Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
‘’Reconheci
o meu erro, ainda estava vivendo em um sonho,
Ou
num delírio, que eu mesma deixei me levar,
Num
passado complexo e cheio de mentiras.
Absurdos,
que até uma criança poderia desvendar!!!’’
Fabiane
Braga Lima
Luen acompanhou com todos os sentidos,
Alika virar as costas e partir, o vazio que ficou era mais forte, que as
palpitações do coração, da ocupante do cargo do primeiro secretariado, da cama
alta. Luen tentou auscultar o que Alike pensava, mas não conseguiu, somente o
andar cambaleante da jovem mulher e o perfume de alvas rosas frescas que
exalava da moça. A assistente tentou abrir a porta e não conseguiu, só abriu na
terceira tentativa.
A primeira secretária da câmara alta,
foi procurar abrigo seguro por detrás da mesa de trabalho. Sentou
confortavelmente e sentiu todas as câmeras de segurança, voltarem a funcionar
uma a uma, os aparelhos de escuta também. O que sobrou para Luen, foi esperar a
equipe de segurança, bater na porta e a pretexto de fazer uma varredura, que
ocultava na verdade a trocar todos os aparelhos ocultos.
E o tilintar de um metálico, inundou a
sala de trabalho de Luen, fazendo-a voltar para a realidade. Era Alika, um tanto
nervosa, ela dando conta de um contínuo clamava por Luen, Luen sabia que era
Leroy, sabia que a cor da pele do garoto, que não combinava com o ambiente e
por fim ela sabia o que ele tinha em mãos.
— Deixa o guri entrar! — Disse Luen
suavemente.
Alika achou estranho escutar a voz da
chefe, que parecia brotar dentro da cabeça dela. E a porta do gabinete de Luen
se abriu e rapidamente o contínuo caminhou para dentro do gabinete de Luen e o
contínuo com passos firmes, andou até a mesa da primeira secretária da câmara
alta. Leroy levantou a mão e entregou um envelope pardo para Luen, ela tomou o
envelope de contínuo, agradeceu e sugeriu para o guri seguisse pelas escadas de
incêndio.
— Obrigado madrinha! — Disse Leroy,
cruzou os punhos e se curvou e andou para trás com a cabeça baixa se virou ao
se aproximar da porta, que se abriu e o contínuo desapareceu.
Luen se recostou na confortável cadeira,
colocou o envelope pardo em cima da mesa, a primeira secretária, colocou a
palma da mão esquerda, em cima do envelope pardo. Luen leu o nome da revista
Astro-domo e foi direto para a página três a Seção: Sub-texto e o Sub-drama, e
começou a ler a narrativa.
Seção:
Subtexto e o Subdrama: O beco dos Batistas (Segunda parte)
Adamastor olhou para Nelson Júnior,
Adamastor o dono do bar Cruzeiro do Sul que já tinha visto este olhar antes.
Homem do mar, pescador, marujo e cozinheiro de barcos de pesca e da marinha
mercante. Adamastor tinha rodado o mundo, adentrado em rios, servido em lanchas
e iates de ricos homens e mulheres, em rios, lagos e em oceanos. Nelsinho
Júnior era um menino, que teimava em crescer e se assustou com o mundo dos
adultos. Adamastor já tinha visto o mesmo olhar, em homens e mulheres, ricos e
pobres, doutos e doutas, gente simples e articulado e interioranos e
cosmopolitas cidadãos de metrópoles.
O dono do bar Cruzeiro do sul, viu Nelson Junior, ganhar as ruas, foi
atrás de Baltazar, foi rumo ao Beco dos Batistas. Adamastor fechou os olhos e
pediu aos deuses que protegessem o pobre menino no corpo de um homem feito.
Nelson
de forma mecânica, seguia Baltazar, sem ele saber os muitos porquês, somente
seguia, pois sabendo para onde aquele estranho estava indo. Baltazar, voltava
para casa, para o Beco dos Batistas. Andaram pelas ruas do bairro periférico,
por alguns minutos e Baltazar saiu da avenida principal e entrou na travessa, o
popular Beco dos Batistas. Nelson teve um arrepio ao adentrar na travessa, pois
ouvira, de várias fontes, a respeito aquele lugar infame e temível, que na
verdade era somente um núcleo familiar. Um lugar tão velho, que ninguém se
lembrava dos antes, de como tinha se formado. Na contemporaneidade a família
Batista, era composta de trabalhadores portuários e da pesca e se um ou outro
membro, se metia em confusões, um pouco acima da média, não deveria ser algo
demais. Sim alguns dos Batistas viviam brigando, exagerando nas bebidas,
tomando dinheiro emprestado sem pagar, metidos em jogatina e eram homens e
mulheres de muitos lençóis. Isso tudo em um passado não muito longe.
Nelson, o perseguidor de Baltazar,
de fato se espantou, com o lugar, pois as lembranças do Beco dos Batistas, eram
bem outra, de um lugar decadente para casas de classe média, veículos novos e seminovos
e em bom estado nas garagens e pequenos jardins bem cuidados. E Nelson não viu,
nenhuma pessoa na pequena e modesta travessa, bem calçada e muita tranquilidade
emanava no local, foi o que realmente Nelson viu. E percebeu que Baltazar,
entrou em um entre muros, dois muros afastados, que formavam um estreito
corredor. Então Nelson, por fim descobriu o verdadeiro Beco dos Batistas e não
teve dúvidas, entrou no beco e como era no final da tarde, à tardinha, não
demoraria muito tempo ali, pois logo iria escurecer.
