quarta-feira, 1 de novembro de 2023

LUEN: O BECO DOS BATISTAS (1ª e 2ª PARTE)

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)              

 

‘’Reconheci o meu erro, ainda estava vivendo em um sonho,         

Ou num delírio, que eu mesma deixei me levar,

Num passado complexo e cheio de mentiras.        

Absurdos, que até uma criança poderia desvendar!!!’’        

Fabiane Braga Lima         

 

         Luen acompanhou com todos os sentidos, Alika virar as costas e partir, o vazio que ficou era mais forte, que as palpitações do coração, da ocupante do cargo do primeiro secretariado, da cama alta. Luen tentou auscultar o que Alike pensava, mas não conseguiu, somente o andar cambaleante da jovem mulher e o perfume de alvas rosas frescas que exalava da moça. A assistente tentou abrir a porta e não conseguiu, só abriu na terceira tentativa.            

        A primeira secretária da câmara alta, foi procurar abrigo seguro por detrás da mesa de trabalho. Sentou confortavelmente e sentiu todas as câmeras de segurança, voltarem a funcionar uma a uma, os aparelhos de escuta também. O que sobrou para Luen, foi esperar a equipe de segurança, bater na porta e a pretexto de fazer uma varredura, que ocultava na verdade a trocar todos os aparelhos ocultos.                  

       E o tilintar de um metálico, inundou a sala de trabalho de Luen, fazendo-a voltar para a realidade. Era Alika, um tanto nervosa, ela dando conta de um contínuo clamava por Luen, Luen sabia que era Leroy, sabia que a cor da pele do garoto, que não combinava com o ambiente e por fim ela sabia o que ele tinha em mãos.  

     — Deixa o guri entrar! — Disse Luen suavemente.                    

       Alika achou estranho escutar a voz da chefe, que parecia brotar dentro da cabeça dela. E a porta do gabinete de Luen se abriu e rapidamente o contínuo caminhou para dentro do gabinete de Luen e o contínuo com passos firmes, andou até a mesa da primeira secretária da câmara alta. Leroy levantou a mão e entregou um envelope pardo para Luen, ela tomou o envelope de contínuo, agradeceu e sugeriu para o guri seguisse pelas escadas de incêndio.   

         — Obrigado madrinha! — Disse Leroy, cruzou os punhos e se curvou e andou para trás com a cabeça baixa se virou ao se aproximar da porta, que se abriu e o contínuo desapareceu.            

       Luen se recostou na confortável cadeira, colocou o envelope pardo em cima da mesa, a primeira secretária, colocou a palma da mão esquerda, em cima do envelope pardo. Luen leu o nome da revista Astro-domo e foi direto para a página três a Seção: Sub-texto e o Sub-drama, e começou a ler a narrativa.        

 

Seção: Subtexto e o Subdrama: O beco dos Batistas (Segunda parte)      

 

         Adamastor olhou para Nelson Júnior, Adamastor o dono do bar Cruzeiro do Sul que já tinha visto este olhar antes. Homem do mar, pescador, marujo e cozinheiro de barcos de pesca e da marinha mercante. Adamastor tinha rodado o mundo, adentrado em rios, servido em lanchas e iates de ricos homens e mulheres, em rios, lagos e em oceanos. Nelsinho Júnior era um menino, que teimava em crescer e se assustou com o mundo dos adultos. Adamastor já tinha visto o mesmo olhar, em homens e mulheres, ricos e pobres, doutos e doutas, gente simples e articulado e interioranos e cosmopolitas cidadãos de metrópoles.       O dono do bar Cruzeiro do sul, viu Nelson Junior, ganhar as ruas, foi atrás de Baltazar, foi rumo ao Beco dos Batistas. Adamastor fechou os olhos e pediu aos deuses que protegessem o pobre menino no corpo de um homem feito.

Nelson de forma mecânica, seguia Baltazar, sem ele saber os muitos porquês, somente seguia, pois sabendo para onde aquele estranho estava indo. Baltazar, voltava para casa, para o Beco dos Batistas. Andaram pelas ruas do bairro periférico, por alguns minutos e Baltazar saiu da avenida principal e entrou na travessa, o popular Beco dos Batistas. Nelson teve um arrepio ao adentrar na travessa, pois ouvira, de várias fontes, a respeito aquele lugar infame e temível, que na verdade era somente um núcleo familiar. Um lugar tão velho, que ninguém se lembrava dos antes, de como tinha se formado. Na contemporaneidade a família Batista, era composta de trabalhadores portuários e da pesca e se um ou outro membro, se metia em confusões, um pouco acima da média, não deveria ser algo demais. Sim alguns dos Batistas viviam brigando, exagerando nas bebidas, tomando dinheiro emprestado sem pagar, metidos em jogatina e eram homens e mulheres de muitos lençóis. Isso tudo em um passado não muito longe.  

           Nelson, o perseguidor de Baltazar, de fato se espantou, com o lugar, pois as lembranças do Beco dos Batistas, eram bem outra, de um lugar decadente para casas de classe média, veículos novos e seminovos e em bom estado nas garagens e pequenos jardins bem cuidados. E Nelson não viu, nenhuma pessoa na pequena e modesta travessa, bem calçada e muita tranquilidade emanava no local, foi o que realmente Nelson viu. E percebeu que Baltazar, entrou em um entre muros, dois muros afastados, que formavam um estreito corredor. Então Nelson, por fim descobriu o verdadeiro Beco dos Batistas e não teve dúvidas, entrou no beco e como era no final da tarde, à tardinha, não demoraria muito tempo ali, pois logo iria escurecer.

