quarta-feira, 1 de novembro de 2023

DOS RIDÍCULOS DA VIDA: O ESPAÇO PÚBLICO E AS CHAVES QUE TILINTAM E VOAM NO AR

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


           O mundo se organiza atrás de conflitos e mudanças constantes, grandes ou minúsculas se movem e se batem em um ir e vir aos sabores das ocasiões. Resumindo assim um pensamento corrente dito de formas variadas por vários e grandes pensadores. Mas como aqui neste pequeno espaço não é um lugar de grandes elucubrações. Pois nas castas do funcionalismo público sou menor que um amanuense e no mundo do pensamento acadêmico não sou lá grande coisa.
Agora que todos e todas sabem das minhas limitações atrozes, sou direto ao ponto. Lá estava eu, um mero agente do aparato repressivo do estado, um guardinha ali da esquina no popular, guardando e resguardando um aparato colegiado e fiscalizador do estado.

           E antes de mais nada posso decorrer da minha infeliz situação, sou um paramilitar, tenho um chefe que se denomina comandante. E o que é um paramilitar? Primeiro o óbvio, trabalho uniformizado, mas não sou militar, ou das forças auxiliares das forças armadas. E também não sou civil e por fim não uso armamentos bélicos letais e não-letais.
E a tal sede do aparato colegiado e fiscalizador do estado estava dividido no meio por outro aparato estatal, mezzo local mezzo estadual, um aparelho de socorro de urgência e emergência. Eu devidamente uniformizado, emparedado entre médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras e motoristas socorristas homens e mulheres de um lado e dos outros agentes do aparato local a qual eu respondia e também não respondia pois sou de outro aparato.
           Com um prédio pequeno e dividido no meio, por dois entes estatais com funções diferentes, com horários diferentes, com uniformes diferentes os choques eram inevitáveis. E relato aqui um em especial, um militar apareceu no prédio e não sei ele viu ou ignorou a enorme faixa onde dizia em enormes fontes garrafais: Estacionamento de ambulância! O dito cujo militar de alta patente estacionou o veículo oficial na vaga exclusiva para ambulância. Problemas a vistas pensei comigo mesmo ao ver o oficial de patente intermediária, devidamente uniformizado, que subia saltitante as escadas rumo às alturas do páramos. Foi se juntar o querubim aos seus iguais semideuses.
           E lá vai eu, encarar os semideuses e bem antes que outros semideuses terminassem de salvar a vida de algum pobre mortal e voltar para o páramo e verem um dos seus lugares sagrados ocupados por um veículo oficial de outros querubins. E de eu subir as escadas até o sacrossanto espaço de querubins e querubinas eu ensaiei bem o meu discurso e ao ver os dois semideuses querubins conversando animadamente e ignorar-me por completo. Eu disse ao querubim que ocupou o espaço dos outros semideuses que ele ocupou um espaço que não era dele e que deveria tirar o veículo oficial do lugar. Sorrisos sumiram e bocas se calaram, em um silêncio constrangedor que pairou no ar. Até que o querubim invasor levou a mão até o bolso do uniforme e tirou dali um molho de chaves.

           E antes que ele lançasse o molho de chaves no ar, antes que tilintassem no ar, levei a mão no e disse que ele mesmo deveria tirar o veículo do lugar. Caras amarradas, molho de chaves de volta ao bolso, querubim se levantando, se rendendo uma fácil hierarquia de poder que emanava dos hirtos manuais militares o homem foi tirar o veículo e estacionar ao lado no lugar devido. E para civis que se perguntam o que emanava dos hirtos manuais militares eu digo que somente militares podem dirigir veículos militares e a obediência à hierarquia. E a hierarquia dizia que quem mandava no subsolo do páramo era eu.
      Por hoje é isto, pois os desdobramentos do que veio depois fica para depois, pois molhos de chaves não pararam de tilintarem no ar e bem como olhares enviesados de querubins e querubinas para este paramilitar que escreve este breve relato.


Fragmento do livro Dos ridículos da vida,  de Samuel Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

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