Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
O mundo se
organiza atrás de conflitos e mudanças constantes, grandes ou minúsculas se
movem e se batem em um ir e vir aos sabores das ocasiões. Resumindo assim um
pensamento corrente dito de formas variadas por vários e grandes pensadores.
Mas como aqui neste pequeno espaço não é um lugar de grandes elucubrações. Pois
nas castas do funcionalismo público sou menor que um amanuense e no mundo do
pensamento acadêmico não sou lá grande coisa.
Agora que todos e todas sabem das minhas limitações atrozes, sou direto ao
ponto. Lá estava eu, um mero agente do aparato repressivo do estado, um
guardinha ali da esquina no popular, guardando e resguardando um aparato
colegiado e fiscalizador do estado.
E antes de mais nada posso decorrer da minha infeliz situação, sou um
paramilitar, tenho um chefe que se denomina comandante. E o que é um
paramilitar? Primeiro o óbvio, trabalho uniformizado, mas não sou militar, ou
das forças auxiliares das forças armadas. E também não sou civil e por fim não
uso armamentos bélicos letais e não-letais.
E a tal sede do aparato colegiado e fiscalizador do estado estava dividido no
meio por outro aparato estatal, mezzo local mezzo estadual, um aparelho de
socorro de urgência e emergência. Eu devidamente uniformizado, emparedado entre
médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras e motoristas socorristas homens e
mulheres de um lado e dos outros agentes do aparato local a qual eu respondia e
também não respondia pois sou de outro aparato.
Com um prédio
pequeno e dividido no meio, por dois entes estatais com funções diferentes, com
horários diferentes, com uniformes diferentes os choques eram inevitáveis. E
relato aqui um em especial, um militar apareceu no prédio e não sei ele viu ou
ignorou a enorme faixa onde dizia em enormes fontes garrafais: Estacionamento
de ambulância! O dito cujo militar de alta patente estacionou o veículo oficial
na vaga exclusiva para ambulância. Problemas a vistas pensei comigo mesmo ao
ver o oficial de patente intermediária, devidamente uniformizado, que subia
saltitante as escadas rumo às alturas do páramos. Foi se juntar o querubim aos
seus iguais semideuses.
E lá vai eu,
encarar os semideuses e bem antes que outros semideuses terminassem de salvar a
vida de algum pobre mortal e voltar para o páramo e verem um dos seus lugares
sagrados ocupados por um veículo oficial de outros querubins. E de eu subir as
escadas até o sacrossanto espaço de querubins e querubinas eu ensaiei bem o meu
discurso e ao ver os dois semideuses querubins conversando animadamente e
ignorar-me por completo. Eu disse ao querubim que ocupou o espaço dos outros
semideuses que ele ocupou um espaço que não era dele e que deveria tirar o
veículo oficial do lugar. Sorrisos sumiram e bocas se calaram, em um silêncio
constrangedor que pairou no ar. Até que o querubim invasor levou a mão até o
bolso do uniforme e tirou dali um molho de chaves.
E antes que ele lançasse o molho de chaves no ar, antes que tilintassem no ar,
levei a mão no e disse que ele mesmo deveria tirar o veículo do lugar. Caras
amarradas, molho de chaves de volta ao bolso, querubim se levantando, se
rendendo uma fácil hierarquia de poder que emanava dos hirtos manuais militares
o homem foi tirar o veículo e estacionar ao lado no lugar devido. E para civis
que se perguntam o que emanava dos hirtos manuais militares eu digo que somente
militares podem dirigir veículos militares e a obediência à hierarquia. E a
hierarquia dizia que quem mandava no subsolo do páramo era eu.
Por hoje é isto, pois os desdobramentos do que veio depois
fica para depois, pois molhos de chaves não pararam de tilintarem no ar e bem
como olhares enviesados de querubins e querubinas para este paramilitar que
escreve este breve relato.
Fragmento do livro Dos ridículos da vida, de Samuel Costa, contista,
poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
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