quarta-feira, 1 de novembro de 2023

LUEN: O SUBTEXTO E O SUBDRAMA

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)   

 

Tentei construir uma ponte,    

Para chegar até ele, o vulto,    

Mas seria um caminho sem volta.        

Bom! A ponte poderia desabar e cair!   

Então seria eu apenas um corpo morto 

Caído no chão, por incoerência.         

Fabiane Braga Lima     

 

           Depois de vagar pelo vale perdido da morte e adentrar a luz, Luen pensou que teria um pouco de sossego. Pois as sombras nas negras noites são análogas à morte e a luz do dia tem fortes laços com a vitalidade. A primeira secretária da câmara alta, se recompôs, depois da ofensa não dita, mas escutada em alto e bom som.     

        As duas secretarias executivas, atrás dela, estavam apreensivas, pois Luen, a temida, a admirada e sempre distante, sempre passava pelos subalternos como se eles não existissem. Evellyn, a mais velha de idade e tempo de trabalho, congelou de medo, pois internamente chamou a chefe de preta velha e bruxa velha! Corria pelos subsolos frequentado pelos subalternos que a implacável primeira secretária da câmara alta lia pensamentos. Luen alçou voos altos, sem sequer querer de fato, subir as escadas da sociedade estratificada, em séculos ela, a primeira mulher e a primeira negra, a ocupar um cargo tão alto na estrutura de poder no parlamento. Luen foi além, pois ocupou um cargo meramente decorativo, feito para ser ocupado por estetas insignificantes, pessoas nada funcionais. Luen ocupou o cargo executivo e dali emanou puro poder, construiu pontes, abriu janelas, modernizou as relações e fez tudo isso sem mudar em nada a estrutura de poder. Se a câmara alta, tinha se modernizado em sua funcionalidade, a estrutura secular em nada mudou e Luen fez tudo isso de forma natural. O fez sem erguer bandeiras, como uma militante utópica e se houveram resistências? É claro que houveram e Luen venceu uma a uma, como se fosse uma pessoa com sede de poder. O que ajudou na mística no entorno dela, pois sem uma tropa leal, uma tropa de choque, Luen alocou e realocou as pessoas como se fossem peças em um tabuleiro de xadrez.

Mas agora, as coisas tinham mudado, uma chama cósmica, tinha acendido dentro dela. Como uma explosão de uma supernova que se expande e explode. Foi assim que a primeira secretária da câmara alta, se virou e andou lentamente até Evellyn vestida de forma funcional e elegante. Ela sentado à mesa, brincando nervosa com uma caneta, rabiscando na mesa digital e ela olhando apavorada para a superiora hierárquica. No lado oposto, a poucos metros, a novata jovem Alika, vestida com um uniforme mais colorido e mesmo assim discreto, Alika estava curiosa com o inusitado.    

         Os olhos rasgados e delineados da primeira secretária encaravam os olhos azuis, frios e aterrados de Evellyn que tentou se levantar. Luen, ergueu a mão direita com a palma aberta, subiu até a altura do peito e baixou. Evellyn voltou a se sentar como se a gravidade a ordenasse. Luen enojado com o perfume barato que se misturou com o olor do batom de quinta categoria que Evellyn usava.

        — Sente-se minha querida, não vai demorar muito, a bem da verdade já acabou! — Disse Luen, sem abrir a boca, a voz glacial apavorou a subalterna.

        — Senhora...  

        — Não Evelyn, terás somente sete dias, para o teu luto! — Luen falou aos sussurros, irrompendo a subalterna.

       — Sete dias de luto? — Rebateu Alika um tanto assustada.  

        — Vá! Depois passe nos recursos humanos — Ordenou a primeira secretária.

        Evelyn, pegou bolsa falsificada, estava chorando muito, tentou se erguer, mas não conseguia aos poucos foi se libertando enquanto Luen a observava. Alika sorriu de nervoso, pois poderia ser a próxima. As duas mulheres olharam a teuta correndo em disparada pelo corredor.  

       Ainda no corredor, nervosa, Evelyn recebeu uma mensagem, no receptor auricular bluetooth, um correio de voz, dando conta da morte da mãe, internada em uma casa de repouso barata a poucos quilômetros da capital. A mãe de Evelyn, mulher negra idosa, doente, foi despejada no lugar insalubre pela única filha.


Fragmento do livro Sono Paradoxal de Samuel da Costa, poeta, contista e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

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