quarta-feira, 1 de novembro de 2023

LUEN E DÓRIAN: OS SEGREDOS DO ESPLENDOROSO JARDIM

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

                                                                                              

Ofereço-te afra deidade

Um negro arco-íris

E todas as minhas abissais

E augustas e infinitas dores

 

Depois de se retorceu, ele sentado de frente de Luen, o zunido na mente de Dórian evanesceu lentamente, deixando como vestígio uma leve dor de cabeça. E o professor de literatura comparada, buscou forças, sabe se lá de onde, ergueu a cabeça, abriu os olhos esverdeados e olhou para a esposa. E o que ele viu, não foi a esposa, era uma mulher e desconhecida, ela usava uma interiorana veste negra, de uma nobre europeia do século XXlll, de longos cabelos negros reluzentes, e olhos amarelados e cheios de ódios. A desconhecida, se levantou da cadeira, andou até Dórian, que tentou mexer, mas não conseguiu. 

         — Deixa, eu te ajudar, meu querido! — Disse a mulher em francês provençal, o arpitano, de repente Dórian se lembrou da infância longínqua, de quando a mãe contratou uma corpulenta e entediada professora de francês. O então pequeno Dórian detestava o francês, mas tinha medo da mãe. Foi assim que o pequeno Dórian, resolveu aprender o francês sozinho e então a mãe de Dórian dispensou a sonolenta esposa do cônsul francês. Dórian lembrou do sotaque franco-provençal da velha professora, dos tempos idos da infância.

                        Chegando ao lado de Dórian, a estranha mulher ergueu a mão impondo um delicado lenço de linho egípcio. A dama levou a peça ebúrnea, até a boca de Dórian, ela limpou o lábio do dono da casa. O aterrado doutor professor de literatura comparada, viu sangue no lenço e ouviu a mesma dama, falando em um dialeto Italiano. Ela falava lentamente e com um carinho forçado.

Os olhos de Dórian ficaram turvos, um forte zunido deixou o doutor professor tonto. Ao abrir os olhos, olhou para o lado, a mulher europeia tinha sumido, com a mente mais clara e olhar para a esposa defronte a ele, Dórian não se conteve e foi ao ataque.     

           — O que você está fazendo comigo, sua bruxa maldita? — Disse o marido de Luen, ele com os dentes tremendo.         

           — Eu? Nada meu amor! Só sei que vou ficar em casa hoje! Tenho projetos meu querido esposo, vou voltar a escrever, a compor novamente! — O tom casual e calmo de Luen, enfureceram Dórian. Ver a esposa, pegando um garfo de mesa dourado de bambu natural, uma peça que o dono da casa nunca tinha visto antes. Luen garfou um morango orgânico, a poucos centímetros dela, levou-a um pouco mais distante e mergulhou a fruta vermelha, em uma pequena e delicada taça de cristal. E ela, chafurdou o morango, em iogurte natural e lentamente levou até a boca, fez isso olhando para o marido de forma sedutora. Dórian, nunca tinha visto esse aparelho de café da manhã, o dono da casa, sem saber o motivo, ficou furioso com o gotejar de iogurte na mesa.          

          — Diga-me, minha querida, que pingente é este aí, no teu pescoço? — Falou Dórian com candura para a esposa.   

          — Um presente de aniversário, ganhei faz um bom tempo! E nem sei de quem! — Respondeu mentiu Luen, com candura adolescente.        

          — Conheço o designer, estudei faz tempo, em um grupo de estudos, é um emblema amarelo! — Falou Dórian em bom professoral.   

            Luen se levantou, caminhou até Dórian, beijo rosto do marido e não disse nada. Saiu da sala de estar, com graça, o ploc, ploc, ploc do tradicional chinelo japonês de madeira, de salto duplo, o som chegou aos ouvidos de Dórian, como um pesado martelo, o sobe e desce, marchetando um malho de aço.

Luen cruzou a casa, adentrou no pequeno aconchegante ateliê de Dórian, ela bateu a porta com força. E ela tinha consciência do que estava em curso.      

 Dórian absorto em si mesmo, sentado na sala de estar, ele queria morrer naquela hora e a imagem de esplendoroso jardim primaveril encheu os olhos do doutor professor. Em um lugar à beira mar, que ele nunca tinha visto na vida ou estado antes.

Fragmento do livro Sono paradoxal de Samuel da Costa,  poeta, contista e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

 

 

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