profissionais e de relações diversas, superficiais, rápidas e duradouras. Sou um funcionário público, sou membro da superestrutura, um ecossistema muito particular, a bem da verdade. Eu como um agente efetivo do aparato repressivo, tenho uma visão muito particular, bem diferente de quem vivencia a infraestrutura.

Indo direto ao ponto, sem divagações marxianas e indo direto às ridiculices, lá estava eu às voltas com um amigo, um colega de trabalho, em vias de se aposentar. E vi e ouvi em primeiro plano parte dessas agruras e lá estávamos nós, diante do balcão do nosso instituto de previdência. E diante de nós, não um querubim e sim um simples recepcionista, habitante do subsolo. E o meu bom amigo com uma posta cheia de documentos, todos devidamente carimbados, assinados e reconhecidos em cartórios, prontos para serem protocolados, dar entrada na aposentadoria.

Eis que, o habitante do subsolo avisa que a querubina responsável por receber as documentações estava de férias e iria entrar depois tiraria uma licença prêmio. E um pouco de contexto aqui, ela tinha vindo de dois meses de atestado, não que a querubina não tenha direito a atestados médicos, férias e licença prêmio. E que a única responsável, por receber todas as documentações de entradas de aposentadorias, estaria sete meses afastada do trabalho. Até lá, todas as entradas de aposentadorias estariam suspensas e para os ridículos da vida, tomara que a dita cuja não morra, caso contrário os elementos da máquina pública local, estariam tolhidos das suas aposentadorias. Daí vem a frase e denominação desta parcela do ecossistema da superestrutura estatal: tomara que não morra, caso contrário não haveria ninguém para receber as documentações de entrada de aposentaria. Assim são denominados alguns querubins e querubinas, não que na infraestrutura esses seres semideuses e semideusas não existam. É são mais raros na iniciativa privada e nas máquinas estatais os tomara que não morra são abundantes.

Bem que a história da querubina tomara que não morra, poderia acabar por aqui, mas não, quando a querubina tomara que não morra, voltou para o trabalho, lá foi o meu amigo, dessa vez eu não estava junto, e ele entregou as documentações para a querubina tomara que não morra. E ela recebeu de bom grado, analisou todas as documentações ali mesmo no balão. Ela leu, conferiu, carimbou e devolveu para o meu bom amigo. Ela avisou que ele deveria levar as documentações para o burgomestre e o coitado do meu bom amigo e colega do subsolo da superestrutura perguntou se ela poderia levar a documentação. Mais um pouco de contexto aqui, as duas superestruturas eram vizinhas, poucos metros separavam os dois prédios. A querubina tomara que não morra, disse que não, que ele deveria entregar as documentações e somente de tarde. Era de manhã este drama.

Derrotado o meu amigo, voltou para casa com as documentações, lidas, analisadas e carimbadas. Ao dar entrada da documentação do pedido de aposentadoria no departamento de recursos humanos na superestrutura, o meu bom amigo dá de cara com a querubina tomara que não morra. Ela recebia as documentações, lia, analisava e carimbava na parte da manhã no instituto de previdência e recebia de tarde as mesmas documentações. A querubina tomara que não morra, dava expediente em duas repartições públicas. O meu bom amigo entregou as mesmas documentações para que a querubina tomara que não morra e se aposentou meses depois.

Fragmento do livro: Dos ridículos da vida, de Samuel Costa contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

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