Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Não!
Eu não quero...
O
teu silêncio como resposta!
Tampouco
a sua recusa!
Quero
a minha boca faminta...
Colada
na tua! Quero ouvir...
As
tuas juras de amor eviterno.
Ao
pé de ouvido!
O barulho do salto alto, batendo no
frio chão de mármore, chamava a atenção de todos e todas, austera e dona si, a
mulher exuberante, saindo da meia idade e a caminho da velhice, caminhava com
todo o vigor de alguém no início da vida adulta. Luen não pensava muito, pois o
tempo de meias medidas e meias palavras, em definitivo ficaram para trás.
A responsável pelo cerimonial da câmara
alta, ou seja, conceder títulos e outorga, conduzir as posses, títulos de
cidadãos honorários e comendas, recepcionar toda a gama de autoridades
nacionais e internacionais, que passavam pela câmara alta. Ela, era também, um
dos elos de ligação, entre os três poderes e entre a câmara baixa.
Para quem olhava de fora, era só um
circo pomposo e inútil, mas em um país cartorário, que herdou da monarquia, uma
série de protocolos nada comum em repúblicas modernas. Luen era a cara da
diversidade terceiro mundista, uma linda mulher, negra e de origem no
proletariado, austera e decidida, era a encarnação mais que ideal para o poder
vigente. Luen era um dos primeiros contatos, de pessoas poderosas e nem tanto,
dentro e fora do país, com o poder institucional, com o parlamento, com a
câmara alta.
Ao se aproximar da recepção, uma jovem
mulher, um tanto sem jeito, perguntou para Luen do crachá. Sim, todos os
funcionários e funcionárias portavam seus crachás de identificação e como Luen
sempre usava as entradas VIPs, ela não tinha um crachá de identificação.
E Luen, pensou no protocolo, que ela
mesmo tinha revisado, uma identificação provisória, feito exclusivamente para
elementos de outros poderes e autoridades estrangeiras em passagens breves,
pela câmara alta. E Luen teve que esperar sem nada dizer, esperando que a
funcionária ativasse o protocolo. E sem nada dizer, a jovem estagiária,
entregou o crachá provisório para a chefe do cerimonial da câmara alta.
Luen,
sem nada dizer, seguiu em frente, na mente, a imagem da jovem que ela deixou
para trás, pois ler uma séria de currículo vitae e escolher um alguém, para uma
função é uma coisa. Descobrir se a escolha foi assertiva era outra coisa. E
perambular pelos corredores amplos da câmara alta, um espaço que Luen conhecia
bem, com um crachá temporário, foi uma sensação nova e libertadora.
Seguindo em frente, Luen, longe
divisou Luís, o funcionário mais antigo da câmara alta. Criatura imutável,
sempre fazendo as mesmas coisas, a figura fazia lembrar a Dórian, mas Luen o
conhecia bem, Luís era um visionário, apesar da função subalterna que exercia.
Luen em um devaneio, pensou que se Dórian e Luís trovassem de lugar, ninguém
perceberia a troca.
— Heimdall, o nosso fiel guardião de
Asgard, da ponte arco-íris Bifrost! — Falou alto Luen para Luís, que recebeu a
deferência aterrado.
— Senhora, primeira secretária, eu não
entendo! — Devolveu Luís.
— Cretino! Claro que você me entende
bem! Seja transparente comigo, pelo menos uma vez na vida! Somos iguais! —
Falou friamente Luen, em tom de autoridade, ela falava não no tom de pele, que
ambos dividiam.
— Sim! Senhora secretária, o que a
senhora quer que eu faça? Calculo que seja algo fora do protocolo. — Devolveu o
simples porteiro.
—
Duas coisas, três na verdade! Primeiro faça o seu trabalho e dê uma geral, na
minha pasta! — Ordenou Luen, erguendo a pasta, para Luís, era o meio da manhã,
de um início de semana e não tinha muitas pessoas olhando a cena. Somente uma
zeladora, que limpava a entrada da câmara alta, um estagiário e uma telefonista
de idade avançada, ambos atrás de Luen. E claro, os olhos por detrás dos olhos
eletrônicos, que olhavam a cena, eram do serviço de segurança da câmara alta
vigiando.
— Pronto! Senhora primeira secretária. —
Depois de olhar no interior da pasta zero, zero, sete de Luen.
— Chegará um envelope, daqui a pouco,
quero que recebas, quero que mandes Leroy, o teu sobrinho, levar direto para
mim, na minha sala! No meu gabinete — Falou firme Luen.
— Senhora primeira secretária...
— Sei meu querido Heimdall, foi eu que
revisei o protocolo de segurança, o teu sobrinho, não pode ir até o segundo
andar! —Disse Luen de forma complacente e continuou. — Obedeça, receba o
documento e manda Leroy me entregar em mãos o envelope. Luen, tinha restringido
os acessos em diferentes níveis de poder, quanto mais alto o andar, mais
restrito eram os acessos. Somente naquele momento, Luen sentiu o quesito raça
cor e gênero que as medidas tomadas tinham desencadeado. Quanto mais alto o
nível, mais branco e mais masculino, ficava a cara do andar. Ali no penúltimo
andar, Luan, a mulher negra era a soberana rainha Njinga, a única mulher negra
com poder de mando na câmara alta.
Luen, passou pela catraca, deixando para
trás um pequeno caos, a dita senhora primeira secretária, estaria louca, pois
estava quebrando protocolos que ela mesma tinha revisado. E como ela mesmo,
tinha colocado um adendo, que somente ela a primeira secretária, ou pessoas que
ela delegava poderes, podem ignorar os protocolos em casos especiais.
E a Senhora primeira secretária,
sabia que não demoraria para a aventureira irmã dela, que vivia na velha
Europa, ligar dando efusivos vivas a novíssima postura e a mãe das duas também
ligaria dizendo que estava preocupada com o rumo que a filha mais velha estava
tomando. Mas Luen, a soberana Senhora primeira secretária, da câmara alta,
estava mais preocupada, com o envelope, que chegaria dali a pouco. Um envelope
ebúrneo, contendo a Revista Astro-Domo e em um texto em específico que ali
estava publicado.
Fragmento do livro Sono Paradoxal, de Samuel da Costa, poeta, contista e novelista em Itajaí, Santa Catarina.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
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