Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Eu
adornada e adorada
Como
a magnificente deusa rainha
De
ébano
Em
todas as celestiais manhãs
Do
mundo
Ao subir os degraus, das escadas de
saída de incêndio, Luen pensou nos na caminhada que a levava até ali. A saída
de incêndio era o lugar mais obscuro da câmara alta, frio, mal iluminado,
desolado e em um passado não muito distante mal frequentado. Um lugar, usado
para fazer pequenas conclaves, pois sem câmeras de vigilância ajudava para
estas práticas nada republicanas diziam bocas pequenas.
E histórias aterradoras perambulavam
aqueles seis lances de escadas, Luen vasculhou os arquivos da casa do povo e
nada encontrou, somente pequenas menções na tribuna e pilhérias, mencionadas em
voz baixa e captadas pelo sistema de gravação da câmara alta. Mas foi nos
arquivos secretos que ela teve uma vaga ideia que ocorria ali e reforçada em
pasquins baratos e a mídia eletrônica. Casais de amantes, ali foram flagrados e
atos libidinosos, uso de drogas, evidenciado por overdoses e suicídios.
Isso foi em um passado remoto, a
primeira secretária da câmara alta usava as escadarias, para evitar toda a
sorte de gente em corredores abarrotados de gente importante até bajuladores
baratos. Luen entrara pelo subsolo e percorria os lances das escadas, era um
exercício, para ela a princípio. Luen nunca viu nada de mais, somente o cheiro
de mofo, uns incertos e trabalhadores fazendo pequenos reparos e fiscais civis
e militares inspecionando a fuga caso algum sinistro ocorresse na câmara alta.
Bons dias e boas tardes e nada mais entre Luen e essas pessoas.
Naquele dia, naquela manhã de outono seria
diferente, a mulher de meia idade, sobriamente vestida, carregando uma
funcional maleta zero, zero sete de cor bege venceu o primeiro lance, no
subsolo. No andar térreo, o cheiro de mofo, foi substituído por olor de cobre,
de sangue coagulado, Luen se estremeceu de prazer, de um estranho prazer. E uma
sinfonia começou a sussurrar nos ouvidos de Luen, era um alarido de mulher e
Luen a encontrou no segundo lance do andar térreo. Uma mulher jovem, alta e
loura, a primeira secretária calculou que era uma telefonista e a jovem olhava
para o chão ao notar a presença de Luen ergueu a cabeça e perguntou: — Ele
disse pra mim que iria largar a esposa... Ele prometeu! — Luen nada disse,
caminhou e ao chegar perto, leu o nome da mulher, em um broche no lado esquerdo
do colete, Laura. A primeira secretária olhou para os pulsos de Laura, o sangue
jorrava e inundou o chão. — Ele prometeu! Ele prometeu para mim! — Lamuriou a
jovem mulher, Luen olhou profundamente para os olhos vidrados de Laura e Luen
nada sentiu, passou ao lado da mulher e a primeira secretária sentiu uma brisa
álgida naquele lugar insalubre.
Luen prosseguiu sem olhar para trás e
as lamúrias da jovem esvaeceu de forma lenta, conforme a primeira secretária,
ganhava os lances das escadas. Luen estava preparada para o pior do ruim, mas
não para o que acabará por ver. Até um estampido ecoou, o som veio de cima e um
corpo caiu, Luen viu a cena em câmera lenta e reconheceu o corpo em queda. Um
homem de meia idade, muito parecido com um assessor parlamentar, Luen procurou
no seu palácio das memórias e dali lembrou que o assessor mencionou que o tio
trabalhava na câmara baixa. Um homem respeitado, a família toda a bem da
verdade, homens e mulher com respeitosos nomes como funcionários da máquina
pública, o tio de jovem tinha morrido de forma trágica diziam nos corredores
das duas câmaras. E Luen, vasculhou mais profundamente no palácio das memórias,
rumores de dois suicídios, um casal de amantes clandestinos. A mulher ao saber
que o amante não iria deixar da esposa para casar com a amante, esta última se
matou e o homem que caiu em desgraça se matou em seguida.
Luen desejou que o banho de sangue
parasse por ali, mas não parou, pois um andar acima, a primeira secretária
ouviu sussurros e bufares. Ela fechou os olhos e tentou se antecipar ao golpe,
mas não viu nada, somente vultos. E no meio do lance das escadas, Luen olhou
para trás de formas abruptas e viu duas mulheres, uma negra e uma branca,
pareciam prostitutas baratas. As tuas estavam injetando drogas em seus pulsos,
as duas mulheres caíram para trás e deslizaram lentamente pela parede e chão.
Luen viu a vida, se esvair das duas mulheres e um homem jovem esbarrou em Luen
que quase foi ao chão, garoto subiu correndo velozmente, de forma inumana.
Estava vestido como um punk à moda londrina e Luen pode olhar para a face
assustada de jovem, ao passar perto dela, pois o tempo passou lentamente e
acelerou. O bater acelerado do coração do jovem dizia para Luen que ele não
iria longe e não demorou muito, Luen escutou passas que vinham do andar de
baixo, era dois policiais legislativos. Os dois agentes da lei, correram ao
largo de Luen, como se ela não existisse. E a primeira secretária se voltou
para as duas mulheres mortas, as duas mulheres no chão estavam tomadas por
insetos e o forte cheiro dos cadáveres putrefatos. A primeira secretária
reconheceu as duas mulheres, eram Ianka e Isabella, a primeira era a filha do
embaixador de um país do Leste europeu e a segunda era filha de uma consulesa de
um país das Antilhas. Jovens, ricas e entediadas, as duas amigas, frequentavam
o submundo da capital, até serem encontradas mortas. O jovem, que passou
correndo era Boris, filho de professor universitário russo, um linguista
especialista em línguas eslavas, um requisitado tradutor. Um jovem anarquista,
foi preso e deportado.
Luen
sorriu, retomou a marcha e pensou o que a aguardava nos andares de cima. A
primeira secretária, só encontrou sons e olores, uma guilhotina voraz por
sangue foi acionada e o grito da multidão. Um grito em espanhol, fogo bradou o
sargento e o cheiro de pólvora, sangue, carne queimada e corpos em queda.
Ao chegar ao quinto andar, Luen
pensou que se passaram horas desde que começou a fazer a travessia, mas foram
apenas vinte minutos. A primeira secretária, estava em alerta total ao passar
pela antessala, passar entre as secretarias. Uma de frente a outra, uma era o
oposto da outra e Luen escutou a secretária mais velha dizer sem abrir a boca:
— Chegou a preta velha, a bruxa velha! — Luen, que nunca se deu conta da
existência das duas, pelo menos não antes de assumir o posto de trabalho, a
primeira secretária parou enquanto as duas assistentes esperaram e
esperaram...
Fragmento
do livro Sono Paradoxal, de Samuel da Costa.
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