Uma vez no estreito corredor,
Nelson levou as mãos até os olhos, esfregou e esfregou, abriu e fechou os
olhos, viu e aceitou o impossível, pois o estreito corredor parecia não ter
fim. Então, Nelson se colocou em marcha, e o beco se configurava conforme
Nelson caminhava, se alargava e se estreitava, o muro de cobria de limo e ora
tomava cores claras e escuras outrora tomado de eras espinhosas. E por fim,
depois de caminhar, sem ter noção do tempo decorrido, Nelson Júnior chegou no
final do corredor e os raios crepusculares diagonais cortavam o céu. Indo de
cima para baixo cegaram os olhos de Nelson e com o tempo percebeu onde
estava.
Não era somente a extrema pobreza,
o chão batido, as casas decrépitas de madeiras, as pessoas maltrapilhas de
diversas raças, de meia idade na maioria delas e um poço artesiano, no meio da
localidade. Não havia animais domésticos e nem crianças ou mesmo jovens, no
lugar e ninguém notou, ou pareceu não notar, a presença de Nelson no lugar. E
mais estranho foi notar a presença de Baltazar atrás dele.
— Senhor Nelson? O que faz aqui? —
Falou Baltazar amável, como se conhecesse Nelson por anos não o via a tempo. E
demorou um tempo até Nelson, por fim ele se dei por vencido e olhou para
trás.
— Estava andando pela vizinhança! E
resolvi passar por aqui! — Disse Nelson, tentando se convencer do que acabara
de dizer.
— Ora veja! — Disse Baltazar sorrindo
com os olhos e continuou — Venha, eu gostaria de apresentar as pessoas aqui,
mas eu não conheço ninguém por aqui, ou quase quero dizer, eu conheço o senhor!
— Baltazar, deu uma enorme gargalhada, mostrando assim os dentes incrivelmente
perfeitos. Baltazar ergueu a mão direita e indicou uma casa decrépita não muito
longe dali, o homem de aparência eslava, com seus olhos verdes, cabelos cor de
cobre e pele tostada pelo sol. Nelson, homem experiente, que era, e ao longo da
vida adulta, já tinha se esbarrado, com lugares parecidos ao Beco dos Batistas
e a pessoas iguais a Baltazar. A extrema pobreza, não era uma situação estranha
para Nelson, mas aquele lugar tinha algo de errado, a atmosfera era muito
estranha e Nelson começou a se adaptar ao lugar, mesmo a contragosto.
Ladeados, ambos andaram para o lugar
apontado pelo anfitrião, a provável casa de Baltazar e chegando na frente da
residência. Baltazar subiu em uma pequena escada de madeira, entrou na varanda
e por fim sentou em uma cadeira de balanço de vime. E com a cabeça, mais uma
vez, fez menção para Nelson se sentar na outra cadeira de balanço de vime ao
lado de Baltazar. Nelson se sentou e esperou e esperou mais um pouco.
— Então senhor Nelson, podes imaginar
um lugar, como um receptáculo? Não me responda, não agora, só quero que me
escute. Um lugar que recebe, não os desesperados ou os fracassos da vida, e sim
os perdidos, os que não se encontram na vida! — Falou Baltazar em tom
professoral e olhou para Nelson, para ver o efeito do que acabara de falar.
— Claro que sim, são sanitários,
monastérios e retiros espirituais ou seculares, são para almas e corpos
cansados, já conheci vários, são locais de descansos, paradas transitórias ou
permanentes! — Respondeu Nelson em tom sonolento.
— Falo em algo mais profundo, falo de um
não lugar e um limbo na verdade! — Disse Baltazar em tom glacial.
— Deve ser um lugar horrível, um não
lugar? Para gente confusa e desesperançada? Me parece mais uma prisão! —
Proferiu Nelson, olhando para frente, quando viu uma figura conhecida, um homem
negro e bem vestido. Rindo, ele estava rumado para o entre muro.
— Não uma prisão, pois as pessoas podem
sair, caso queiram e quando voltarem para a realidade que abandonaram, começa
de onde pararam. Mas antes que o senhor dia algo, lhe digo que poucas pessoas
assim o fizeram! — Falou Baltazar como se lia um texto e continuou. — Esse não
lugar é um receptáculo, que recebe aquelas pessoas, que emigram de lugar para
lugar, que vagam de profissão em profissão, pessoas cheias de fome, sem saber
do que têm fome de fato. Geralmente, são pessoas bem sucedidas e dita corajosas
e aventureiras.
— Sim estou entendendo, mas não deixa
de ser um lugar horrível, senhor Baltazar! — Falou Nelson de forma pastosa.
— Sim um lugar terrível, onde o tempo não existe, as pessoas não existem e nada mais existe, um não lugar, a bem da verdade. — Disse Baltazar com uma voz gutural e continuou — Um lugar onde a pessoa pode ir embora quando quiser. O senhor está me entendendo senhor Nelson?
Luen
tirou a mão de cima da Revista Astro-domo e se recostou na cadeira, não estava
satisfeita com a escrita, mas era um bom começo. E o interfone tocou, Alika
informou que a equipe de segurança, estava ali e queria fazer uma varredura no
gabinete do primeiro secretariado.
Fragmento do livro Sono Paradoxal, de Samuel Da Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
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