Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Encontrei as chaves perdidas de papai
Estavam lá, estáticas e bem seguras
Na algibeira interno do meu sobretudo negro
Agora sou eu que não me encontro mais
Acordo pelo amanhã e contíguo a mim
Uma angústia Infinda
De ser uma outra pessoa
Alheia do que fui até a pouco
Clarisse Cristal
Ao recobrar a consciência Grege Sanders percebeu uma movimentação das tropas. O
estudante de arquitetura olhou para cima e viu um Zepelim moderno, que
lentamente pendia do céu, rumo ao chão. A poucos metros uma guarnição de
militares fortemente armados formaram um corredor e uma banda marcial uniforme
hussardo estava postada ao lado da coluna esquerda.
Sanders por
fim recobrou totalmente a consciência, olhou para os lados e percebeu onde
estava. Parecia que estava em um parque arborizado e muito bem cuidado, um
coreto ao lado direito chamou a atenção. O estudante de arquitetura percebeu a
fauna noturna no lugar, uma profusão variada de tribos urbanas. O que Sanders
percebeu lá estavam os grafiteiros, rappers, grunges, metaleiros, rastafaris,
clubbers, cosplayers, andrógenos, Drag Queens, Vintages e entre outros que
Sanders não foi definir.
Andando em grupos heterogêneos, falam uma língua que Grege desconhecia, mas ele
percebeu traços da língua francesa, italiana, espanhola e uma variedade de
idiomas que Sanders calculou que eram falares mediterrâneos. Uma forte dor de
cabeça assolou o estudante de arquitetura e fortes zunidos pareciam querer
estourar a cabeça de Sanders. O estudante de arquitetura andou cambaleando, em
meio a pequena multidão e todos e todas da fauna variada estava alheia à
presença dele.
Os falares chegaram aos ouvidos de Sanders e começaram a fazer sentido. As
palavras Luna, peça de teatro, triunfo, rainha Sibelly Lopez e condessa Fá
Rodrigues Butler. Sanders decidiu andar para onde a fauna notívaga estava indo.
Caminhavam pela pequena rua arborizada enquanto falavam de filmes, discos,
roupas, séries de TVs, programas de rádios e afins. Trocavam fitas cassete,
livros de bolso, esboços de desenhos, roteiros para filmes, letras de músicas,
broches e afins.
Sanders ouviu falar das trocas que aconteciam nos trens de monotrilho, depois
da avalanche tecnológica, das infestações de drogas sintécticas e explosões de
crimes em zonas urbanas e regiões afastadas dos grandes centros urbanos. As
viagens nos ultras velozes se transformaram o que seria uma zona de exclusão
itinerante, seguras e livres das violências de alta tecnologia. Devido ao
magnetismo, poucos artefatos digitais e mecânicos de fato funcionavam nos
vagões. Sanders também ouviu os sussurros das outras zonas de exclusão,
militarizadas. Onde ocorriam anomalias no espaço e tempo. Então aqueles dois
universos se conectavam, se encontravam ali.
E caminhando para o final da ruazinha, bem iluminada, como em uma procissão,
Sanders, o estudante de arquitetura em um vislumbre, foi um a entrada de um
portentoso teatro antigo reformado. As colunas jônicas de mármores branca e
ricamente detalhadas nas bases e no topo, os exatos trinta e três degraus.
Sanders viu duas modernas estátuas de mármore destoando do estilo clássico
grego, duas mulheres com rosto masculinizados, olhando em desespero agonizante
uma para a outra. Afastadas por três metros, com os braços esticados querendo
se unir, Sanders ficou chocado com o realismo da cena, pareciam vivas aquelas
estátuas frias mármore.
Subir as
escadas e ver de perto as duas estátuas de tamanho natural reforçou o que
Sanders tinha notado, eram mesmo expressivas e realista a agonia nas expressões
faciais. Grege Sanders queria conhecer o artista, necessitava conhecer quem
concebeu as peças. Ao caminhar Grege viu um enorme portal de madeira Paolo
Santo, ricamente entalhado, o estudante se perdeu nos detalhes artesanais da
obra. Eram cenas de tribos ameríndias, em cenas de caça e pesca, uma cena em
particular chamou a atenção de Sanders, era um homem com traços africanos
descendo do céu e na outra cena o ser sobrenatural era adorado como um Deus
pelos ameríndios.
A pequena
multidão apreensiva diante do mural entalhado, até o portal se abrir. Sanders
parado ficou divagando se entreva ou não no teatro, a pequena multidão passou
ao largo do estudante de arquitetura como se fosse a coisa mais natural do
mundo.
Fragmento do livro: Sono paradoxal de Samuel da Costa é poeta, contista e
novelista em Itajaí, Santa Catarina.
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
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