             Uma vez no estreito corredor, Nelson levou as mãos até os olhos, esfregou e esfregou, abriu e fechou os olhos, viu e aceitou o impossível, pois o estreito corredor parecia não ter fim. Então, Nelson se colocou em marcha, e o beco se configurava conforme Nelson caminhava, se alargava e se estreitava, o muro de cobria de limo e ora tomava cores claras e escuras outrora tomado de eras espinhosas. E por fim, depois de caminhar, sem ter noção do tempo decorrido, Nelson Júnior chegou no final do corredor e os raios crepusculares diagonais cortavam o céu. Indo de cima para baixo cegaram os olhos de Nelson e com o tempo percebeu onde estava.               

            Não era somente a extrema pobreza, o chão batido, as casas decrépitas de madeiras, as pessoas maltrapilhas de diversas raças, de meia idade na maioria delas e um poço artesiano, no meio da localidade. Não havia animais domésticos e nem crianças ou mesmo jovens, no lugar e ninguém notou, ou pareceu não notar, a presença de Nelson no lugar. E mais estranho foi notar a presença de Baltazar atrás dele.

            — Senhor Nelson? O que faz aqui? — Falou Baltazar amável, como se conhecesse Nelson por anos não o via a tempo. E demorou um tempo até Nelson, por fim ele se dei por vencido e olhou para trás.         

       — Estava andando pela vizinhança! E resolvi passar por aqui! — Disse Nelson, tentando se convencer do que acabara de dizer.      

       — Ora veja! — Disse Baltazar sorrindo com os olhos e continuou — Venha, eu gostaria de apresentar as pessoas aqui, mas eu não conheço ninguém por aqui, ou quase quero dizer, eu conheço o senhor! — Baltazar, deu uma enorme gargalhada, mostrando assim os dentes incrivelmente perfeitos. Baltazar ergueu a mão direita e indicou uma casa decrépita não muito longe dali, o homem de aparência eslava, com seus olhos verdes, cabelos cor de cobre e pele tostada pelo sol. Nelson, homem experiente, que era, e ao longo da vida adulta, já tinha se esbarrado, com lugares parecidos ao Beco dos Batistas e a pessoas iguais a Baltazar. A extrema pobreza, não era uma situação estranha para Nelson, mas aquele lugar tinha algo de errado, a atmosfera era muito estranha e Nelson começou a se adaptar ao lugar, mesmo a contragosto.               

         Ladeados, ambos andaram para o lugar apontado pelo anfitrião, a provável casa de Baltazar e chegando na frente da residência. Baltazar subiu em uma pequena escada de madeira, entrou na varanda e por fim sentou em uma cadeira de balanço de vime. E com a cabeça, mais uma vez, fez menção para Nelson se sentar na outra cadeira de balanço de vime ao lado de Baltazar. Nelson se sentou e esperou e esperou mais um pouco.

         — Então senhor Nelson, podes imaginar um lugar, como um receptáculo? Não me responda, não agora, só quero que me escute. Um lugar que recebe, não os desesperados ou os fracassos da vida, e sim os perdidos, os que não se encontram na vida! — Falou Baltazar em tom professoral e olhou para Nelson, para ver o efeito do que acabara de falar.               

          — Claro que sim, são sanitários, monastérios e retiros espirituais ou seculares, são para almas e corpos cansados, já conheci vários, são locais de descansos, paradas transitórias ou permanentes! — Respondeu Nelson em tom sonolento.

         — Falo em algo mais profundo, falo de um não lugar e um limbo na verdade! — Disse Baltazar em tom glacial.               

        — Deve ser um lugar horrível, um não lugar? Para gente confusa e desesperançada? Me parece mais uma prisão! — Proferiu Nelson, olhando para frente, quando viu uma figura conhecida, um homem negro e bem vestido. Rindo, ele estava rumado para o entre muro.

       — Não uma prisão, pois as pessoas podem sair, caso queiram e quando voltarem para a realidade que abandonaram, começa de onde pararam. Mas antes que o senhor dia algo, lhe digo que poucas pessoas assim o fizeram! — Falou Baltazar como se lia um texto e continuou. — Esse não lugar é um receptáculo, que recebe aquelas pessoas, que emigram de lugar para lugar, que vagam de profissão em profissão, pessoas cheias de fome, sem saber do que têm fome de fato. Geralmente, são pessoas bem sucedidas e dita corajosas e aventureiras.

        — Sim estou entendendo, mas não deixa de ser um lugar horrível, senhor Baltazar! — Falou Nelson de forma pastosa.

        — Sim um lugar terrível, onde o tempo não existe, as pessoas não existem e nada mais existe, um não lugar, a bem da verdade. — Disse Baltazar com uma voz gutural e continuou — Um lugar onde a pessoa pode ir embora quando quiser. O senhor está me entendendo senhor Nelson?                                

Luen tirou a mão de cima da Revista Astro-domo e se recostou na cadeira, não estava satisfeita com a escrita, mas era um bom começo. E o interfone tocou, Alika informou que a equipe de segurança, estava ali e queria fazer uma varredura no gabinete do primeiro secretariado.    

Fragmento do livro Sono Paradoxal, de Samuel Da Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

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