Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
Somos reféns de nossas escolhas
Amedrontados por obscuridades
Servos mundanos de banalidades
Refém de uma teologia neutra…
Fabiane Braga Lima
Do final da opereta bufa, tendo Renatinho terceiro como antagonista, fui tomar
um café com o Sebastião, o Tião para os íntimos. Ocupamos uma cadeira de plástico
em um pé sujo na rodoviária e confesso que é um lugar melhor que os ditos estabelecimentos
chiquetosos, que estava acostumada a frequentar. Sentamo-nos e esperamos, uma
bela mulher negra, com aparência estrangeira veio nos atender, ela anotou os
nossos pedidos e foi embora. Aguardamos em silêncio e não demorou ela trouxe os
nossos bens passados cafezinhos puros.
Perguntei para o Tião se
era sempre assim, o dia a dia dele, pensei que ele iria tirar um cigarro barato
do bolso e dar uma tragada, mas não, ele tirou um cigarro eletrônico e deu uma
tragada discreta. Tião olhou para o lado, como querendo ver se alguém estivesse
por perto.
O motorista de profissão, me deu aquele olhar de quem quer dizer: ̶ Quem és tu?
O que de fato queres comigo? Devolvi o olhar e relatei brevemente quem eu era e
sou de fato, um negro anjo, uma filha dos privilégios de uma classe abastada,
uma querubina como diz o meu amigo Samuel da Costa. Tião me olhou desconfiado,
mas aceitando a minha explicação, ele me disse que vez ou outra apareciam
estudantes e jornalistas em início de carreira ciscando no ambiente que ele
vive. E logo eu o interrompi, dizendo que eu não era da polícia e nem
trabalhava para a empresa de viação e Tião deu uma enorme risada.
O motorista de profissão me confidenciou que era normal, ferrados não terem
dinheiro para pagar as passagens e fiscais da empresa de viação, o interpelaram
ainda dentro do ônibus. Ele sempre dizia para os fiscais, que passava fiado e
que qualquer coisa pagava do próprio bolso.
Como geralmente eram trabalhadores, Tião sempre recebia no final do mês, e
sempre tive a mesma conversa com Renato segundo, dando sempre a mesma
explicação.
Sebastião, me disse também que era motorista de profissão e que tinha várias
categorias e cursos de transportes de direção de produtos perigosos. Ele me
disse uma história, uma passagem ocorrida no Rio de Janeiro, um transporte de
congelado. Logo, pensei em uma favela, cheia de traficantes de drogas bem
armados e eu não estava de toda errada.
Assim ele me
relatou: ̶ Olha menina eu estava no Rio de Janeiro! Eu deveria fazer uma
entrega em um frigorífico, e chegando lá notei que o depósito era dentro de uma
favela. Chegando vi um posto policial, uma barreira, um alívio? Não, um início
das minhas dores de cabeça, pois vi vestígios de incêndios ao redor do posto avançado
da polícia.
De cara
minha querida e jovem amiga, o comandante do posto avançado perguntou para onde
eu queria ir. Como eu dirigia uma carreta de transportes de frigoríficos e
estávamos próximos de um depósito de congelados, logo era uma senha para
propina. Me fiz de João sem braço e falei para onde eu queria ir. Então o
meganha, guarnecido por outros quatros meganhas, homens marombados e fortemente
armados. Para passar, disse o meganha chefe, que eu deveria deixar cinco caixas
de congelados com eles, somente para passar, sem direito a escolta, disse ele.
Eu ainda estava atrás do volante e simplesmente disse que não ia pagar coisa
nenhuma e liguei o motor do meu possante e o policial me disse que eu não ia
longe, não naquele lugar e não com aquela
gente. E que o posto onde eles estavam foi incendiado oito vezes, aí
eu entendo mesmo que eu teria passagem segura.
Dei arranque e não fui longe mesmo, pois vi três homens negros, jovens, pelo
que eu entendi ainda à praia. Parei e os meninos me perguntaram se eu estava
com problemas, eu falei da conversa que tive com os meganhas marombados.
Indignados os meninos fizeram menção de pôr fogo no posto policial de novo. E
pelo que eu entendi os homens da lei causam muitos problemas com as autoridades,
logo perguntei se eles queriam ganhar uma grana e ganhar umas caixas de
congelados se me ajudassem na descarga da carreta. Dei uma grana nas mãos dos
guris, e três caixas de congelados, uma para cada um. Fiz três bons amigos, que
me deixaram boas lembranças. Tenho que ir guriazinha, eu volto para casa e
creio que passou da hora da senhorita voltar para casa antes que escureça.
Termino aqui este relato, dizendo não que eu mudei de concepção de sociedade,
pois não sou alienada e sim tendo uma real noção do mundo em que vivo e mais
preparada também.
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