quarta-feira, 1 de novembro de 2023

O ALFA E O ÔMEGA: PORTAL TO DOOMSDAY

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


Encontrei as chaves perdidas de papai
Estavam lá, estáticas e bem seguras
Na algibeira interno do meu sobretudo negro
Agora sou eu que não me encontro mais
Acordo pelo amanhã e contíguo a mim
Uma angústia Infinda
De ser uma outra pessoa
 Alheia do que fui até a pouco

 Clarisse Cristal


               Ao recobrar a consciência Grege Sanders percebeu uma movimentação das tropas. O estudante de arquitetura olhou para cima e viu um Zepelim moderno, que lentamente pendia do céu, rumo ao chão. A poucos metros uma guarnição de militares fortemente armados formaram um corredor e uma banda marcial uniforme hussardo estava postada ao lado da coluna esquerda.
            Sanders por fim recobrou totalmente a consciência, olhou para os lados e percebeu onde estava. Parecia que estava em um parque arborizado e muito bem cuidado, um coreto ao lado direito chamou a atenção. O estudante de arquitetura percebeu a fauna noturna no lugar, uma profusão variada de tribos urbanas. O que Sanders percebeu lá estavam os grafiteiros, rappers, grunges, metaleiros, rastafaris, clubbers, cosplayers, andrógenos, Drag Queens, Vintages e entre outros que Sanders não foi definir.
                Andando em grupos heterogêneos, falam uma língua que Grege desconhecia, mas ele percebeu traços da língua francesa, italiana, espanhola e uma variedade de idiomas que Sanders calculou que eram falares mediterrâneos. Uma forte dor de cabeça assolou o estudante de arquitetura e fortes zunidos pareciam querer estourar a cabeça de Sanders. O estudante de arquitetura andou cambaleando, em meio a pequena multidão e todos e todas da fauna variada estava alheia à presença dele.
                Os falares chegaram aos ouvidos de Sanders e começaram a fazer sentido. As palavras Luna, peça de teatro, triunfo, rainha Sibelly Lopez e condessa Fá Rodrigues Butler. Sanders decidiu andar para onde a fauna notívaga estava indo. Caminhavam pela pequena rua arborizada enquanto falavam de filmes, discos, roupas, séries de TVs, programas de rádios e afins. Trocavam fitas cassete, livros de bolso, esboços de desenhos, roteiros para filmes, letras de músicas, broches e afins.
              Sanders ouviu falar das trocas que aconteciam nos trens de monotrilho, depois da avalanche tecnológica, das infestações de drogas sintécticas e explosões de crimes em zonas urbanas e regiões afastadas dos grandes centros urbanos. As viagens nos ultras velozes se transformaram o que seria uma zona de exclusão itinerante, seguras e livres das violências de alta tecnologia. Devido ao magnetismo, poucos artefatos digitais e mecânicos de fato funcionavam nos vagões. Sanders também ouviu os sussurros das outras zonas de exclusão, militarizadas. Onde ocorriam anomalias no espaço e tempo. Então aqueles dois universos se conectavam, se encontravam ali.
              E caminhando para o final da ruazinha, bem iluminada, como em uma procissão, Sanders, o estudante de arquitetura em um vislumbre, foi um a entrada de um portentoso teatro antigo reformado. As colunas jônicas de mármores branca e ricamente detalhadas nas bases e no topo, os exatos trinta e três degraus. Sanders viu duas modernas estátuas de mármore destoando do estilo clássico grego, duas mulheres com rosto masculinizados, olhando em desespero agonizante uma para a outra. Afastadas por três metros, com os braços esticados querendo se unir, Sanders ficou chocado com o realismo da cena, pareciam vivas aquelas estátuas frias mármore.
            Subir as escadas e ver de perto as duas estátuas de tamanho natural reforçou o que Sanders tinha notado, eram mesmo expressivas e realista a agonia nas expressões faciais. Grege Sanders queria conhecer o artista, necessitava conhecer quem concebeu as peças. Ao caminhar Grege viu um enorme portal de madeira Paolo Santo, ricamente entalhado, o estudante se perdeu nos detalhes artesanais da obra. Eram cenas de tribos ameríndias, em cenas de caça e pesca, uma cena em particular chamou a atenção de Sanders, era um homem com traços africanos descendo do céu e na outra cena o ser sobrenatural era adorado como um Deus pelos ameríndios.
            A pequena multidão apreensiva diante do mural entalhado, até o portal se abrir. Sanders parado ficou divagando se entreva ou não no teatro, a pequena multidão passou ao largo do estudante de arquitetura como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Fragmento do livro: Sono paradoxal de Samuel da Costa é poeta, contista e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário